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Trabalho como Princípio Educativo: uma possibilidade de emancipação do trabalhador.

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EDUCAÇÃO E POLITECNIA: UM CAMINHO RUMO À EMANCIPAÇÃO.

3.5 Trabalho como Princípio Educativo: uma possibilidade de emancipação do trabalhador.

Parece uma contradição falar em trabalho como forma de educar. Essa contradição se acentua quando a única idéia de que se tem noticia é a do trabalho no interior do sistema capitalista. Realizado sob as condições impostas pelos detentores dos meios de produção, quase sempre exploradora, esse trabalho se realiza mais por necessidade de sobrevivência de quem o realiza, do que como forma de geração de valores de uso úteis ao grupo social. Como visto no primeiro capítulo, o conceito de trabalho no sistema capitalista não é a única forma de trabalho conhecida e praticada pelo homem. Tampouco é de todas, a sua a forma originária. Marx (1996, p. 297), ao analisar o processo do trabalho, o situa na relação homem e natureza, defendendo a ação humana no seu desenrolar:

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. [...] Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza.

Compreendido desta forma, o trabalho humano se define como uma mediação entre homem e a natureza em que o primeiro domina as forças do segundo em seu benefício e em benefício da sociedade. Como a relação é de mediação, ao mesmo tempo em que modifica a natureza, o homem modifica a si mesmo, pois seu aprendizado se dá nas relações materiais com este meio e com os outros homens.

Por outro lado, o trabalho se apresenta como a forma humana de relação com a natureza e se esta relação é a maneira encontrada para a transformação da natureza em meios de vida, então ele se apresenta como indispensável nesta sociedade em que todos deveriam ter acesso às suas mais diversas formas, pois isto é algo inerente ao ser humano e à sua vida. Com essa compreensão, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005b, p. 57) entendem que:

[...] é pela ação vital do trabalho que os seres humanos transformam a natureza em meios de vida. Se essa é uma

condição imperativa, socializar o princípio do trabalho como produtor de valores de uso, para manter e reproduzir a vida, é crucial e "educativo".

Porém, transformado em mercadoria no capitalismo, o trabalho humano ganha outra característica específica, a de ser mediado por determinado tipo de relação social. Esta relação social especificamente capitalista, na sociedade atual, transforma valores de uso em valores de troca, inclusive a força de trabalho e, principalmente ela. Portanto, ao ser transformado em mercadoria, o trabalhador passa a se submeter às leis do mercado e não ter mais o direito líquido e certo de trabalhar, mas depende de determinadas condições sociais e econômicas para fazê-lo.

No sistema capitalista de produção, o trabalho humano, que na sua essência se constitui como realização humana, passa a ser instrumento de reprodução do capital e de elevação da mais-valia. Não se pode, portanto, falar simplesmente em trabalho como princípio educativo, sem que se compreenda o que o trabalho assalariado representa dentro do sistema capitalista. Acerca disso, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 60), especificam as três categorias de direitos que devem ser mantidas, mas que o capitalismo não respeita:

O trabalho ou as atividades a que as pessoas se dedicam são formas de satisfazer as suas necessidades que, por sua vez, são os fundamentos dos direitos estabelecidos na vida em sociedade. Que direitos são estes? São os direitos de toda pessoa e alguns especiais, das crianças e dos jovens — direitos pelos quais os trabalhadores vêm lutando duramente nos últimos séculos. São os direitos civis ou individuais: direito à liberdade pessoal e à integridade física, à liberdade de palavra e de pensamento, direito à propriedade, ao trabalho e à justiça. São os direitos políticos, como o direito de participar do exercício do poder político como membro investido da autoridade política ou como eleitor. São os direitos sociais, como o direito ao bem estar econômico, ao trabalho, à moradia, à alimentação, ao vestuário, à saúde, à participação social e cultural, à educação e aos serviços sociais. Ora, o que presenciamos em nossa sociedade não é o compromisso básico e fundamental com esses direitos, não é o compromisso com o homem ou com a criança. Ou, em outros termos, o sujeito das relações sociais, em uma sociedade capitalista, não é o homem ou a criança. O sujeito é o mercado, é o capital. O grande sujeito é a acumulação do capital. O que nos permite entender as condições de extrema desigualdade social e de distribuição da riqueza, com as quais convivemos secularmente no Brasil.

