• Nenhum resultado encontrado

Educação profissional emancipadora: Polivalência ou Politecnia? Tomada como uma possibilidade real de construção de um sistema

No documento Download/Open (páginas 127-131)

EDUCAÇÃO E POLITECNIA: UM CAMINHO RUMO À EMANCIPAÇÃO.

3.7 Educação profissional emancipadora: Polivalência ou Politecnia? Tomada como uma possibilidade real de construção de um sistema

educacional que adote o trabalho como princípio educativo, a politecnia constitui-se em possibilidade de criar, a partir das condições reais da atualidade, um modelo de educação que contribua para a superação das condições impostas pelo sistema capitalista. Em outras palavras, será a partir das contradições inerentes ao capitalismo que as possibilidades de sua superação podem ser criadas e implementadas.

Visto de outra forma, se o trabalho é condição ontológica, ou seja, é a forma especificamente humana para a reprodução de sua vida, e o trabalho no sistema capitalista cada vez mais incorpora a ciência, a técnica e a cultura no processo de obtenção da produtividade e do lucro, então, também é condição de criação de uma sociedade solidária, em que todos os entes que compõem este grupo social tenham acesso amplo e irrestrito a estes conhecimentos.

A sociedade moderna e o sistema capitalista, ao mesmo tempo em que demandam mais conhecimentos e o domínio da técnica por parte do trabalhador, não podem dar-lhes de forma integral o acesso a esse conhecimento que, nesta sociedade se constitui em forma privilegiada de reprodução da mais-valia. Segundo Saviani (2003, p. 137):

Na sociedade capitalista, a ciência é incorporada ao trabalho produtivo, convertendo-se em potência material. O conhecimento se converte em força produtiva e, portanto, em meio de produção. Assim, a contradição do capitalismo atravessa também a questão relativa ao conhecimento: se essa sociedade é baseada na propriedade privada dos meios de produção e se a ciência, como conhecimento, é um meio de produção, deveria ser propriedade privada da classe dominante. No entanto, os trabalhadores não podem ser expropriados de forma absoluta dos conhecimentos, porque, sem conhecimento, eles não podem produzir e, se eles não trabalham, não acrescentam valor ao capital. Desse modo, a sociedade capitalista desenvolveu mecanismos através dos quais procura expropriar o conhecimento dos trabalhadores e sistematizar, elaborar esses conhecimentos, e devolvê-los na forma parcelada.

A forma mais efetiva encontrada pelos donos dos meios de produção para a manutenção de seu poder sobre a classe trabalhadora foi a divisão do trabalho oriunda dos estudos de tempos e movimentos realizados por Taylor

(1856 a 1915). Esta divisão possibilita um ganho importante por parte do capitalista: a perda do controle do processo por parte do trabalhador, que passa, então a ser dominado pelo capitalista.

Esta forma específica de conceber o trabalho acaba por determinar as formas de organização da educação para a classe trabalhadora. Saviani (2003, p. 138), esclarece que:

Nesse quadro é que se delineia a concepção de profissionalização, do ensino profissionalizante. Esta concepção capitalista burguesa tem como pressuposto a fragmentação do trabalho em especialidades autônomas. Formam-se trabalhadores para executar com eficiência determinadas tarefas requeridas pelo mercado de trabalho. Tal concepção também vai implicar a divisão entre os que concebem e controlam o processo de trabalho e aqueles que o executam. O ensino profissional é destinado àqueles que devem executar, ao passo que o ensino científico-intelectual é destinado àqueles que devem conceber e controlar o processo.

Mesmo com a mudança de paradigma produtivo, migrando do sistema taylorista/fordista para o sistema de automação flexível, ou toyotismo, que, entre outras coisas, apregoa a retomada do controle do processo por parte do trabalhador, na verdade impõe novas demandas ao trabalhador, como a capacidade de realizar diversas tarefas dentro de um mesmo processo, mas sem que se rompa a relação de exploração entre capitalista e trabalhador, a qual determina as relações injustas de distribuição do conhecimento e da riqueza produzida.

A simples soma de partes fragmentadas do trabalho em nada tem a ver com a integração dos conhecimentos. Visto sob outro ângulo, a questão é não confundir a politecnia com a polivalência. Sobre a polivalência, esclarece Kuenzer (2005, p. 86):

Por polivalência entende-se a ampliação da capacidade do trabalhador para aplicar novas tecnologias, sem que haja mudança qualitativa dessa capacidade. Ou seja, para enfrentar o caráter dinâmico do desenvolvimento científico-tecnológico o trabalhador passa a desempenhar diferentes tarefas usando distintos conhecimentos, sem que isso signifique superar o caráter de parcialidade e fragmentação dessas práticas ou compreender a totalidade. A esse comportamento no trabalho corresponde a interdisciplinaridade na construção do conhecimento, que nada mais é do que a inter-relação entre conteúdos fragmentados, sem superar os limites da divisão e da organização segundo os princípios da lógica formal.

