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5. Definindo novos caminhos de financiamento da educação básica

5.2. As dificuldades de redistribuir recursos: os fatores de ponderação

5.2.1. Breve resgate histórico

5.2.1.1. Duas pesquisas lançam luz sobre o problema

Não existem estudos oficiais validados pelo INEP/MEC e/ou aceitos pelos entes federados sobre o tema. O único esforço oficial para cumprir o disposto na legislação se deu no âmbito do INEP33: tendo início em 2003 e publicada em 2005, a instituição em consórcio com instituições de ensino superior de oito estados (Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo) desenvolveu pesquisa descritiva e avaliativa do custo-aluno/ano e de aspectos referentes à organização e gestão escolar.

Na apresentação da publicação que socializou os resultados deste esforço a direção do INEP enumera as razões que presidiram a pesquisa, com destaque para a tarefa de “levantar e analisar as fontes de recursos de escolas públicas e os principais componentes do custo-aluno

33 A pesquisa que será comentada foi produzida para o Inep segundo o Contrato nº 2.004/001993 e o Termo de Referência nº 112.390.

num período de doze meses” e “subsidiar o Governo Federal e administrações públicas em geral, no estudo das necessidades de financiamento público à educação a partir do custo-aluno apurado nas instituições”.

Na introdução, as coordenadoras da pesquisa destacam que o:

(...) estudo foi concebido como uma das formas de concretizar a intenção do Inep de analisar de forma detalhada, os principais componentes do custo/aluno, utilizando-se de um desenho por amostragem que abrangesse estados de todas as regiões brasileiras e escolas públicas que oferecessem as diferentes etapas e modalidades da Educação Básica (FARENZENA, 2005, p. 14).

O referido estudo trabalha com uma amostragem direcionada pelo critério de qualidade das escolas pesquisadas34. A “qualidade” foi construída por da aplicação do índice de Escolha de Escola (IEE), o qual as classificava a partir das condições de oferta oferecidas, usando os seguintes critérios:

1. Infraestrutura: serviços básicos, equipamentos pedagógicos, infraestrutura pedagógica, equipamentos básicos, infraestrutura básica;

2. Perfil do docente: taxa de docentes com formação superior;

3. Perfil do aluno: taxa de aprovação e taxa de adequação idade/série;

4. Perfil da oferta: número médio de horas-aula diárias e número médio de alunos por turma.

Os dados apresentados pelos pesquisadores de oito instituições de ensino superior foram sistematizados e analisados por Verhine (2006). O referido pesquisador trabalhou com dois conceitos de custo aluno para construir os resultados e análises. Os dados foram agrupados tendo por base o Custo-Aluno – Manutenção do Ensino (CA-MAN) e o Custo-Aluno – Econômico (CA-ECO).

O CA-MAN agregou as categorias de pessoal, material de consumo, material permanente e outros insumos, na tentativa de subsidiar políticas relativas ao funcionamento do cotidiano escolar. Tais políticas são importantes tanto no nível da escola quanto no da administração central, pois trata do custeio da escola já existente. O CA-ECO, por sua vez, além das categorias usadas no cálculo do custo-aluno MAN, considerou as instalações físicas (terreno e prédio) e merenda escolar. O custo-aluno econômico é útil para a tomada de decisões no âmbito da política global, pois busca representar os custos sociais de oportunidade associados com o funcionamento de escolas públicas de

34 A amostra do estudo foi intencional, não probabilística, sendo constituída na sua forma final por 95 unidades escolares. As escolas estavam localizadas em oito estados, sendo seis federais, 33 estaduais e 56 municipais. A pesquisa abrangeu quinze escolas rurais e oitenta urbanas.

qualidade. A diferença entre CA-ECO e CA-MAN é a soma do custo-aluno- ano para merenda escolar+prédio+terreno (VERHINE, 2006, p. 48).

Para a construção de uma referência nacional de padrão mínimo de qualidade, certamente o conceito de custo aluno-econômico é mais apropriado. Uma conversão dos resultados encontrados na pesquisa para a dinâmica de fatores de ponderação (tendo as séries iniciais do ensino fundamental como indexador) está descrita na tabela abaixo.

Tabela 12 – Custo aluno aferido em escolas pesquisadas pelo INEP em 2003.

