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O padrão mínimo e os debates da Conferência Nacional de Educação

5. Definindo novos caminhos de financiamento da educação básica

5.1. A construção de um padrão de qualidade como referência

5.1.4. O padrão mínimo e os debates da Conferência Nacional de Educação

A realização da Conferência Nacional da Educação (Conae)29, no período de 28 de março a 1º de abril de 2010, em Brasília-DF, representou o fecho de um processo de formulação de políticas públicas na área educacional com participação dos principais atores do setor, sejam eles representantes dos entes federados, sejam trabalhadores e usuários do serviço educacional. A CONAE, por ter conseguido reunir os principais atores sociais da educação brasileira, por meio de suas deliberações, pode servir de indicação do estágio atual de discussão da área sobre a questão da qualidade e, mais especificamente, sobre a constituição de um padrão mínimo de qualidade. Este referencial se torna ainda mais importante diante do fato de que o tema central dos debates da Conferência foi a elaboração do novo Plano Nacional de Educação e sua relação com a criação de um Sistema Nacional de Educação.

A preocupação com o padrão mínimo de qualidade é marcante em suas deliberações, estando sempre associada a mudança dos parâmetros atuais de financiamento educacional. O texto reconhece que a legislação brasileira no campo educacional, com destaque para a LDB e o PNE, revela a importância da definição de tais padrões, mas que a construção de uma definição de padrão apresenta dificuldades e diferenças significativas quanto à definição de um padrão único de qualidade.

29 Ao contrário das experiências anteriores, nas quais apenas a sociedade civil convocou e reuniu pra debater os problemas educacionais sem presença do Estado, a CONAE 2010 contou com intensa participação da sociedade civil, de agentes públicos, entidades de classe, estudantes, profissionais da educação e pais/mães (ou responsáveis) de estudantes. Ao todo foram credenciados/as 3.889 participantes, sendo 2.416 delegados/as e 1.473, entre observadores/as, palestrantes, imprensa, equipe de coordenação, apoio e cultura.

O reconhecimento das dificuldades não foi visto como um impedimento para que a CONAE(2010) considerasse “fundamental definir dimensões, fatores e condições de qualidade a serem considerados como referência analítica e política na melhoria do processo educativo” (p. 49). Também suas deliberações explicitam a necessidade de consolidar mecanismos de acompanhamento da produção, implantação, monitoramento e avaliação de políticas educacionais e de seus resultados, procedimento visto como essencial para a produção de uma formação de qualidade socialmente referenciada, nos diferentes níveis e modalidades, dos setores público e privado.

Em vários momentos do conjunto de suas resoluções é nítida a prevalência da criação de um padrão mínimo de qualidade, sendo que o mesmo aparece por vezes de maneira pontual (como na página 82, solicitando um padrão de qualidade aos cursos de formação de professores/as).

Ecoando o caminho trilhado pela Campanha, a constituição de um padrão mínimo vinculada pela CONAE (2010) torna-se a garantia de insumos mínimos nas escolas e explicitamente o documento assume como referência para a formulação do padrão o instrumental do Custo Aluno-Qualidade.

Como alternativa ao atual desequilíbrio regional e à oferta de educação básica pública, o financiamento à educação deve tomar como referência, e em caráter de urgência, o mecanismo do custo aluno/a-qualidade (CAQ). Previsto no ordenamento jurídico brasileiro, o CAQ deve ser definido a partir do custo anual por estudante dos insumos educacionais necessários para que a educação básica pública adquira e se realize com base em um padrão mínimo de qualidade (CONAE, 2010, p. 104)

Além da escolha do CAQ como instrumento de materialização do padrão mínimo de qualidade, o documento final da Conferência acentuou que a sua construção deveria ser fruto de intenso debate com a comunidade educacional, tendo como roteiro as seguintes questões:

a) Número de estudantes por turma;

b) Remuneração adequada e formação continuada aos/às profissionais da educação; c) Condições de trabalho aos/às professores e funcionários/as;

d) Materiais necessários à aprendizagem dos/das estudantes (como salas de informática, biblioteca, salas de ciência, quadra poliesportiva, oficinas de música e de artes, mobiliário adequado, além de sala de recursos para apoio pedagógico a estudantes com dificuldade de aprendizagem etc.).

e) Considerar ainda um valor diferenciado para os estabelecimentos que atendam crianças, adolescentes, jovens e adultos com desafios de inclusão, como pessoas com deficiência, populações do campo, populações ribeirinhas, quilombolas e indígenas.

