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2.2. Planejamento e desenvolvimento sustentável

2.2.3. Abordagem política de participação democrática

2.2.3.4. Sustentabilidade cultural

A dimensão cultural guarda relação com o respeito que deve ser reservado às diferentes manifestações culturais e o grau de contribuição que cada uma delas dispensa para construção dos modelos de desenvolvimento local. Em outras palavras, a sustentabilidade cultural está relacionada com a promoção, preservação e divulgação da história, tradições e valores de uma localidade.

Como já tratado anteriormente, uma das características da sociedade brasileira é a sua crônica vulnerabilidade externa à hegemonia cultural dos países industrializados, em especial os Estados Unidos. Segundo explica Guimarães (s.d.), isso se deve ao fato de que as elites brasileiras, em vez de procurar atender às necessidades do povo, buscam modelos estrangeiros e, assim, governam para os interesses internacionais.

Nesse aspecto, a vulnerabilidade brasileira afeta a identidade cultural inibindo a sociedade de encontrar soluções para seus próprios problemas. A identidade cultural, segundo esse autor, não é contraditória à diversidade cultural nem ao intercâmbio com outras culturas mas vai de encontro à hegemonia estrangeira tão presente no Brasil.

Reforçar os aspectos culturais de uma sociedade tem encontrado apoio em diversos autores. A perspectiva institucional, por exemplo, procura dar ênfase aos elementos culturais e sociais como formadores das práticas de organização, entre os quais os rituais, os heróis e os símbolos podem ser mostrados como práticas visíveis de tais valores (Carvalho e Vieira, 2003). Ainda nesse enfoque, Madeiro e Carvalho (2003) explanam como as razões de mercado se apropriaram dos valores tradicionais, mercantilizando festas populares. Para esses autores, o Iluminismo, a Reforma Protestante e a Revolução Industrial provocaram alterações profundas na estrutura da sociedade, a partir do século XV. Eles entendem que a fragmentação das pequenas comunidades, ocorrida no bojo da separação entre o trabalho e outras atividades da vida social, provocou a distinção entre a racionalidade substantiva (valores) e a racionalidade instrumental (cálculo utilitário das conseqüências). A organização do mercado responde pela satisfação das necessidades humanas e tem por objetivo maximizar recursos, levando o indivíduo a se ver separado da comunidade.

Nos primórdios do século XX surge a comunicação de massa que, segundo Madeiro e Carvalho (2003), tinha por objetivo homogeneizar as preferências e expandir o mercado, difundindo o modo único de vida voltado para o consumo.

Esse modelo é de tal modo poderoso que, ao mesmo tempo em que mantém superficialmente as práticas e costumes de cada região, transforma-os a partir de uma ditadura da estética, englobando-os na cultura massificada. [...] As tradições locais (música, danças, festas, expressões artísticas) são “mutiladas” em relação à sua origem, a partir de um gosto cosmopolita (MADEIRO e CARVALHO, 2003; p.190).

Normalmente as culturais locais resistem, por algum período, à sua transformação em mercadoria. Madeiro e Carvalho (2003) advertem, porém, que, com a ampliação dessa lógica de mercado, as culturas acabam por sucumbir, como de resto todos os demais setores da atividade humana. A incapacidade dos povos em manterem preservadas as suas tradições leva-os a buscar a sobrevivência por meio da adaptação e essa adaptação se dá exatamente porque a evolução da sociedade está impregnada de mudanças.

No novo cenário, as tecnologias da informação e da comunicação tornam possível conhecer os hábitos dos “outros”; um “outro” distante, exótico com costumes e culturas muito diferentes dos nossos. A mundialização da cultura, que faz desaparecer o anonimato de uma cultura local, seguida pela globalização da economia que hegemoniza gosto e estética em prol da ampliação do mercado consumidor, penetram em todos os setores da sociedade (GAMEIRO, MENEZES e CARVALHO, 2003; p.199).

Gameiro, Menezes e Carvalho (2003) explicam que a sociedade de consumo forçou as sociedades a flexibilizarem seus objetivos, transformando o lúdico em trabalho e o prazo da exibição artística em obrigação contratual. Isso se dá, também, pela força da publicidade que se utiliza de linguagem e meios de informação para difundir formas idealizadas de vida.

Sancho (2001) admite que o turismo pode provocar a descaracterização cultural da localidade, levando até mesmo ao desaparecimento da cultura sociedade receptora diante da cultura mais forte dos turistas. Isso se deve, segundo Krippendorf (2001) porque o turista não consegue abstrair-se, por mais que tente, do seu cotidiano. Ele registra que “não nos tornamos de repente uma outra pessoa porque somos turistas” (p.53), e, ainda, que não podemos nos enganar pensando que, uma vez chegado ao local desejado, o nosso comportamento venha a se modificar. “Não desejamos abandonar os nossos queridos hábitos, pois eles nos confortam. Queremos a mesma alimentação, as mesmas bebidas, a mesma língua, os mesmos jogos e o mesmo conforto que temos em casa” (p.54).

As comunidades receptoras, por sua vez, cientes de tais particularidades, esforçam-se em proporcionar ao turista os padrões internacionais de conforto, transformando a atividade turística em um “fenômeno agressivo, abusivo e colonialista” (KRIPPENDORF, 2001; p.55). Tais regalias levam os turistas a quebrar todas as regras da rotina diária, deixando de se submeter às normas do país visitado.

De forma elegante, Carlos (2002) tece comentários a respeito do artificialismo criado em torno do turismo. A formação de espaços ao gosto do freguês descaracteriza as relações sociais, conforme podemos entender nas palavras dessa autora.

O espaço produzido pela indústria do turismo perde o sentido, é o presente sem espessura, quer dizer, sem história, sem identidade; nesse sentido é o espaço do vazio. Ausência. Não-lugares. Isso porque o lugar é, em sua essência, produção humana, visto que reproduz na relação entre espaço e sociedade, o que significa criação, estabelecimento de uma identidade entre comunidade e lugar, identidade essa que se dá por meio de formas de apropriação para a vida. O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano vivido, o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade. Aí o homem se reconhece porque aí vive. O sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produção do lugar se liga indissociavelmente à produção da vida (CARLOS, 2002; p.28- 29).