ETAPAS E

MODALIDADES CUSTO ALUNO VARIAÇÃO

PIB PER CAPITA CRECHE 3.923,00 2,21 45,8% PRÉ-ESCOLA 2.544,00 1,43 29,7% ALFABETIZAÇÃO 1.815,00 1,02 21,2% 1ª A 4ª SÉRIE 1.777,00 1,00 20,7% 5ª A 8ª SÉRIE 1.624,00 0,91 19,0% ENSINO MÉDIO 2.062,00 1,16 24,1% MEDIO NORMAL 3.249,00 1,83 37,9% PROFISSIONALIZANTE 4.075,00 2,29 47,6% EDUC JOVENS E ADULTOS 1.091,00 0,61 12,7% EDUCAÇÃO ESPECIAL 1.877,00 1,06 21,9%

Fonte: Verhine (2006). Elaboração própria.

As variações encontradas nas 95 escolas de qualidade pesquisadas por encomenda do INEP em 2003 já indicavam que o intervalo entre elas percorria um caminho que se inicia com a Educação de Jovens e Adultos (0,61 do valor das séries iniciais) até chegar ao outro extremo encontrado para o Ensino Profissionalizante (2,29 do valor das séries iniciais).

A tabela acima também converte os valores encontrados pela referida pesquisa em percentual do PIB per capita de 2003. Os percentuais encontrados são superiores aos

reivindicados pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e aprovados pelo Conselho Nacional de Educação.

Os relatórios estaduais da pesquisa, coordenados por Nalú Farenzena, e as análises de Robert Verhine foram publicadas em 2006, mas certamente disponíveis desde 2005 internamente. Ou seja, o Ministério da Educação possuía no âmbito de sua autarquia responsável por pesquisas educacionais, elementos concretos para a definição de um padrão mínimo de qualidade e, por conseguinte, também para a definição dos fatores de ponderação antes da regulamentação do Fundeb (2007) e da criação das balizas de variação entre etapas e modalidades. Porém, tais insumos não foram assumidos como referência pelo governo federal e não foram aceitos pela representação dos gestores estaduais, preocupados em conquistar um formato que não alterasse de forma radical o status quo de distribuição dos recursos vivenciados no Fundef.

Em 2012 foi publicado o resultado de pesquisa desenvolvida pela União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação Municipal (UNDIME) denominada “Perfil dos Gastos Educacionais nos Municípios Brasileiros – Ano base: 2009”. A referida pesquisa teve como fatores geradores a constatação de que as informações disponíveis no SIOPE35 sobre os custos da educação municipal estavam imprecisas e o fato de que a ausência de dados desagregados de Creche e Pré-escola dificultava o debate sobre a revisão dos fatores de ponderação do Fundeb, reivindicação dos dirigentes municipais de educação.

Foram coletadas informações de 224 municípios distribuídos por 25 estados, sendo que suas informações amostrais possuem validade nacional e regional e tiveram por base os dados de despesa executada no ano de 2009.

A pesquisa se propôs como objetivos verificar o montante investido em manutenção e desenvolvimento do ensino em municípios, verificar o valor investido por aluno, na rede municipal, discriminado em Creche, Pré-escola, séries iniciais e séries finais do ensino fundamental e educação de jovens e adultos, identificar diferenças regionais existentes entre

35 O Siope (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação) foi instituído em 2006 e é ge e iado pelo FNDE. A Po ta ia º 6 de de ju ho de 6 to ou o dição i dispe sável o preenchimento do Siope, para os entes federados receberem recursos de transferências voluntárias, também servindo como fonte de dados para o MEC/ INEP. O Sistema coleta informações de receita e despesa de estados e municípios.

municípios e ainda comparar o gasto real municipal com os projetados pelo Custo Aluno- Qualidade Inicial (CAQi).

Algumas descobertas da Undime (2012) dizem respeito diretamente ao tema da presente pesquisa.

Em primeiro lugar, os dados coletados confirmaram a existência de forte desigualdade entre as Regiões. O valor médio encontrado em Creche no Nordeste representou apenas 36,5% da média nacional. Por outro lado, o valor encontrado no Sudeste era 4,4 vezes maior do que o praticado no Nordeste e 1,6 maior do que a média nacional. Mesmo no ensino fundamental, que possui uma base redistributiva, via política de fundos vigente em termos nacionais desde 1998, a diferença entre Sudeste e Nordeste é de quase duas vezes (1,91).

Em segundo lugar, foi possível identificar fatores de ponderação reais e válidos para a rede municipal. Ou seja, diferentemente do CAQi e da Pesquisa encomendada pelo INEP, esta pesquisa identificou fatores praticados. A tabela abaixo expõe as descobertas deste quesito.

Tabela 13 - Fatores de ponderação identificados pela pesquisa – Brasil 2009.