Desta forma, o capitalista, através da ampliação das funções do trabalhador e a educação burguesa, através da interdisciplinaridade buscam em seus respectivos campos de atuação, permitir a elevação da produtividade e a reprodução crescente da mais-valia, sem permitir que o trabalhador, que é aquele que, no final das contas, constrói a riqueza, tome em suas mãos o domínio integral do conhecimento científico que lhe permitiria superar a relação de exploração. Trata-se de mudar algo, ampliando o raio de ação do trabalhador, sem que se mude a essência do trabalho explorado.

Em contraposição a este modelo de educação típica da classe dominante no capitalismo, a politecnia parte da concepção marxista de trabalho para daí estabelecer um sistema educacional que democratiza o conhecimento e eleva o trabalhador à condição de criador da ciência, da cultura e da técnica.

Esta concepção de educação é historicamente determinada pelas condições de produção capitalista, pois, como afirma Saviani (2003, p. 134):

A sociedade moderna, desenvolvida a partir do advento do capitalismo, revoluciona constantemente as técnicas de produção e incorpora os conhecimentos como força produtiva, convertendo a ciência, que é potência espiritual, em potência material através da indústria.

A educação profissional emancipadora, então, deve partir da concepção de politecnia para daí criar um sistema educativo que possibilite a ruptura com a relação de exploração que sustenta o modo capitalista de produção. Kuenzer (2005, p. 86), esclarece o que vem a ser a politecnia:

Por Politecnia entende-se o domínio intelectual da técnica e a possibilidade de exercer trabalhos flexíveis, recompondo as tarefas de forma criativa; supõe a superação de um conhecimento meramente empírico e de formação apenas técnica, através de formas de pensamento mais abstratas, de critica, de criação, supondo autonomia. Ou seja, é mais que a soma de partes fragmentadas; supõe uma rearticulação do conhecido, ultrapassando a aparência dos fenômenos para compreender as relações mais íntimas, a organização peculiar das partes, descortinando novas percepções que passam a configurar uma compreensão nova, e superior, da totalidade, que não estava dada no ponto de partida. A politecnia supõe a possibilidade de construção do novo, permitindo aproximações sucessivas da verdade, que nunca se dá a compreender plenamente; por isso, o conhecimento resulta do processo de construção da totalidade, que nunca se encerra, pois há sempre algo novo para conhecer. Nessa concepção, evidencia-se que conhecer a totalidade não é dominar todos os fatos, mas as relações entre eles, sempre reconstruídas no movimento da

história. [...] A politecnia supõe, portanto, uma nova forma de integração de vários conhecimentos, que quebra os bloqueios artificiais que transformam as disciplinas em compartimentos específicos, expressão da fragmentação da ciência.

Esta concepção de educação, portanto, pressupõe a compreensão do trabalho como forma de atuação do ser humano junto à natureza na construção de sua vida material e espiritual e, como tal, deve ser integral e acessível a todos os atores da sociedade de forma democrática. Nesta concepção, não há razão para separar o trabalho intelectual do trabalho manual, como argumenta Saviani (2003, p. 138):

A noção de Politecnia contrapõe-se a essa idéia, postulando que o processo de trabalho desenvolva em uma unidade indissolúvel, os aspectos manuais e intelectuais. Um pressuposto dessa concepção é que não existe trabalho manual puro, nem trabalho intelectual puro. Todo trabalho humano envolve a concomitância do exercício dos membros, das mãos, e do exercício mental, intelectual. [...] A separação dessas funções é um produto histórico-social e não é absoluta, mas relativa. Essas manifestações se separam por um processo formal, abstrato, em que os elementos dominantemente manuais se sistematizam como tarefa de um determinado grupo da sociedade, ao passo que os elementos dominantemente intelectuais se sistematizam como tarefa específica de um outro grupo da sociedade. Temos, então, o que conhecemos por trabalhadores manuais, por profissões manuais. A sistematização dessas tarefas manuais passa a definir de forma dominante essas profissões, mas não excluem a função intelectual.

Para que a educação politécnica se constitua em uma realidade predominante, é preciso superar a dicotomia entre o trabalho manual e o intelectual, que na sociedade capitalista se apresenta como condição necessária para a manutenção das relações sociais de exploração. Esta utopia, no entanto, se constrói com ações continuas de resistência contra-hegemônica.

CAPÍTULO 4

ANÁLISE DE DOIS CURSOS SUPERIORES DE TECNOLOGIA

No documento Download/Open (páginas 127-131)

Outline

Documentos relacionados