Neste contexto, pois, a educação profissional não tem compromisso claro com a formação de pessoas solidárias, criativas e que lutem por direitos universais do ser humano como, por exemplo, o direito ao trabalho em condições dignas. Ao contrário, o que se verifica é a intenção de educar para a formação de mão-de-obra útil ao capital, e aí se esboça a educação profissional do ponto de vista do capitalista: formadora de uma mercadoria especial chamada trabalhador.

Vistos sob esta ótica, os cursos superiores de tecnologia demonstram certa coerência com o projeto de sociedade que impõe, cada vez mais, uma educação utilitarista, parcial e veloz para os trabalhadores e seus filhos, que devem ser moldados ao gosto do capitalista para exercer atividades específicas e semi-qualificadas. Faz sentido a criação de cursos de nível superior aligeirados, que desfazem o trinômio ensino, pesquisa e extensão uma vez que o compromisso do capital não é com o ser humano, visto de forma integral, mas com a relação mercadoria/trabalho. Essa sim, lhe é útil e servil. Desta forma, pode-se concluir que existem relações de trabalho que, ao contrário de formar, deformam o espírito e o corpo humanos.

A educação profissional que ouse assumir o trabalho como princípio educativo deve compreendê-lo como essencialidade humana e não como mercadoria a ser negociada. Assim, pensará em formar seres humanos e não apenas mão-de-obra barata e mal paga.

A concepção de uma educação profissional integrada à educação básica deve ser compreendida como uma educação que tem como finalidade a construção de um ser humano e de uma sociedade que se vale da cultura, da ciência e do trabalho para a criação democrática de meios de vida.

A compreensão de que a realização humana se dá com a atuação concreta dos indivíduos junto à natureza, e a aplicação deste princípio ao ato educativo, então, permite falar que qualquer educação é educação profissional, pois todo e qualquer conteúdo terá a finalidade de preparar o ser humano para sua atuação nesta realidade.

Por isso, a educação unitária, que toma o trabalho em sua forma essencial como princípio educativo, apóia-se em três dimensões indissociáveis:

a ciência, a cultura e o trabalho. Para Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005b, p. 66), a relação entre o trabalho e a ciência se dá da seguinte forma :

O caráter teleológico (a definição de finalidades) da intervenção humana sobre o meio material diferencia o homem do animal, uma vez que este último não distingue a sua atividade vital de si mesmo, enquanto o homem faz da sua atividade vital um objeto de sua vontade e consciência. [...] o homem reproduz toda a natureza, o que lhe confere liberdade e universalidade. Desta forma, produz conhecimento que, sistematizado sob o crivo social e por um processo histórico, constitui a ciência.

Por sua vez, a dimensão cultural completa o processo de educação unitária, na medida em que a cultura vista como o conjunto de símbolos e de significados criados por um grupo social deve ser amplamente divulgada e democraticamente repartida, a fim de que todos os integrantes deste grupo social tenham liberdade e possibilidade de acesso aos mesmos bens culturais.

Em uma realidade em que se intensifica cada vez mais a agregação da ciência e da técnica aos sistemas produtivos, em que o mundo do trabalho se confunde com a vida fora dele, parece um equívoco admitir um sistema educativo que não agregue as três dimensões citadas anteriormente.

Pode-se dizer que uma educação profissional voltada especificamente para as demandas do mercado de trabalho capitalista constitui-se em manutenção da dualidade estrutural da sociedade brasileira, reproduzindo-a no âmbito escolar. Se, por outro lado, adota-se a educação unitária, então se busca a extinção da ruptura histórica entre pensadores e executores, ou entre a teoria e a prática.

