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Economia: a face visível do desenvolvimento

5. CONCLUSÕES

5.1. Economia: a face visível do desenvolvimento

A dimensão mais visível do desenvolvimento, portanto, é a dimensão econômica. Ela pode ser traduzida pela velocidade com que o turismo tem mudado as relações vigentes nos Lençóis Maranhenses e ajuda até mesmo a obscurecer a percepção de que o processo de desenvolvimento traz consigo os problemas explicitados nesta pesquisa. Embora denunciados pelos órgãos públicos encarregados de zelar pelo meio ambiente e, também, por representantes de ONGs, ativistas ligados a sindicatos e pesquisadores, não se verificou maior disposição para enfrentá-los politicamente.

Na medida em que os meios de transporte, as disponibilidades de tempo e dinheiro e o poder da divulgação facilitam os deslocamentos (Boullón, 1990), torna-se difícil equacionar o fluxo turístico em torno de outros objetivos que não sejam aqueles voltados para o imediatismo econômico. A região dos Lençóis Maranhenses experimenta o crescimento da demanda turística e não deixa passar a oportunidade de satisfazê-la por meio de investimentos que acabam gerando o tão desejado emprego e renda para a localidade. Tal como registrado por Ruzza (2003), os Lençóis Maranhenses aproveitam o efeito multiplicador do turismo. Hotéis e pousadas são construídos e demandam mão- de-obra, alimentos, insumos e atividades culturais que precisam ser atendidas, fazendo surgir novos negócios. Passeios em lanchas e veículos exigem mais empregos, combustíveis e serviços de manutenção. Todos esses fatores

geram a sensação de rápido crescimento, distribuição mais justa da riqueza, aumento do nível de emprego (Batista, 2003).

O desenvolvimento, portanto, é antes de tudo econômico. No entanto, como entender o desenvolvimento econômico sem avaliar os seus resultados para o conjunto de atores que, direta ou indiretamente, agem na região? Qual o papel desempenhado por esses atores, além, é claro, da busca eterna pelo retorno imediato e solução dos seus problemas mais emergenciais? Confrontados com as maiores perspectivas de ganhos, seja por meio de salários ou exploração de pequenos negócios, os nativos mostram-se otimistas. No entanto, as suas economias não permitiram investir em negócios de maior vulto, deixando essas oportunidades para o capital externo. Suas economias não foram suficientes nem mesmo para dinamizar os meios de produção agrícola de forma a atender a demanda crescente por gêneros de consumo alimentar. Esses produtos são trazidos da capital do Estado e de outras regiões produtoras. Avaliada por esse ângulo, a dimensão econômica deixa a desejar. Gerou novos investimentos, emprego e renda, mas não consegue reter a maior parte dessa renda na comunidade.

Poder-se-ia avaliar que o desenvolvimento econômico é benéfico à comunidade dos Lençóis Maranhenses porque reajustou o valor das terras, proporcionando aos nativos vendê-las por um preço mais elevado e angariar fundos para investir em negócios que pudessem se integrar à cadeia produtiva do turismo. Se assim considerarmos, estaremos ocultando o outro lado da questão. Em que pese o valor da terra ter subido, o fenômeno passou a se caracterizar muito mais como especulação imobiliária do que reajuste do valor das terras. Ao tempo em que beneficiou o habitante local no sentido de converter ativos em capital para investir, eliminou a possibilidade da grande maioria dos nativos de adquirir lotes nos locais mais valorizados. Impôs-lhes a obrigação de se afastar dos seus imóveis tradicionais e isolar-se em favelas e ocupações ilegais. O ponto mais crítico desse fenômeno é que os locais mais valorizados são exatamente aqueles às margens dos rios, que estão sendo cercados e isolados dos nativos. Os rios sempre foram fontes de alimento e sustento para a comunidade de baixa renda, o que torna a especulação

imobiliária muito mais negativa, sob o ponto de vista social, porque restringe os meios de produção dos habitantes.

Poderíamos também ser levados a acreditar que o dinamismo econômico decorrente da atividade turística é uma fonte de benefícios para os habitantes dos Lençóis Maranhenses. Essa afirmação decorre do fato de que o turismo faz circular mais dinheiro na região, reduzindo a dependência dos recursos de repasse oficiais. Antecipa-se que é, pelo menos, parcialmente equivocada porque existe um lado negativo que está relacionado com a dependência da região em relação aos recursos turísticos. O abandono das atividades tradicionais é um exemplo das características nocivas do turismo como monoproduto. O autóctone deixa de produzir gêneros necessários à sua subsistência e ainda perde a possibilidade de vender o excedente aos empreendimentos turísticos. Identifica-se, nesse ponto, a omissão das autoridades em dinamizar os meios de produção até então existentes, articulando-se com organismos de fomento, agentes financeiros e pesquisadores para encontrar formas de apoiar essas atividades e integrá-las à cadeia do turismo, como fornecedoras locais.

