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Modelos redistributivos: fundo único, fundos por etapa e fundos estaduais

5. Definindo novos caminhos de financiamento da educação básica

5.3. Modelos redistributivos: fundo único, fundos por etapa e fundos estaduais

Para completar a análise dos parâmetros a serem considerados para definir as simulações realizadas por esta pesquisa, cabe averiguar os vários formatos de distribuição de recursos via fundos educacionais.

Como já descrito anteriormente, especialmente após a década de 1930, várias tentativas foram feitas para construção de uma política de fundos, sendo que é possível identificar tentativas na Constituição de 1934 e 1946, por exemplo. Portanto, mesmo que a experiência mais duradoura só tenha sido implementada com a promulgação da Emenda Constitucional nº 14/1996, a ideia já estava presente nas proposições de Anísio Teixeira e dos Pioneiros ainda na década de 1930. Porém, assim como é um tema antigo no campo do financiamento educacional, é também questão polêmica na produção acadêmica, sendo possível

encontrar defensores (ROCHA, 1998; GIL, 2004) e opositores (ARELARO, 1999 e 2004; PINTO, 2000 e 2002).

Durante os dez anos de vigência do Fundef o debate acerca das virtudes e defeitos do formato de política de fundos passou a fazer parte mais cotidiana dos debates acadêmicos, dentre os gestores e no parlamento brasileiro. Quando foi necessário rediscutir a existência da política de fundos, as divergências vieram à tona e desnudaram concepções distintas de como tratar a questão.

O debate sobre o formato da política de fundos após a vigência do Fundeb se enquadra perfeitamente na influência do legado das políticas prévias de que nos fala Arretche (2000), quando afirma que os processos de reforma de programas sociais são influenciados pela herança institucional dos programas anteriores, pela capacidade técnica instalada, pelos interesses ligados ao desenho anterior que operam resistência à mudança. Este legado permitiu que o debate ficasse circunscrito ao escopo herdado da experiência recente do FUNDEF, ou seja, redistribuir recursos educacionais tendo por base 27 fundos contábeis estaduais, restringindo as divergências versaram a oportunidade de ser constituído um fundo para toda a educação básica ou a criação de fundos para as principais etapas escolares.

Durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional que originou o Fundeb estiveram presentes atores sociais defensores da criação de vários fundos. Em termos legislativos se destacou a Emenda Substitutiva apresentada pela Deputada Federal Raquel Teixeira (PSDB-GO), que pretendia criar quatro fundos. Manteria o atual fundo direcionado ao ensino fundamental, com participação de recursos estaduais e municipais, criaria um fundo para educação infantil com recursos municipais e outro fundo para o ensino médio com recursos estaduais e também criaria um fundo para viabilizar a participação da União nos demais fundos, este seria denominado FUNDEB.

Dentre os textos aprovados durante a tramitação, apenas quando da aprovação do texto no Senado Federal é que os defensores da política de fundos por etapas de ensino conseguiram inserir um parágrafo favorável aos seus interesses. Trata-se da redação aprovada para o parágrafo 6º do Artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

§ 6º Na distribuição dos recursos a que se refere o inciso II do caput deste Artigo, fica assegurado que os recursos municipais sempre se aplicarão no ensino fundamental e na educação infantil e os recursos estaduais, no ensino fundamental e médio, em quaisquer de suas modalidades (BRASIL, 2006d, p. 07).

Estava oculta no texto a concepção de que os recursos depositados no novo fundo e redistribuídos pelos estados e municípios de acordo com as matrículas presenciais da educação básica não poderiam migrar entre as etapas e modalidades. Assim, recursos estaduais, mesmo que compondo um fundo único, seriam utilizados somente do ensino fundamental e ensino médio, mesmo que a dinâmica redistributiva do fundo determinasse que parte destes recursos estaduais devesse sustentar matrículas municipais de educação infantil. Esse texto foi retirado quando da aprovação final da Emenda Constitucional no plenário da Câmara dos Deputados.

Dentre os representantes de segmentos sociais ouvidos pelo parlamento e que defendiam esta concepção de política de fundos, o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza merece citação, seja pelo papel que desempenhou na formatação e operacionalização do Fundef, seja por ser representativo da corrente de pensamento que propugnava a focalização dos recursos educacionais no ensino fundamental. Mas na mesma linha ocorreram as contribuições da professora Marisa Abreu, na época Secretária Municipal de Educação de Caxias do Sul (RS) e Presidente da UNDIME – RS e do presidente da Confederação Nacional dos Municípios, senhor Paulo Ziulkoski. Este último, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, sintetizou a proposta de vários fundos.