Etapas e Modalidades Valor Percentual

Creche 5.144,09 1,83 Pré-escola 2.647,10 0,94 Educação Infantil 3.122,36 1,11 Séries Iniciais 2.815,46 1 Séries Finais 3.134,38 1,11 Ensino Fundamental 2.937,65 1,04

Educação de Jovens e Adultos (EJA) 1.881,95 0,67

Fonte: Banco de dados da pesquisa “Perfil dos gastos educacionais nos municípios brasileiros – ano base: 2009”.

Os percentuais encontrados apresentam semelhanças e diferenças com o que é oficialmente utilizado para redistribuir os recursos no Fundeb. A diferença mais significativa se localiza no percentual das matrículas de creche, pois foi encontrada uma variação de 1,83, bem acima do valor praticado no ano da pesquisa (1,1 em 2009).

Em terceiro lugar, lançando um pouco mais de luz sobre as desigualdades territoriais e os efeitos destas no padrão de oferta dos serviços educacionais, a pesquisa

comparou os custos reais das matrículas de creche em quatro estados selecionados (Ceará, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Santa Catarina). A comparação, utilizando o Ceará como indexador (escolhido por ser o único dos quatro a receber complementação da União via o fundo e estar localizado na Região Nordeste), foi feita entre os números encontrados e também com as variações entre estes estados nos dados oficiais do Fundeb.

Tabela 14 - Distância percentual entre valores por aluno de Creche em estados selecionados – Fundeb versus Pesquisa – 2009.

Estados selecionados Fundeb Pesquisa Undime

Ceará 1 1

Mato Grosso do Sul 1,51 1,67

São Paulo 1,61 3,53

Santa Catarina 1,31 2,72

Fonte: Banco de dados da pesquisa “Perfil dos gastos educacionais nos municípios brasileiros – ano base: 2009”.

Esta tabulação permite perceber que não é suficiente para analisar as desigualdades territoriais a utilização apenas dos recursos disponibilizados em cada fundo estadual, pois os recursos não vinculados ao Fundeb são assimétricos e aprofundam as desigualdades. Assim, pelos dados coletados pela Undime (2012) enquanto no Fundeb a distância do custo das creches entre São Paulo e Ceará era de 1,61 vezes, na realidade da execução orçamentária esta diferença foi de 3,53 vezes. Diferença significativa também foi encontrada em Santa Catarina, que saltou de 1,31 para 2,72 vezes.

A diferença de receita total disponível em cada município torna bastante desigual a importância dos recursos do Fundeb para o custo final executado nas matrículas de creche (e obviamente nas demais). Enquanto os valores repassados via o fundo para o Ceará cobriram 66,5% dos custos municipais efetivados para a manutenção das creches em 2009, no estado de São Paulo a participação do Fundeb foi responsável por apenas 30,3% das despesas municipais com suas creches.

Por fim, também vale o registro da contribuição da pesquisa para a visualização da distância entre o valor por aluno efetivamente aplicado pelos municípios na Região Nordeste e

sua distância para os valores propostos pelo Custo Aluno-Qualidade Inicial. A escolha da Região Nordeste pela Undime (2012) é justificada pela sua realidade no campo das desigualdades e por comportar a maioria dos fundos estaduais que percebem complementação da União por conviverem com per capitas muito baixas em seus respectivos fundos estaduais.

Tabela 15 - Comparação entre Região Nordeste e Parecer CAQi – 2009.

Etapas e modalidades Undime (A) CAQi (B) Diferença (A/B)

Creche 1.876,89 6.450,70 29,10%

Pré-Escola 1.531,56 2.527,76 60,60%

Séries Iniciais 1.948,80 2.396,44 81,30%

Séries Finais 2.276,16 2.347,20 97%

Fonte: Banco de dados da pesquisa “Perfil dos gastos educacionais nos municípios brasileiros – ano base: 2009”.

Em valores médios, o valor por aluno mais distante do CAQi é o efetivado com as crianças matriculadas em creche, pois o valor efetivado correspondia em 2009 apenas a 29,1% do padrão mínimo de qualidade. A distância encontrada nas matrículas de pré-escola também é desconfortável, pois os recursos dispendidos cobriram somente 60,6% do valor do CAQi. Os valores do ensino fundamental, especialmente das séries finais são os que mais se aproximam do esperado.

Os dois esforços acima descritos demonstraram a impropriedade dos fatores de ponderação estabelecidos em lei e lançaram luzes sobre a persistência da desigualdade territorial, mesmo com as melhoras operadas em termos redistributivos pelo Fundeb. Além de suas contribuições ao debate, as duas pesquisas têm em comum o fato de não terem conseguido influenciar uma mudança das regras do jogo redistributivo.