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3. METODOLOGIA

4.3. Desenvolvimento e sustentabilidade nos Lençóis Maranhenses

4.3.2. Sustentabilidade espacial e o desenvolvimento

4.3.5.2. Uso adequado do solo

Em que pese os nativos dos Lençóis Maranhenses terem demonstrado sentimento de preservação ambiental, a ocupação dos solos se dá pela implantação de empreendimentos bancados por investidores de fora da região. Voltados para o resultado de curto prazo, ou seja, o lucro imediato, a maior parte desses empresários não vêm respeitando a legislação ambiental, uma vez que, sob a ótica do apelo turístico (promoção da paisagem), as áreas mais

interessantes são as margens do rio Preguiças. A Resolução nº 303, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, fundada com base nas leis nº 6.938, de 31/08/1981, nº 4.771, de 15/09/65 e nº 9.433, de 08/01/1997 e no Decreto nº 99.274, de 06/07/1990 estipula que constitui Área de Preservação Permanente (APP) a faixa marginal medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com a largura do rio, podendo variar entre trinta a quinhentos metros. No caso do rio Preguiças, a APP ficou determinada entre cem e cinqüenta metros, onde não seriam permitidas construções, retirada da vegetação ou qualquer outra ação que pudesse provocar algum tipo de dano ambiental.

Dado o tamanho do Parque (e sua área de influência) e, ainda, a ação nem sempre articulada entre o Ibama, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e as prefeituras de cada município, não está sendo possível acompanhar com eficiência os novos empreendimentos implantados na região nem tampouco inibir as atividades já implantadas e que continuam descumprindo a legislação.

Ricardo Otoni, do escritório central do Ibama em São Luís, demonstra as dificuldades enfrentadas.

Foi feita no ano passado (2004) uma operação do Ibama de grande porte na região na qual equipes fiscalizando as margens do rio Preguiças, descendo e subindo nos dois sentido, notificaram todas aquelas pessoas que estavam desmatando na beira do rio para construir pousadas, hotéis, casas de veraneio etc. E nessa operação, foi feitos mais oitenta autos de infração, encaminhados esses autos com a respectiva multa prevista na legislação, e foi marcada também uma reunião aqui em São Luis junto com os infratores, para eles apresentarem as suas documentações relativas aos terrenos e as autorizações para fazerem. Uma vez que nenhuma prefeitura pode dar autorização para fazer obra em beira de rio, desmatando área de preservação permanente. Então, por falta de políticas públicas integradas, entre municípios e estado, respeitando a legislação ambiental, ocorre [...]. Nessas atividades, foram constatados diversos problemas, foram encaminhados ao Ministério Público Federal, convidamos também o delegado da Polícia Federal para receber alguns processos que vão passar para essa questão de crime e foram paralisadas as construções na beira do rio em função disso. Agora é importante ressaltar que não adianta apenas o Ibama fazer as suas ações se os órgãos municipais e estaduais e os próprios empresários não dão importância para o assunto.

As colocações de Otoni são pertinentes. O Ibama ressente-se de que está fazendo o seu papel, mas não encontra apoio por parte dos demais

órgãos. Na prefeitura de Barreirinhas, por exemplo, o sentimento é de que a ação fiscalizadora do Ibama afasta os empresários. Vejamos o que disse Gilson Oliveira, da Secretaria Municipal de Turismo.

As dificuldades referentes ao Ibama e ao Meio Ambiente, a gente está chegando num acordo. Estamos tentando todos os parceiros para viabilizar os novos projetos, os investidores para retornar também à necessidade que eles querem. Estamos capacitando hoje aqui. Então, nós chegamos nesse momento para os empresários voltarem, porque realmente [...] estavam comprando alto e vendendo barato para irem embora. Estava acontecendo e hoje a gente conseguiu resgatar isso. A dificuldade da área de proteção ambiental e do Ibama também botou quente em cima da turma aí. E as obras mais bonitas é na beira do rio. Foi limitado cem metros e depois caiu para cinqüenta metros. Mas assim mesmo, [...] principalmente na área urbana, e os caras ficam chateados e ... desistem.

Na Secretaria de Estado do Meio Ambiente a opinião também é de que a prefeitura não colabora ao emitir alvarás de construção sem observar os critérios estabelecidos na legislação ambiental. Valentina Ariana, da Secretaria, fala da necessidade de maior articulação e resume a questão assim:

A prefeitura concede o alvará de funcionamento, dá uso e ocupação, libera. E por que ela libera? Porque ela vai receber alguma coisa com isso. Só que ela não acompanha as normas e a legislação federal e estadual. Então, quando você vai fazer o seu parecer ambiental, ele responde “eu não tenho a licença mas eu tenho o documento da prefeitura autorizando”. Será que a prefeitura não sabe que aquilo é errado? Em vez de você autuar o empreendedor, você tem que autuar primeiro a prefeitura. Se o Ibama em vez de autuar lá o empreendedor, ele vem conversar com a gente e pergunta por que a gente está liberando, não está fiscalizando. A gente teria que ter uma ação mais efetiva, mais conjunta mesmo, verificando essa questão de distribuição de competência. O que tem acontecido em Barreirinhas é a fiscalização efetiva do Ibama porque a área de dunas é de competência federal. Mas tem processo de funcionamento dos empreendimentos, que é com o Estado. O que tem acontecido? Lá em Barreirinhas, tem um escritório do Ibama onde eles fazem todas as autuações lá, e o que é ação da Secretaria do Meio Ambiente eles encaminham para cá.

