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O trabalho humano: sua objetivação e subjetivação

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GLOBALIZAÇÃO, NEOLIBERALISMO E TEORIA DO CAPITAL HUMANO: AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO.

1.4 O trabalho humano: sua objetivação e subjetivação

O que pode parecer uma repetição desnecessária ou simples problema semântico, quando se fala de trabalho como condição inexorável de realização humana ou o trabalho no sistema capitalista de produção, na verdade carrega uma diferença fundamental que deve ficar bem esclarecida.

Em primeiro lugar impõe-se ter clareza sobre o conceito de trabalho na condição humana. Em outras palavras, é preciso encará-lo como uma atividade exclusivamente humana e essencial à emancipação e ao convívio em sociedade.

Marx (1996, p.298) expõe a peculiaridade do trabalho humano por meio de uma comparação:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a

construção dos favos de suas colméias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém um resultado que já no inicio deste existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo [...]

Os escritos de Marx, na citação acima, permitem compreender que sob este ponto de vista, o trabalho foi a forma encontrada pelo homem para dominar a natureza, colocando-a a seu dispor. Mais do que isso, no trabalho o ser humano se liberta de uma condição puramente natural e se apresenta como ser histórico capaz de construir sua própria existência, transformando a natureza em objeto de sua atuação.

Todavia, as características histórico-culturais do trabalho humano não param por aí. O fato é que para atender às necessidades específicas de um determinado sistema de produção, o ser humano pode delegar a pessoas distintas as atividades de concepção e execução do trabalho.

Essa possibilidade de quebra da unidade permitiu ao sistema capitalista entender que a classe dominante, proprietária dos meios de produção, tomaria para si as tarefas relacionadas ao conhecimento teórico e abstrato, relacionadas à concepção de novos produtos e formas de organização da produção. À classe trabalhadora restou vender sua força produtiva a um capitalista que previamente concebeu o seu trabalho.

Compreender a importância desta ruptura da unidade do trabalho entre concepção e execução, exige situá-la num momento histórico específico, o do surgimento do sistema capitalista de produção. No capitalismo, o proprietário dos meios de produção não se interessa em produzir um bem pela simples utilidade que ele possa ter. A ele interessa produzir algo que, pela sua utilidade, poderá ser comercializado por um valor maior que aquele investido na sua produção. Em outras palavras, ao capitalista interessa o valor de troca que um produto qualquer poderá ter em determinado momento e local.

Para Marx (1818-1883), a importância de se compreender a diferença entre o valor de uso e o valor de troca de um produto refere-se à compreensão

de como o modo capitalista de produção transforma o trabalho em mercadoria privilegiada na obtenção de lucros crescentes.

O valor de uso de um determinado bem produzido pela sociedade diz respeito à sua condição de objeto capaz de facilitar a vida humana no enfrentamento com a natureza. O valor de uso, pois, é criado pelo “trabalho concreto”, ou seja, o trabalho realizado com a finalidade clara de gerar soluções úteis para a vida em sociedade, servindo, na visão de Scaff, (2006, p.36): “como o meio para se chegar a um fim, que são os objetivos estabelecidos pelo homem para atender às suas necessidades”.

Por outro lado, cada objeto criado pelo homem para a solução de seus problemas em sociedade também traz consigo um valor de troca. Este valor de troca é socialmente concebido e se refere mais precisamente à importância dada por um determinado grupo social a um determinado objeto em determinado momento. O valor de troca é uma redução quantitativa de um produto, de tal forma que se possam estabelecer comparações entre os mais diversos produtos sociais através de uma unidade de valor. É por intermédio deste valor atribuído a cada objeto criado pelo trabalho humano que se dão as transações de troca de bens na sociedade.