Então, estamos propondo 3 fundos, porque entendemos que isso dilui um pouco e será composto com recursos dos municípios, complementado pela União no ensino infantil. O ensino fundamental continua como está hoje, aperfeiçoando-se e cumprindo o art. 6º da Lei nº 9.424, enfim, de alguma forma contornado; o secundário, o ensino de 2º grau, ficaria com verbas dos Governadores, complementadas pela União, como em parte já está sendo feito hoje. Tenho certeza de que diminuiria muito essa questão do conflito que vai existir, porque senão vamos disputar, vai ter município daqui a pouco oferecendo 2º grau, porque ele vai receber daquele fundo. Será que é isso que queremos? Um retrocesso? Ou queremos que o ensino ande para frente? (BRASIL, 2005b, p. 20).

A maior parte das representações de gestores estaduais e municipais e o Ministério da Educação se posicionaram favoráveis à constituição de um fundo para toda a educação básica. Nas suas falas o termo "fundo único" expressava a amplitude do futuro fundo e não a superação da fragmentação em fundos estaduais. A professora Pilar Lacerda, na época presidindo a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), defendeu a criação de um fundo para toda a educação básica.

Não faz sentido essa separação, não só porque em termos de prestação de contas ela é muito mais complexa, como também engessa muito mais o orçamento municipal e a

administração dessas contas, mas principalmente por uma questão de concepção. Isto porque ela quebra a concepção de educação básica e ela mais uma vez limita para as crianças pobres apenas o ensino fundamental, enquanto as crianças de classe média já entram na escola no mínimo com quatro anos e têm toda a escolaridade básica garantida mais o ensino superior (BRASIL, 2006a, p. 110).

O mesmo caminho foi trilhado pela representação do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão que congrega os secretários estaduais de fazenda e o prefeito da Cidade de São Carlos (SP), Senhor Newton Lima, representante da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).

Também a representação dos trabalhadores em educação, por intermédio da professora Juçara Dutra Vieira, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), foi enfática na defesa de um fundo da educação básica, mesmo que tenha destacado que o debate não fosse de um fundo, e sim de 27 fundos em que os recursos dos entes federados não se misturam de um estado para outro. Além disso, trouxe para a discussão a discussão da constituição de um Sistema Único de Educação Básica:

(...) nós temos que aproveitar a discussão do FUNDEB, para nós pensarmos em políticas realmente estruturastes para a educação básica. Nós precisamos começar a pensar num Sistema Único de Educação Básica, onde a criança esteja matriculada seja numa escola municipal, seja numa escola estadual, ela tenha o mesmo atendimento e a mesma qualidade da educação e isso supõe um esforço dos três federados. Dos Municípios, dos estados e da União. (Ibidem, p. 188).

Ficaram bem demarcado durante os debates para a criação do novo fundo duas visões bem distintas sobre o problema.

De um lado, os defensores de fundos separados partiam da premissa de que as responsabilidades definidas constitucionalmente devem ser cumpridas por cada ente federado e que os recursos existentes são suficientes para o desenvolvimento destas atribuições. Nos estados e municípios que porventura estes recursos não sejam suficientes, e somente neste caso, a participação da União seria necessária. Por trás de argumentos que reclamam o respeito à autonomia dos entes federados se esconde o conceito de descentralização da execução das políticas públicas.

De outro lado, mesmo que apresentado em diversos tons, aparece uma crítica ao modelo acima e um resgate do caráter unitário da atenção educacional, ou seja, o direito à

educação deve ser assegurado por todos os entes federados. Criticam a política de três fundos por manter a oposição entre ensino fundamental e demais etapas. Porém, alguns posicionamentos favoráveis ao fundo único apresentam apenas argumentos administrativos, ressaltando as facilidades operacionais para estados e municípios do modelo.

Uma das maiores provas de que o legado das políticas prévias prevaleceu é que a ideia de constituição de um Sistema Único da Educação, que teria como consequência natural a constituição de um fundo único nacional, em contraposição a existência de 27 fundos estaduais, não polarizou os debates, não se materializou nas propostas de emendas, nem nos substitutivos, muito menos foi enfatizada pelos diversos atores sociais.