Valentina acredita que a prefeitura deveria avisar aos empresários sobre a necessidade de solicitar licenças no Ibama e na Secretaria do Meio Ambiente em vez de emitir alvarás indiscriminadamente. Ela condena essa prática porque leva o empresário a acreditar que, com o alvará em mão, está habilitado a desmatar as margens do rio e a construir. Dessa percepção equivocada é que surgem os litígios e, nesse ponto, a sua é a de seguir estritamente o que determina a lei.

A meu ver, se está em uma área irregular, olhe tem que parar aquele empreendimento, principalmente se for pousada. Tem que parar aquele empreendimento, verificar se você tem como manter aquilo ou não, embargar, destruir e recuperar a área degradada e construir em uma área que você pode. Essa seria a determinação de lei. Pagar a multa, recuperar a área. Se você já começou a construir, tem que derrubar tudo aquilo, recuperar e pagar a multa do que você destruiu.

Agrava-se mais a questão do uso dos solos nos Lençóis Maranhenses porque está havendo um processo muito forte de expansão do pólo de grãos em Chapadinha, que faz parte da mesma microrregião. Segundo informou Inácio Amorim, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, o desmatamento praticado para implantação de soja eleva o risco de assoreamento nos cursos d’água. Ele informa que uma audiência pública realizada em julho de 2005, da qual participou o Ibama, foi relacionada “uma série de denúncias sobre violação ambiental”, entre as quais o não cumprimento da reserva legal, uso de herbicidas proibidos pelo Ministério da Agricultura, embalagem de agrotóxicos deixados no campo (a legislação obriga a devolução aos fornecedores) e o desmatamento de nascentes.

Barreirinhas “tem uma associação ambiental bastante frágil porque ela está cercada de rios por todos os lados”, diz Érika Pinto (Ibama). Apesar das vantagens paisagísticas que essa característica oferece, ela adverte que, em termos de desenvolvimento, é necessário “seguir alguns caminhos que não são iguais a uma cidade que estivesse localizada em uma outra área, que não tivesse essa peculiaridade ambiental”. E isso não lhe parece de fácil conciliação porque, além dos empresários, há a necessidade de “também de conscientização do Poder Público”.

Érika admite que o desmatamento das margens do rio Preguiças faz parte de um quadro recente, decorrente da omissão daqueles que deveriam cuidar do meio ambiente, “não só os ambientais”, diz ela, “mas os de terra, de patrimônio da União, Capitania dos Portos, porque parte dessas áreas são terrenos de Marinha, são terrenos da União, são terrenos do Incra, do Iterma (Instituto de Colonização e Terras do Maranhão)”. Ela considera a ocupação como “um processo de grilagem de terra, porque nenhum morador tem a

propriedade da terra, tem a posse. Aí, com aquela posse antiga, os novos compradores destroem tudo”.

Os nativos assistem à agressão ambiental calados, temerosos de perderem seus empregos se o turismo declinar por força das medidas adotadas pelos organismos de controle. Marcos, que é guia nos Grandes Lençóis, analisa as construções nas margens dos rios e lamenta: “o pessoal fala aqui que não é muito bom porque está acabando com o rio mas, ao mesmo tempo, está gerando mais emprego ainda”. Cláudio Conceição não vê perspectivas de mudanças. Ele espera que haja conscientização por parte do empresariado, mas acha “que algumas construções vai vir. [...] na vegetação, como já aconteceu. E isso prejudica, com certeza, porque tem que abrir, tirar o verde, para colocar as estruturas”.

Em termos de uso adequado dos solos, percebe-se que nem mesmo os organismos que cuidam da área estão em sintonia. Ana Fernandes, do Ministério da Ciência e Tecnologia captou bem a situação e resumiu: “Caso não exista um plano diretor no município estabelecendo diretrizes para o crescimento urbano, regras para limitar a exploração infinita do meio ambiente, e iniciativas voltadas para a educação ambiental, a população local, também, poderá ser totalmente prejudicada”. Esse é também o cenário traçado por Tsuji (2002), ao identificar a ausência de planejamento, regulamentação e ação do governo sem a qual não haverá sustentabilidade possível.