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2.2. Planejamento e desenvolvimento sustentável

2.2.3. Abordagem política de participação democrática

2.2.3.1. Sustentabilidade social

A dimensão social se justifica com a ampliação do espaço público para atuação protagonista da comunidade na defesa dos seus interesses e definição das suas prioridades. Sachs (1993; p.37) especifica que “a meta é construir uma civilização com maior equidade na distribuição de renda e de bens, de modo a reduzir o abismo entre os padrões de vida dos ricos e dos pobres”.

No estado moderno, o poder é exercido em nome dos cidadãos por autoridades que eles próprios elegeram. A cidadania é considerada um atributo

central do processo de democracia, onde as pessoas têm os mesmos direitos e deveres, apesar do aparente paradoxo de que o status político vem em conjunção com o sistema econômico baseado em desigualdades econômicas. Em Fleury (2004a), encontramos que a igualdade não está baseada na natureza humana, onde as diferenças sempre existirão. Entretanto, a identidade comum é uma construção política e jurídica necessária para assegurar a coesão natural entre indivíduos integrados na comunidade e que torna legítimo o exercício político do poder.

Ainda assim, as experiências de gestão municipal que envolvem a participação das comunidades têm sido incipientes no Brasil. Para Jacobi (2002; p.11), “existe um déficit de participação e de constituição de atores relevantes, o que pode redundar em fator de crise de governabilidade e de legitimidade”. Fleury (2004b) comenta explicações para esse aspecto, tiradas da obra de Hannah Arendt (1993), onde os fundamentos da condição humana são vistos na relação entre discurso e ação. Quando o indivíduo não encontra espaço para o discurso, ele torna-se despojado da sua condição de ator e impossibilitado de se ver inserido no processo de cidadania.

A participação cidadã começou a ganhar importância no final dos anos de 1960. Até então, os países da América Latina encontravam-se mergulhados em um processo de desenvolvimento baseado no planejamento e na forte presença do Estado, em que se imaginava que as diferentes tensões sociais seriam absorvidas pelo progresso industrial. As peculiaridades do corporativismo estatal colocaram as classes populares sob controle das classes dominantes, fazendo com que os benefícios sociais viessem a se tornar meros privilégios (Fleury, 2004a).

Mas é na década de 1980 que a participação cidadã se torna instrumento para um potencial aprofundamento da democracia. Com a supressão dos regimes autoritários que prevaleciam na região, tem início um processo de descentralização que impulsiona mudanças na dinâmica de participação, notadamente em nível local (JACOBI, 2002; p.12).

Encontramos em Tenório (2002) a explicação apoiada na teoria de Habermas15 para uma sociedade democrática. Segundo ele, ainda no século

XIX, a razão firma-se como força produtiva de uma sociedade industrializada.

A razão particularizada é remetida ao estágio de consciência subjetiva [...]. A espontaneidade da esperança, os atos da tomada de posição e sobretudo a experiência da relevância ou da indiferença, a sensibilidade em relação ao sofrimento e à opressão, a paixão pela autonomia, a vontade de emancipação e a felicidade da identidade encontrada são agora desligados para sempre do interesse vinculante da razão (HABERMAS apud TENÓRIO, 2002; p.51).

A razão, portanto, não consegue emancipar o homem uma vez que, conforme especifica Tenório (2002), utiliza critérios positivistas para analisar questões práticas. Nesse aspecto, o próprio Habermas adverte para a inconveniência de restringir a análise da racionalidade à sua fundamentação ou mesmo à sua suscetibilidade à crítica. Para ele, alguns aspectos importantes são deixados de lado e, para evitar tais situações, propõe uma discussão em torno de cinco ações.

Ação teleológica: “o ator realiza um fim ou faz com que se produza um estado de coisas desejado elegendo, em uma situação dada, os meios congruentes e aplicando-os de maneira adequada [...]”.

Ação estratégica: “a ação teleológica se amplia e se converte em ação estratégica quando, no cálculo que o ator faz de seu êxito, intervém a expectativa de decisões de ao menos outro ator que também atua com vistas à realização de seus próprios propósitos [...]”.

Ação normativa: é o comportamento não de um ator solitário em face de outros atores, mas perante os “membros de um grupo social que orientam sua ação por valores comuns [...]”.

