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Sustentabilidade econômica nos Lençóis Maranhenses

3. METODOLOGIA

4.3. Desenvolvimento e sustentabilidade nos Lençóis Maranhenses

4.3.1. Sustentabilidade econômica nos Lençóis Maranhenses

Em termos de desenvolvimento sustentável, a dimensão econômica está relacionada com a eficiência na alocação e gerenciamento dos recursos e com a garantia de um fluxo constante de investimentos públicos e privados (SACHS, 1993). O interesse reside em investigar a respeito da origem do capital, como está sendo retida a receita gerada no local, se há especulação imobiliária, de que forma o turismo está se transformando em monoproduto, como os empregos estão sendo gerados, entre outros aspectos.

4.3.1.1. Origem do capital e retenção local da receita

A região dos Lençóis Maranhenses, como se viu anteriormente, possui economia baseada na exploração primária de subsistência. Como tal, não conseguiu atingir nível de acumulação de capital que permitisse investir nos empreendimentos turísticos. Dessa forma, a origem do capital aplicado em empreendimentos privados é quase totalmente externa, de empresários maranhenses normalmente radicados em São Luís ou provenientes de outros Estados do Brasil, havendo até mesmo alguns empreendimentos montados com capital estrangeiro. Barreirinhas foi o município escolhido por esses empresários e é lá que se encontra a quase totalidade das pousadas, hotéis,

resorts, restaurantes, flats, agências de viagens e outros negócios montados

para atrair o turismo. Nesse aspecto, a opinião de Érika Pinto, do Ibama, é bastante esclarecedora.

Você tem o processo de turismo que contribui muito para o desenvolvimento da região, mas se você analisar mais friamente o que você tem, você tem um público totalmente externo trabalhando com o turismo. Todas as agências são de pessoas de fora, pousadas talvez você tenha uma ou duas que sejam exceção, mas são todas de pessoas de fora.

É inegável que, em possuindo outra pátria, os resultados (lucros) da atividade turística sejam transferidos para o local de origem do capital, como

também são transferidos os recursos necessários ao abastecimento e consumo dos empreendimentos. Os municípios da região produzem muito pouco e aquilo que produzem não apresenta qualidade compatível com as exigências dos consumidores. Franchesco, um jovem empresário italiano proprietário da Pousada Boa Vista, encara o problema da seguinte forma.

Barreirinhas, embora tenha uma boa saída de qualquer tipo de gênero alimentar, porque já tem vários restaurantes, várias pousadas, mas o abastecimento da cidade de Barreirinhas não é suficiente. Não tem como achar aquilo que você precisa. Tudo é por encomenda. Você encomendando, com o prazo, às vezes é preciso fazer quinze dias adiantado. Isso não pode ser porque tem casos que às vezes você precisa até na mesma hora.

Nota-se que os empresários enfrentam o desabastecimento de gêneros básicos que freqüentam o cardápio de qualquer restaurante. Até mesmo produtos que poderiam ser perfeitamente explorados na região, como hortaliças e peixe, são trazidos de fora. Tetsu Tsuji, professor e pesquisador da Universidade Federal do Maranhão e representante de uma Organização Não- Governamental em Barreirinhas atestou essa realidade.

Eu estou sabendo de peixe comprado em São Luís e levado para lá. Por isso que é mais caro lá. É incrível! O turista vai para comer o peixe e come o peixe que foi comprado em São Luís. Então, a qualidade não é o frescor do peixe. Então, está acontecendo totalmente isso, né? É Importação. E os preços subindo. Realmente, a gente tem que pagar mais caro.

Naqueles municípios em que o turismo ainda não chegou para valer e, por essa razão, ainda não sofreram o impacto de uma demanda superior à oferta local, o apelo de marketing vem, de forma bastante singela, exatamente no sentido de valorizar o produto local, o fato de ser fresco (não congelado) e consumido imediatamente após a colheita. Hexley Costa, natural de Humberto de Campos informa que em seu município: “tudo não é congelado. [...] o peixe, por exemplo, se compra de manhã, se faz meio dia e se faz a tarde. Dificilmente fica de um dia para o outro”.

A percepção é de que as economias de cada um desses municípios não conseguem responder na mesma velocidade com que cresce o fluxo de visitantes. A falta de capital para investir em meios de produção para abastecer os municípios obriga aos proprietários de pousadas, hotéis, restaurantes e

lanchonetes a importarem os insumos. Dessa forma, uma parte da receita gerada nos Lençóis é transferida para os centros produtores, deixando de circular nos locais onde é gerada.

4.3.1.2. Especulação imobiliária

Barreirinhas e todos os demais municípios da zona de influência dos Lençóis Maranhenses ainda possuem perfil tipicamente rural. A produção agrícola de subsistência vinha sendo a principal fonte de receitas dos habitantes, o que não permitia a constituição de poupança que pudesse ser investida em imóveis. Com baixa procura, o preço da terra não registrou grandes oscilações ao longo da história. É evidente que, com o advento do turismo, especialmente em Barreirinhas, o valor dos imóveis tenha crescido de forma espetacular nos últimos cinco anos. José Carlos Correa, da Embrapa, percebe que os antigos moradores estão vendendo as suas áreas “para empresários e pessoas de alto poder aquisitivo. Conseqüentemente, o êxodo urbano e rural poderá ocasionar irreversíveis problemas sociais e econômicos para o município e para o Estado”. Franchesco, o empresário italiano da Pousada Boa Vista afirma que há cinco anos ninguém ofereceria aos moradores locais os valores atualmente praticados nas transações imobiliárias. “Agora, qualquer pedaço de terra que tenha acesso privilegiado passa a ser valorizado, ele vende na mesma hora”, conclui. Valentina Ariana, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, vai além. Ela entende que a especulação imobiliária prejudica a própria comunidade, como se vê no seu depoimento.