Se o trabalho se apresenta como a forma humana de produzir e reproduzir sua vida material e se esta forma de trabalho é também a forma de elaborar conhecimentos científicos que são constantemente elaborados e modificados pelo ser humano, a fim de aperfeiçoar sua interação com a natureza, então a democratização do acesso ao conhecimento científico é condição necessária para a emancipação do trabalhador, uma vez que, conforme argumenta Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005b, p. 67):

[...] a ciência conforma conceitos e métodos cuja objetividade permite a transmissão para diferentes gerações, ao mesmo tempo em que podem ser questionados e superados historicamente, no movimento permanente de construção de novos conhecimentos. A formação profissional, por sua vez, é

um meio pelo qual o conhecimento científico adquire, para o trabalhador, o sentido de força produtiva, traduzindo-se em técnicas e procedimentos, a partir da compreensão dos conceitos científicos e tecnológicos básicos.

Finalmente, a cultura definida como o conjunto de símbolos e significados de um grupo social específico em um dado momento histórico reflete os problemas, os anseios, as soluções, entre outras coisas, que caracterizam aquele grupo social e o diferenciam dos demais grupos em diferentes épocas. Desta forma, o acesso aos bens culturais por parte de todos os membros da sociedade representa a forma democrática de fazer com que todos tenham igual capacidade de participação ativa nesta sociedade.

Portanto, falar em um processo de educação profissional que crie condições objetivas para a emancipação do trabalhador requer falar em uma educação profissional que, segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005b, p. 68):

[...] permita ao jovem e ao adulto compreenderem, partindo da leitura crítica das condições e relações de produção de sua existência, a dimensão ontocriativa do trabalho. Trata-se de entender que, diferente do animal que vem regulado e programado por sua natureza — e por isso não projeta sua existência, não a modifica, mas se adapta e responde instintivamente ao meio —, os seres humanos criam e recriam, pela ação consciente do trabalho, pela cultura e pela linguagem, a sua própria existência. Sob esta concepção ontocriativa, o trabalho é entendido como um processo que permeia todas as esferas da vida humana e constitui a sua especificidade. Por isso mesmo não se reduz à atividade laborativa ou emprego. Na sua dimensão mais crucial, ele aparece como atividade que responde à produção dos elementos necessários à vida biológica dos seres humanos. Concomitantemente, porém, responde às necessidades de sua vida cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva.

Em um determinado grupo social, os indivíduos que o constituem, sem exceção, têm de construir a sua vida material, através da interação com a natureza, mediados pela ciência, pela cultura e pela tecnologia. Quaisquer ações que façam com que determinados componentes deste grupo dominem de forma privada as formas de interação do homem com a natureza serão ações que desequilibram a relação igualitária dos homens entre si e criam relações de poder e de dominação de uns sobre os outros.

No entanto, é preciso entender que a forma de trabalho conhecida e praticada atualmente, sob a ordem capitalista, não só não é a única forma de

construção da vida material como se dá de forma aviltante, sob a lógica da exploração de um grupo sobre outros. É preciso acreditar que, como afirmam Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005b, p. 70):

Essa forma de trabalho, que está em crise estrutural, também não será eterna. A luta dos trabalhadores não só é para diminuir a exploração e garantir o direito ao trabalho digno, mas, num horizonte maior, superar as relações sociais de compra e venda de força de trabalho. A utopia é a organização do trabalho solidário e cooperativo. Enquanto o trabalho assalariado não for abolido e com ele a sociedade de classes, a luta dos trabalhadores é no sentido de garantir o direito ao trabalho, mesmo na sua forma de trabalho explorado. Pior que a exploração é o subemprego e o desemprego. Na luta por melhores condições de vida e menor exploração, a conquista da educação básica de qualidade e da qualificação profissional a ela articulada é uma mediação fundamental. Trata-se de um instrumento que permite entender que os trabalhadores necessitam de organização para fazer valer seus direitos.

Tomar o trabalho como princípio educativo, portanto, significa trazer para o âmbito da educação a luta por mudanças estruturais na sociedade capitalista, inclusive a brasileira. Certamente, não se cometerá o equivoco de depositar na educação integral todas as possibilidades de mudanças na estrutura social desigual.

A educação é, sem dúvida, área privilegiada de construção da cultura de uma sociedade e, como tal, apresenta-se como possibilidade ímpar elaboração de um movimento de ruptura com as injustiças do capitalismo.

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