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Em 2003, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) chegou a fazer uma tentativa de construção de um programa de Comunicação e Informação Ambiental. Na ocasião foi criado um Grupo de Trabalho (GT) instituído pela Portaria no 64/2003 para formular uma “proposta de diretrizes de política, instrumentos e ações direcionadas para fomentar a produção, a difusão e a democratização da informação ambiental no país”46. Isso ocorreu

no mesmo ano em que foi instituída a já citada Lei Federal no 10.650/2003, que trata da obrigatoriedade do acesso público a informações ambientais.

Esse Grupo de Trabalho foi formado por representantes do próprio MMA, da assessoria de comunicação do órgão, membros da sociedade civil reunido na Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA), Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA) e o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, entre outros grupos que reuniam comunicadores e educadores. Os objetivos desse GT incluíam diretrizes para apoio a formações de comunicadores, a articulação de ações de democratização da comunicação e inclusão digital, bem como o incentivo a instrumentos para viabilizar publicidade de planos de mídias governamentais – misturando questões de democracia da informação com publicidade do Governo.

O GT, no entanto, foi instalado somente em maio de 2006, em uma oficina de planejamento realizada em Brasília, durante dois dias. A ata da oficina47 traz um

resumo do primeiro encontro, que reuniu mais de 30 participantes, com um esboço que serviria para orientar a construção da política, incluindo nela muitas das propostas colocadas no Programa Nacional de Educação Ambiental. Essa construção da política, no

45 Foi instituído um órgão gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, composto pelo MMA e

MEC, por meio da Lei Federal nº 9.795/1999 e o Decreto nº 4.281/2002. Esse órgão tem como objetivos definir diretrizes para implementação da educação Ambiental no território nacional, entre outros.

46 O conteúdo da portaria está disponível em: < http://bit.ly/1J7YAv8>. Acesso em 2 fev 2015. 47 Disponível em: < http://bit.ly/1HBEAi4> . Acesso em 2 fev 2015.

entanto, não avançou. Não há memória disponível sobre o andamento desse processo até a sua paralisação.

À época, em 2005, outro documento de referência estava sendo construído o Programa de Educomunicação Socioambiental, por iniciativa do próprio MMA. Este documento-base não chegou a ser efetivamente transformado em programa ou lei federal, mas o MMA considera a Educomunicação como linha de ação, e apresenta tal documento iniciado em 2005 como orientador para ações de Educomunicação Socioambiental.

Disponível no portal do MMA48 este documento incorporou diversas recomendações debatidas no âmbito do GT de Comunicação e Informação Ambiental, cuja missão é “subsidiar propostas de políticas públicas associadas ao Programa Nacional de Educação Ambiental e orientar práticas de comunicação no campo da Educação Ambiental” (MMA, 2008, s/n). Em um de seus trechos afirma que seria objetivo da Educomunicação “estimular e difundir a comunicação popular participativa no campo da Educação brasileira”, e lrmbra que “Educomunicação Socioambiental é diferente de marketing institucional da Educação Ambiental, porque se constrói no diálogo e na participação democrática” (MMA, 2008, s.n.).

Mais adiante, o documento informa que, na perspectiva da Educomunicação, uma política de gestão da informação precisa incluir a democratização dos meios – o que já foi sugerido na própria Política Nacional de Educação Ambiental. Fazendo uma leitura resumida, o documento-base sobre Educomunicação Socioambiental lançado em 2008 pelo MMA tenta reforçar práticas de comunicação e de educação que deveriam ser a tônica de qualquer processo educativo, cujos princípios apontados, como diálogo, interdisciplinaridade e troca de saberes e produção participativa de conteúdos, no fundo é o processo também de comunicação tão referenciado por Paulo Freire.

Este documento do MMA evidencia aquilo que seria a essência da interface entre Educação e Comunicação, compondo o conceito de Educomunicação. Soares (2000), um dos principais pesquisadores brasileiros do campo da Educomunicação, descreve-o como um campo de intervenção social, no qual ações de planejamento, implementação e avaliação de processos, programas e produtos, fortalecem os chamados

ecossistemas educomunicativos nos espaços educativos – expressão utilizada para descrever o esforço de se ampliar as relações de comunicação entre os envolvidos num processo educativo.