A comunidade local vende a um preço que para eles é muito e para os grandes empresários é relativamente baixo, para viabilizar aquele espaço no centro da cidade com a infra-estrutura, o pessoal vai-se deslocando já para as regiões mais interiores do município. Só que, com o avanço desse crescimento, os moradores,querem comprar um lote, ou não acham mais onde querem ou estão muito caros porque a especulação imobiliária cresceu demais.

Considerando que nem Barreirinhas, e nem os demais municípios dos Lençóis Maranhenses, adotou qualquer tipo de zoneamento urbano ou planejamento de uso de solos, é até natural que ocorra a valorização da terra, uma vez que essa especulação é inerente ao processo de desenvolvimento. De certa forma, ela tem uma conotação dupla: por um lado, é positiva ao

proporcionar ao morador local um valor mais elevado pela venda do seu imóvel permitindo que ele possa investir esse recurso em algum empreendimento que lhe traga novo padrão de rendimento. De outro lado, é negativa porque faz com que todos os imóveis do município se tornem mais caros, restringindo a sua aquisição aos empresários endinheirados e segregando os nativos em bairros cada vez mais afastados das áreas onde viviam tradicionalmente.

O zoneamento teria por finalidade regulamentar a localização dos novos empreendimentos, levando em conta os aspectos ambientais, espaciais, sociais e a própria infra-estrutura existente e projetada. Além disso, poderia disciplinar o padrão de construção, evitando o uso desordenado de materiais.

4.3.1.3. Turismo como monoproduto

Apesar do crescimento acelerado nos últimos cinco anos, a economia dos municípios dos Lençóis Maranhenses, especialmente Barreirinhas, ainda permanece com sinais evidentes de fragilidade. Todo processo de crescimento está calcado no turismo, facilmente perceptível a partir da observação dos diversos canteiros de obras de hotéis e pousadas, além de restaurantes e outros equipamentos turísticos. Como vamos evidenciar mais à frente, se esse turismo não guardar sintonia com a sustentabilidade, tende a esgotar com o tempo.

Ocorre que, se, no passado, a economia local contava apenas com verbas da incipiente produção primária, complementada pelas transferências unilaterais do governo (Fundo de Participação dos Municípios e outros convênios federais e estaduais), agora passou a contar também com a circulação dos recursos dos investimentos turísticos em franca expansão e dos gastos realizados pelos turistas ao visitarem os sítios. Ainda que não totalmente retidos na economia local, a circulação desse dinheiro provoca a falsa percepção de que são permanentes e quase ilimitados, além de não carregarem o ônus político dos convênios e transferências.

Entretanto, a história tem mostrado que o fluxo de recursos financeiros não é inesgotável. Mais cedo ou mais tarde tenderá a estabilizar ou decrescer.

E, mais grave, a estratégia de crescimento implantada não conseguiu gerar alternativas econômicas, relegando a economia local à condição de refém do turismo como monoproduto. Não bastasse isso, os investimentos pífios na capacitação de recursos humanos praticamente inviabilizam o atendimento do fluxo contínuo de visitantes.

Puppim de Oliveira, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, relata suas observações como turista:

O que eu tenho visto é que o turismo lá se tornou a principal atividade econômica da região. As pessoas falaram que antes era mais um pólo de agricultura de subsistência, alguma pecuária mas não tinha tantas atividades econômicas na região. Hoje se vê que o turismo, principalmente na cidade, na sede, se tornou a principal atividade econômica e tem gerado alguns empregos, talvez não todos que as pessoas gostariam de ter mas existem pessoas que trabalham nas pousadas, nos restaurantes, alguns deles estabelecendo seus próprios negócios, guias, boa parte dos guias são pessoas locais que conhecem bem a região.

Sabendo da capacidade que o turismo tem de interagir com outros setores econômicos e gerar o chamado efeito multiplicador, fica difícil entender como uma região que experimenta fase de franco desenvolvimento não tenha sido capaz de diversificar a sua economia. Nesse aspecto, é interessante a opinião de Francisco Neves (Sebrae em Barreirinhas): “Tudo o que acontece, o turismo em si, normal e geralmente as pessoas pensam em restaurantes, hotéis e pousadas. Na verdade, a cadeia envolve muito mais coisas”.

Parece óbvio que foram cometidos erros, tanto ao nível do ordenamento do território quanto da capacitação local, que podem afetar a noção de desenvolvimento sustentável e reduzir as vantagens competitivas do turismo da região. Não há nenhuma dúvida a respeito do desenvolvimento local, tal a profusão de empreendimentos migrando para os Lençóis Maranhenses. Entretanto, a propriedade desses empreendimentos é basicamente estrangeira à região. A oferta de insumos básicos conta com uma participação muito incipiente da produção local. A falta de ordenamento territorial encarece o valor da terra e a economia passa a depender unicamente do turismo.

Ainda assim, o nativo dos Lençóis Maranhense foi contemplado com algum tipo de progresso. Novos empregos e ocupações foram gerados. Alguns

poucos residentes incrementaram seus negócios e tiveram acesso aos recursos despendidos pelos turistas. Cabe avaliar a relação entre a sustentabilidade econômica e as demais dimensões discutidas nesta pesquisa e verificar até que ponto o desenvolvimento econômico justifica alguns aspectos inerentes às demais dimensões pesquisadas.