A conferência manifestou a pressa que os educadores e estudantes têm de ver configurado o CAQ e estabeleceu um prazo de um ano para que o mesmo estivesse formalmente definido.

Uma das decisões mais importantes do evento foi sobre a responsabilidade pela viabilização financeira do padrão mínimo de qualidade. Para a CONAE, caberia à União a complementação de recursos financeiros a todos os estados e aos municípios que não conseguirem atingir o valor do CAQ. Tal proposta significaria uma mudança substancial de atitude deste ente federado na política de financiamento educacional, aportando muito mais recursos e garantindo condições para a diminuição das desigualdades territoriais existentes.

A reformatação da política de financiamento não foi discutida de forma desvinculada da construção de um sistema nacional de educação, visto como instrumento para oferecer efetividade ao regime de colaboração entre os sistemas de ensino.

A regulamentação do regime de colaboração e a efetivação do sistema nacional de educação dependem da superação do modelo de responsabilidades administrativas restritivas às redes de ensino. Desse modo, de forma cooperativa, colaborativa e não competitiva, União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem agir em conjunto para enfrentar os desafios educacionais de todas as etapas e modalidades da educação nacional, bem como regular o ensino privado. Os planos de educação, em todos os seus âmbitos (municipal, estadual, distrital e federal), devem conter obrigatoriamente diretrizes, metas e estratégias de ação que garantam o acesso à educação de qualidade desde a creche até a pós-graduação (idem, pp. 24-25).

Fica evidente que a ideia de regulamentação do regime de colaboração estava ancorada na mudança de papel dos entes federados, especialmente da União, no provimento dos serviços educacionais. De um papel apenas supletivo, a União passaria a ter um papel de parte constitutiva do esforço nacional educacional.

A nova política de financiamento proposta pela CONAE comporta também uma constatação dos limites do Fundeb para garantir a universalização da oferta de vagas na educação básica, assim como para garantir a permanência do/da estudante na escola até a conclusão do ensino médio com qualidade. A Conferência aprovou a ideia de transformação do Fundeb “em um fundo nacional, com igual per capita para todos os Estados, com a aplicação de parte ainda mais significativa dos recursos vinculados à educação e incorporando também

outras formas de arrecadação, não só os impostos” (p. 113). Dentre as mudanças aprovadas merece destaque:

a) Necessidade de se tomar como referência o maior per capita existente no País, com o objetivo de unificar o valor aluno/a por ano executado no Brasil, acabando com as desigualdades por Estado;

b) O Fundeb reformatado deveria ter como referência o CAQ, nivelando todos os CAQs, a partir do valor máximo alcançado e praticado nos estados com maior arrecadação; c) Extinção do sistema de balizas que limitam os fatores de ponderação do fundo a uma

escala de 0,7 a 1,3. Esta medida é imprescindível para substituir a atual perspectiva do gasto-aluno/a/ano ou custo-aluno/a/ano existente no fundo, por uma política de custo- aluno/a-qualidade;

d) A complementação da União ao Fundeb deveria avançar imediatamente valores de transferência equivalentes a 1% do PIB/ ano.

Como forma de viabilização destas mudanças, a Conferência apontou para uma maior destinação de recursos para a área educacional. Por um lado, foi aprovada a ampliação do “investimento em educação pública em relação ao PIB, na proporção de, no mínimo, 1% ao ano, de forma a atingir, no mínimo, 7% do PIB até 2011 e, no mínimo, 10% do PIB até 2014, respeitando a vinculação de receitas à educação definidas e incluindo, de forma adequada, todos os tributos (impostos, taxas e contribuições)” (p. 110). Por outro lado, deveria ser garantida uma maior vinculação, com o “aumento dos recursos da educação de 18% para, no mínimo, 25% da União e de 25% para, no mínimo, 30% (de estados, DF e municípios) não só da receita de impostos, mas adicionando-se, de forma adequada, percentuais das taxas e contribuições sociais para investimento em manutenção e desenvolvimento do ensino público” (p. 111).

Em resumo pode-se afirmar que a CONAE representou a consolidação de um patamar de consenso no seio dos educadores da importância do padrão mínimo de qualidade se tornar uma política pública efetiva, tornando-se a âncora da política de financiamento da educação básica brasileira, inclusive provocando a alocação de mais recursos para a área e uma redefinição dos papéis dos entes federados, em especial da União.