Esse campo se firmou a partir de reflexões de práticas que utilizavam a comunicação para favorecer processos educativos, desde a atuação de movimentos sociais a partir das décadas de 1970 e 1980 – quando a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) utilizou o neologismo Educommunication como sinônimo de Media Education (Soares, 2012), ou educação para a recepção crítica

dos meios. O campo da Educomunicação ganhou corpo a partir da produção de

pensadores que refletiam sobre a relação entre o educar e o comunicar, como o já citado Paulo Freire e ainda Mário Kaplun e Jesús Martim-Barbero.

Embora muitos entendam apenas um dos aspectos da Educomunicação, que seria o de grupos de pessoas criando ferramentas de comunicação para intervir na realidade onde vivem, Freire (1983) trouxe influência ao desenvolvimento do campo a partir de suas reflexões sobre o diálogo de saberes e se realmente nos disponibilizamos a realizá-lo. Já Kaplun (1999) é um dos defensores da ideia de que todo processo de ensino- aprendizagem (e esse processo pode ocorrer numa aula, mas também numa construção coletiva e ainda na própria gestão participativa) deve “dar lugar à manifestação pessoal dos sujeitos educandos, desenvolver sua competência linguística, propiciar o exercício social através do qual se apropriarão dessa ferramenta indispensável para sua elaboração conceitual” (Kaplun, 1999, p. 71).

Formas de comunicação comunitária ou popular, como jornais construídos por associações de moradores, entre outros, de certa forma estão associados ao “guarda- chuva” temático da Educomunicação, mas são apenas parte da área que inclui outras formas de diálogo, de interação, que possibilitem o processo de comunicação entre pessoas e grupos. Soares (2000) apontou quatro grandes áreas de intervenção social a partir do conceito de Educomunicação, adaptadas por Menezes (2014, p. 10-11) a partir do cruzamento entre as ideias de Soares e do documento sobre Educomunicação Socioambiental proposto pelo MMA. Essas áreas estariam agrupadas da seguinte forma:

1) Educação para a comunicação – Nessa área o foco é a reflexão crítica sobre a produção dos meios de comunicação. No campo da

Educação Ambiental, significa propor uma leitura sobre a mídia, o que ela produz sobre questões socioambientais. Porém, mais do que refletir sobre os veículos de comunicação de massa, o olhar da Educomunicação a partir deste princípio propõe também um cuidado, uma espécie de “preocupação educomunicativa” com a produção de outros meios comunicativos, como cartilhas e outros materiais educativos no âmbito das UCs. Na prática, isso significa desde planejar com maior cuidado estes produtos educativos, até incluir de alguma forma, a participação dos atores que são o público desses produtos em sua construção e avaliação. Essa participação também é uma forma de diálogo.

2) Mediação tecnológica da comunicação – Inclui a expressão dos atores sociais produzindo seus próprios meios, coletivamente, sejam jornais, programas de rádio, vídeos, blogs, utilizados para debater temas socioambientais. Esse princípio também trata da garantia de se incluir a utilização de Tecnologias de Informação e Educação (as TICs) de forma democrática, passando pela reflexão crítica sobre a utilização desses meios, que nem sempre é livre e autônoma. A prática desse princípio da Educomunicação se estende ao estímulo de espaços de democratização da informática, como telecentros, mas precisa incluir também a democratização do uso das ferramentas por meio do ensino (crítico) de utilização do computador e dos recursos da internet. (...) 3) Gestão da comunicação no espaço educativo – A proposta do olhar educomunicativo sobre a gestão da comunicação engloba o planejamento, a implementação e a avaliação de projetos e programas de Educomunicação de forma participativa. Na prática, além de produzir mídia, esse olhar sugere que os atores sociais planejem, por exemplo, que tipo de mídia querem construir. Ou ainda, que estratégias de comunicação e produtos acham necessário implementar, por exemplo, no âmbito da gestão de um projeto ou programa. Até a presença de marcas financiadoras de um projeto, nessa ótica da gestão educomunicativa, deveria ser debatida com os participantes envolvidos nesse projeto.