Na medida em que a sociedade capitalista se desenvolve e transforma cada vez mais os objetos úteis em mercadorias, o trabalho também passa por profundas transformações, o que é fator fundamental na obtenção de mercadorias. Ao mesmo tempo em que o trabalho começa a ser entendido como fator de produção de mercadorias, ou seja, se converte em trabalho abstrato, ele perde seu caráter fundamental de mediador entre o homem e a natureza (trabalho concreto) e passa a ser entendido, também, como uma mercadoria que, ao ser adquirida por um capitalista, permite a produção de mais mercadorias que serão trocadas em um mercado. Nas palavras de Scaff (2006, p. 38):

O trabalho abstrato é aquele que produz mercadorias, as quais representam valor para os outros e não para o trabalhador que as produz. Diferentemente do trabalho concreto, não são os objetivos do trabalhador que são almejados, mas os objetivos de outrem, do capitalista.

Sob este aspecto, cabe a análise de um outro conceito: o da mais-valia. Marx (1996), ao referir-se ao trabalho incorporado pelo trabalhador assalariado, sob as condições de produção capitalista da mercadoria, o valor adicionado ao objeto produzido na forma de tempo de trabalho se converte em valor de troca adicional, obtido pelo capitalista no momento em que converte a mercadoria em dinheiro em um determinado mercado. Este valor adicional, que no final se constitui em lucro para o capital, não é repassado ao trabalhador, mesmo se considerar que o seu trabalho foi o que permitiu ao capitalista a obtenção desses valores adicionais.

Ao detentor dos meios de produção, em última análise, interessa organizar o trabalho de tal forma que se possa obter o lucro máximo. Assim, ao compreender o trabalho como uma mercadoria especial, que lhe permite elevar suas taxas de lucro, o capitalista o reduz a uma forma simplificada que dele retire quaisquer interferências individuais do trabalhador e que lhe permita a rápida substituição, incremento ou redução de trabalho empregado, em um processo de produção qualquer.

Então, no sistema capitalista, o trabalho se torna simplificado, parcializado e, principalmente, transformado em mercadoria a ser comprada pelo capitalista. Esta mercadoria-trabalho é a única forma de obter a mais-valia, por que é a única mercadoria que adiciona valor aos demais materiais empregados na produção. É o que afirma Scaff (2006, p. 38):

A circulação de mercadoria é um dos elementos necessários à produção de valor, mas não acrescenta mais-valia ao produto, considerando-se que seu valor advém do quantum de trabalho empregado na sua produção. [...] Somente com a exploração de trabalho é possível a obtenção de mais-valia.

Transformado na principal forma de geração de mais-valia por parte do proprietário dos meios de produção (leia-se proprietário dos meios de vida, de subsistência), o trabalho se torna algo de grande interesse para o capitalista.

Em decorrência disso, de criador de sua existência, o trabalhador converte-se em necessitado, que só encontra saída na venda de sua força produtiva ao capital. Submete-se a uma condição de trabalho que privilegia os movimentos uniformes e repetitivos, que retira de suas mãos o controle do

tempo de trabalho, que prescinde de sua habilidade individual e que o aliena ao produto de seu trabalho, que agora não serve mais a ele e a seus iguais, mas a outros, que comprarão as mercadorias por ele produzidas.

Neste contexto de transformação do trabalho em mercadoria e na retirada de seu conteúdo objetivo, falar em educação do trabalhador sob o ponto de vista burguês é falar de uma educação meramente adaptadora, feita para ensinar procedimentos e arrefecer o seu desejo de ruptura com o processo de exploração.

Ao contrário desta visão burguesa, a relação trabalho e educação que se pretende discutir aqui não é a relação meramente mercadológica, que toma o trabalho como mercadoria e que entende que a educação profissional deve se subordinar aos ditames do mercado.

A relação que se pretende elaborar aqui é a de um trabalho integral, que mantenha o trabalhador como ator importante no processo de criação de riqueza. Esta relação permite ao trabalhador ser, não mero consumidor de modos de fazer, mas ser criativo e crítico o suficiente para tomar a direção de seu próprio destino em parceria com seus semelhantes.

1.5 As mudanças no mundo do trabalho: do artesão ao trabalhador

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