Ação dramatúrgica: “não faz referência primariamente nem a um ator solitário nem ao membro de um grupo social, mas sim a participantes de uma interação que constituem uns para os outros um público ante o qual se põem a si mesmo em cena [...]”.

Ação comunicativa: “se refere à interação de ao menos dois sujeitos capazes de linguagem e de ação que (seja com meios verbais ou com meios extraverbais) entabulam uma relação interpessoal [...]. Aqui o conceito central é o de interpretação, referindo-se primordialmente à negociação de definições da situação suscetível de consenso” (HABERMAS apud TENÓRIO, 2002; p.71-72).

15 Segundo Tenório (2002), Jürgen Habermas, apesar de próximo às idéias filosóficas da Escola de Frankfurt, contrapôs-se a esta ao reconstruir a fórmula frankfurtiana razão =

Interessa-nos a ação comunicativa, por ser dialógica e, como tal, permitir que os diversos atores possam exercer, através de suas falas, o que pretendem. No âmbito da cidadania, a organização das sociedades se estrutura em dois princípios distintos: “lógica do sistema, que organizaria o mercado e o Estado, e a lógica da racionalidade comunicativa, que leva à organização da solidariedade e da identidade do interior da vida” (JACOBI, 2002; p.14). Esse autor registra que o problema reside em abrir espaços públicos no Estado sem fazer com que este perca a sua capacidade reguladora e defende que a sociedade só poderá conseguir algum tipo de influência na esfera pública na medida em que elevar a pressão por meio de suas demandas.

Fleury (2004a) cita que o cidadão é visto como um ser autônomo, razoável e responsável, com dois tipos de direitos: os chamados direitos libertadores, entre os quais o de associação, expressão, acesso à informação; e os direitos de participação, como o direito de eleger e, eventualmente, de ser eleito para posições no governo. Fleury adverte, porém, que o exercício da cidadania pressupõe o princípio da inclusão e, em conseqüência, o da exclusão, este último envolvendo todos aqueles que foram tutelados ou protegidos. A história da América Latina, onde a exclusão impossibilitou alguns grupos de participar das relações econômicas de mercado, mostra-nos uma trajetória onde a cidadania é de baixa densidade.

Em termos de Brasil, o período desenvolvimentista foi extremamente autoritário e vinculado aos interesses sócio-políticos, razão por que não foi capaz de desfazer-se da rigidez protecionista e de sua excludente organização social (Fleury, 2004a). Com a normalização política do País, surgiram atores com uma nova identidade democrática e poder de pressão capazes de criar espaços e formas de participação e relacionamento com o poder público (Jacobi, 2002).

Entretanto, o exercício da cidadania no Brasil encontrou obstáculos que podem ser atribuídos à cultura política tradicional e ao desempenho econômico. De fato, esse dois motivos se fundem em um só porque o “avanço econômico de um país nem sempre equaciona toda a gama de desafios sociais

que este tem a enfrentar” (Pinto, 2003; p.15). Nesse diapasão, convém ouvir Pinto (2003; p.15):

Apesar de muitos países estarem evoluindo para modelos de Estado mínimo, é impossível não reconhecer que os governos, individualmente, ainda têm tarefas hercúleas a cumprir e enfrentarão grandes dificuldades para levar a cabo ações na área social que reduzam o sofrimento de contingentes humanos ainda bastante expressivos e também promovam a inclusão de tais populações num “universo organizado” de renda e oportunidades de trabalho.

É exatamente nesse contexto que Sachs e Pinto se encontram. Para Sachs, a sustentabilidade social pode ser entendida como a instituição de um programa de desenvolvimento que tenha por meta “construir uma civilização com maior eqüidade na distribuição de renda e de bens, de modo a reduzir o abismo entre os padrões de vida dos ricos e dos pobres” (SACHS 1993; p.37). Pinto entende que a sociedade organizada16, para enfrentar o desafio social,

deve adotar meios de conscientização e expandir ações complementares por meio de “mobilização econômico-social que vise à contínua melhoria da qualidade de vida e do bem-estar social dos setores carentes e mais fragilizados” (PINTO, 2003; p.15).