A constituição de um fundo único nacional, que bloqueasse um percentual ou a totalidade dos recursos vinculados pelo Artigo 212 da Constituição e depois os redistribuísse por critérios de quantitativo de matrículas, encontrou resistência não apenas no legado dos dez anos de Fundef, mas na dificuldade de redistribuir recursos entre unidades federados. Ou seja, qualquer proposta de fundo único, em uma federação tão assimétrica quanto a brasileira, teria como pressuposto a migração de recursos das unidades federadas com maior desenvoltura econômica, como é o caso de São Paulo, para unidades com menor potencial de arrecadação tributária, como são os estados nordestinos.

A tabela abaixo simula os efeitos da constituição de um fundo único nacional utilizando as receitas realizadas em 2011, inclusive com a complementação da União proporcional a 10% dos depósitos estaduais e municipais.

Tabela 16 – Simulação do impacto de fundo único nas finanças estaduais – Brasil 2011

UF RECURSOS ATUAIS

ÚNICO CAQ

PLENO ÚNICO 1% DO PIB

AC -7,4% 45,3% 24,5% AL 49,8% 131,6% 98,5% AM 38,8% 117,4% 86,4% AP -15,4% 29,1% 10,7% BA 66,1% 161,8% 124,5% CE 59,8% 150,8% 115,0% ES -22,3% 20,0% 2,9% GO -3,3% 45,3% 24,6% MA 120,4% 246,0% 196,7% MG 10,6% 67,8% 43,8% MS -4,7% 50,6% 29,1% MT 10,6% 71,3% 46,8% PA 108,7% 223,0% 176,9% PB 29,4% 101,5% 72,7% PE 31,7% 102,5% 73,6% PI 53,8% 139,9% 105,7% PR 12,2% 77,4% 52,1% RJ 6,7% 65,5% 41,9% RN 18,7% 88,8% 61,9% RO -3,0% 47,2% 26,2% RR -30,3% 20,8% -6,8% RS -13,1% 33,0% 14,0% SC -7,3% 49,3% 28,0% SE 2,1% 58,4% 35,8% SP -20,3% 20,3% 3,2% TO -8,5% 44,8% 24,1% DF -6,8% 35,0% 15,7%

Fonte: FNDE. Elaboração própria.

O resultado da simulação aponta para a possibilidade de um valor por aluno para as séries iniciais de R$ 2120,63. Um fundo único nacional provocaria uma migração de recursos de alguns fundos estaduais, sendo que onze estados e o Distrito Federal teriam que migrar parte dos seus recursos para outros entes federados, com destaque para Roraima (-30,3%), Espírito Santo (-22,3%) e São Paulo (-20,3%).

São justamente estes efeitos redistributivos que mais provocam resistências, pois além de recursos da União, estados com maior receita seriam obrigados a repassar recursos para estados das regiões mais pobres. Os estados com menor potencial de arrecadação receberiam

uma forte transferência de recursos, com destaque para o Maranhão (+120,4%) e Pará (+108,7%).

Ainda como fruto do legado prévio, mesmo sendo constituído um fundo único para toda a educação básica, materializado em fundos contábeis estaduais, ou seja, redistribuindo recursos apenas no âmbito de cada unidade federada, foram inseridas ressalvas para garantir que não houvesse migração de recursos alocados no ensino fundamental para outras etapas e modalidades. Esta preocupação se expressou nos parágrafos 2º e 3º do novo Artigo 60 ADCT da Constituição Federal.

Art. 60. ... ...

§ 2º O valor por aluno do ensino fundamental, no Fundo de cada Estado e do Distrito Federal, não poderá ser inferior ao praticado no âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF, no ano anterior à vigência desta Emenda Constitucional.

§ 3º O valor anual mínimo por aluno do ensino fundamental, no âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, não poderá ser inferior ao valor mínimo fixado nacionalmente no ano anterior ao da vigência desta Emenda Constitucional.

Assim, de 2007 em diante fica proibido que o valor por aluno do ensino fundamental seja nominalmente inferior ao valor de 2006 (último ano de vigência do FUNDEF). Estas salvaguardas são uma tentativa de manter, no novo fundo, o mesmo volume de recursos destinados ao ensino fundamental.