4) Reflexão epistemológica – É a quarta área de intervenção proposta por Soares: a realização de pesquisas acadêmicas para se refletir sobre o campo. (...) (MENEZES, 2011, p. 10-11)

Se os campos da Educação e da Comunicação encontram pontos em comum e em uma relação de interdependência, para que se criar um novo campo reunindo as duas áreas? Para valorizar a relação e interdependência entre estes dois campos. A justificativa para esse novo campo do conhecimento, o da Educomunicação, teria a ver também com leitura que se dá sobre a disputa entre estes dois campos, em detrimento de um diálogo e interface maior entre eles. Baccega (2003, p. 219) fala em “uma grande disputa entre os meios de comunicação, de um lado, e as tradicionais agências de socialização – escola e família, de outro”, onde ambos “pretendem ter a hegemonia na influência da formação de valores, na condução do imaginário e dos procedimentos dos indivíduos sujeitos”. Não à toa, os meios de comunicação são apontados como fontes de informação sobre questões ambientais, mais do que livros didáticos ou referenciais

acadêmicos, a exemplo do que foi apontado em uma pesquisa pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) junto a professores da Educação Básica49.

A Educomunicação pressupõe os já citados ecossistemas comunicativos, onde a gestão de recursos, o ambiente de organização dos processos comunicativos e as ações que nela ocorrem tenham “a descentralização de vozes, a dialogicidade, a interação” (PRÓSPERO, 2013, p. 91). Há desafios no processo, para se alcançar a autonomia. No âmbito de um processo educativo que é realizado a partir a produção coletiva de um jornal, por exemplo, para provocar a troca de conhecimento, de saberes e a acessibilidade à informação, a necessidade do “produto” jornal passar pela “autorização” de uma instância superior – seja um patrocinador, ou o órgão público que media o processo, pode gerar conflitos.

Mas é real que utilizar a Educomunicação, suas ferramentas, seus processos e formas de construção coletiva de conhecimento, a partir do acesso à informação em seus múltiplos formatos e possibilidades, implica em reflexões claras e continuadas sobre sua utilização, seja na educação formal ou não formal.Não é um processo rápido e nem fácil, pois “obriga a inclusão de temas como mediações, criticidade, informação, conhecimento, circulação das formas simbólicas, ressignificação da escola e do professor, recepção, entre muitos” (BACCEGA, 2003, p. 222). A noção de “professor” ou detentor de um conhecimento a ser repassado é forte em alguns educadores, que precisam res-significar a educação dentro e fora da sala de aula.

Quanto levada ao campo da gestão ambiental pública, a Educomunicação traz uma visão que valoriza o campo da Comunicação Ambiental para além das mídias de massa e dos discursos institucionais. E por isso mesmo é um campo de conflitos, pois o Poder Público ainda não está preparado para a horizontalidade e a disponibilização de informações. Esse panorama traz profundas reflexões para a prática da Educação Ambiental e, consequentemente, do educador, que precisa rever a sua forma de dialogar (ou se comunicar) com os públicos com que interage. Isto porque, avançar sobre os conflitos significa encontrar, repensar formas de repasse de conteúdo, de construção coletiva de saberes, que realmente façam sentido e provoquem as pessoas a pensar as questões ambientais e participar do debate sobre elas de forma mais efetiva, em

49 A pesquisa Fontes de Informação dos Professores da Educação Básica: Subsídios para a Divulgação dos

Conhecimentos Acadêmicos e Científicos sobre Educação Ambiental foi desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental (GPEA) do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Unesp-Bauru. Foi realizada em 2008, com entrevistas e questionários junto a 277 professores que trabalhavam com Educação Ambiental. A pesquisa apontou que a maioria dos professores buscava informações, à época, em revistas (23%), seguido de livros didáticos (16%) e internet (14%). Informações disponíveis no site da Agência Fapesp: http://agencia.fapesp.br/distantes_da_producao_cientifica/13063/, Acesso em 2 fev 2015.

consonância com aquilo que já foi exposto no Programa Nacional de Educação Ambiental como necessário.

O olhar educomunicativo precisa pontuar as práticas de gestão ambiental, mesmo quando não há processos formais de educação. A postura educomunicativa, que envolve a democratização do acesso a informação, a preocupação com a linguagem, o sentido das palavras e as práticas discursivas, e ainda a descentralização de quem comunica, pode ser a tônica de quem media processos de gestão participativa. Ainda mais quando não há um referencial claro como uma política institucionalizada de Comunicação Ambiental, como a que se tentou elaborar. Pouco importa o produto, meio, ferramenta, se reunião, blog, apostila, feito em grupo por várias mãos; a postura deve ser a mesma, sempre rumo ao diálogo, não somente a imposição.

2.7. Educação Ambiental nas UCs e a Estratégia Nacional de Comunicação e