Na medida em que a dimensão econômica se sobrepõe sobre as demais dimensões, seus reflexos comprometem a sustentabilidade. O crescimento rápido do turismo, verificado na avalanche de novos negócios levados para região, compromete a infra-estrutura existente, como ficou evidenciado na pesquisa. Entretanto, em vez de procurar dotar a região das condições mínimas para atender o fluxo turístico, o governo prefere investir em propaganda com o objetivo de atrair mais turistas. Agindo assim, compromete

ad infinitum a capacidade de carga, sobrecarrega a região, estimula a

especulação e ajuda a afastar os nativos dos seus locais de origem.

Marx (1982) afirmou que a produção também é consumo (de materiais e outros insumos). Em paralelo, na medida em que o turismo se instala em uma região e passa a produzir diversão e lazer, estará também consumindo os recursos daquela região. O artesanato, por exemplo, é estimulado como atividade que pode agregar receita aos nativos, ajudando a difundir sua cultura e seus valores. Não obstante, o crescimento do fluxo turístico enseja maior

pressão para produzir e, com isso, maior consumo de recursos naturais, como a palha extraída do buriti, uma palmeira da região. O corte de folhas e talos acelerado pela demanda vem superando a capacidade de recomposição dos buritizais e abreviando-lhes o ciclo de vida.

Seria, então, correto afirmar que o turista desejoso de levar consigo uma lembrança do local é responsável, pelo menos em parte, pelo abate das palmeiras? A resposta imediata, não abalizada, seria positiva, ou seja, o consumo elevado de peças artesanais ajuda a degradar o meio ambiente. Entretanto, só existe consumo porque existe produção, o que nos levaria a supor que o turista só consome o artesanato porque este está disponível para venda. Assim, inverte-se a responsabilidade pela degradação das palmeiras é do habitante local e não do turista. Entretanto, Marx (1972) revolve esse assunto, afirmando que a produção e o consumo ocorrem a um só tempo. Para ele, “a produção é, pois, imediatamente consumo; o consumo é, imediatamente, produção” (MARX, 1972; p.8). Analisado nesta dualidade, só existe produção quando existe consumo e o consumo alimenta nova produção, de forma que o turismo e a singela atividade do artesanato contribuem, ambos, em igual escala para que se reduzam as possibilidades de desenvolvimento sustentável. A despeito da consciência ecológica de alguns nativos, mais uma vez a dimensão econômica fala mais alto. As possibilidades de ganhos, mesmo que sejam pela via da exploração dos recursos naturais, leva a dimensão ambiental para o segundo plano.

A pesquisa não identificou nenhuma iniciativa de planejamento do desenvolvimento que levassem em conta a opinião da comunidade local. Atuando no vácuo da cidadania, cada protagonista age segundo suas próprias convicções e de forma desarticulada. Essa situação se mostra patente não só perante os nativos, que, via de regra, não têm voz nem assento nos fóruns de discussão, mas também nas diversas esferas do poder público, que deveria planejar, controlar, coordenar, regular e agregar esforços em prol de um objetivo único. Percebeu-se que o município concentra sua atenção em atrair negócios (pousadas, hotéis, flats, restaurantes, agências de viagem etc) e “autoriza”, por meio de alvarás, a construção desses empreendimentos nas

margens do rio e em outras áreas de preservação. O Estado, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, ante a carência de pessoal e recursos para acompanhar a implantação dos empreendimentos, na maioria das vezes só consegue detectar os problemas já consumados, depois de autuados pelo Ibama ou Ministério Público. Estes últimos, na outra ponta, aplicam a legislação indistintamente. Em uma ação conjunta, Ibama e Ministério Público aplicaram mais de duzentas multas, todas elas no valor de cem mil reais, independente do porte do empreendimento e do grau de agressão provocado no meio ambiente. Como conseqüência dessa medida, alguns empresários ameaçaram abandonar seus empreendimentos, gerando receio de que os investimentos cessariam e o fluxo de investimento seria interrompido.