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O efeito vinculante das súmulas

7.2.1 Objeto da vinculação

O caráter obrigatório decorrente do efeito vinculante da interpretação jurídico- constitucional desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato de normas, não é diferente da exegese consubstanciada em súmula vinculante. Cabe, no entanto, esclarecer alguns pontos em relação ao efeito vinculante das súmulas.

Em primeiro lugar, é preciso apontar aquilo que efetivamente vincula nas súmulas. Diferentemente do que ocorre nas ações diretas, o efeito vinculante das súmulas não se refere a uma decisão singular, já que ela exige reiteradas decisões em um mesmo sentido para poder ser editada. Assim, a súmula vinculante representa a síntese de uma

jurisprudência. Dessa feita, é importante que a vinculação se faça a partir do fundamento determinante desse conjunto de decisões reiteradas em um mesmo sentido que formaram a base da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional. Com isso, sendo a súmula a síntese dessa jurisprudência, ela deva representar a sua própria ratio

decidendi. Explicando melhor, a ratio decidendi dessa jurisprudência deve se corporificar no enunciado sumular, expressar-se por meio dela, tornando visível a regra de direito que norteou o julgamento de diversos casos semelhantes em um mesmo sentido. Isso significa que a vinculação não deve advir do verbete sumular isoladamente, pois, do contrário, não

296 MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito

constitucional, cit., p. 324.

haveria, de fato, vinculação de fundamentos determinantes, mas apenas a imposição do enunciado que compõe a súmula298. Aqui está mais uma forte razão para que haja uma unidade quanto à fundamentação ou argumentação nas reiteradas decisões, pois, ao revés, a súmula não representará ratio decidendi alguma, isto é, ela transmitiria a falsa idéia de uma suposta jurisprudência sólida da corte299. Deve-se frisar, portanto, que o verbete está preso aos motivos determinantes da jurisprudência constitucional que está em sua base, ou seja, conecta-se a eles. Considerar como vinculante unicamente o enunciado sumular significaria abstrair indevidamente todo o seu substrato jurisprudencial.

Além de consubstanciar uma orientação jurídica mais sólida e segura, haja vista que se supõe o amadurecimento do Tribunal ao manter seu entendimento em várias situações semelhantes, a enunciação da ratio decidendi através da súmula vinculante também almeja simplificar o trabalho dos aplicadores do direito. De fato, a súmula deve ser considerada como um primeiro e relevante indício do fundamento determinante da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O enunciado como que deve conduzir o intérprete ao núcleo do entendimento da corte. Isso revela a importância que assumirá a própria redação da súmula, pois, quanto mais deficitária for essa redação, maior a dificuldade em se identificar o motivo determinante.

Outrossim, o enunciado sumular não apenas deve explicitar a ratio decidendi como também configura, ao mesmo tempo, o próprio limite objetivo do efeito vinculante das súmulas300. Assim, a súmula vinculante apresenta uma função seletiva, pois busca nortear as teses e orientações jurídicas que serão dotadas de obrigatoriedade, excluindo outras que poderão, no máximo, ter força persuasiva.

Isso não significa, contudo, que a aplicação da súmula vinculante deva se fazer em total desconsideração com a jurisprudência que a sustentou. Ao contrário, em razão de sua inexorável conexão com os motivos determinantes da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, a sua adequada aplicação exigirá, não raro, que o intérprete

298 Nesse sentido, ver: LEAL, Roger Stiefelmann, O efeito vinculante na jurisdição constitucional, cit., p.

176-177.

299 Ver o item 6.2.1.

300 Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes e Samantha Meyer Pflug afirmam: “Os limites objetivos da

súmula vinculante são fornecidos pelo enunciado que resulta de sua formulação.” (Passado e futuro da súmula vinculante: considerações à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004, cit., p. 365).

leve em conta o conjunto de precedentes que estão na sua base. Cuida-se de compreender o

texto da súmula considerando o contexto do qual ela emergiu, o que contribui para sua melhor aplicação.

7.2.2 Efeito vinculante sem eficácia erga omnes?

Uma peculiaridade quanto ao efeito vinculante das súmulas é que ele não veio acompanhado, como ocorreu com as decisões em controle abstrato de normas, da eficácia

erga omnes301. O texto da Emenda Constitucional n. 45/2004 apenas disse que o Supremo Tribunal Federal poderá “aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. Da análise textual da emenda, pode-se depreender que as súmulas teriam efeito vinculante, mas não teriam eficácia erga omnes. Daí, pode-se indagar quais os reflexos, para as próprias súmulas, do efeito vinculante desacompanhado da eficácia erga omnes?

Partindo-se da idéia de que as súmulas vinculantes consubstanciam uma orientação jurídica consolidada jurisprudencialmente pelo Supremo Tribunal Federal, de observância obrigatória para os demais órgãos do Judiciário e para a Administração pública do país inteiro, carece de maior relevância dizer que elas não teriam eficácia erga

omnes. Ora, a própria extensão subjetiva das súmulas demonstra que ela se estende a uma pluralidade de pessoas e órgãos, não se devendo dizer que elas não teriam eficácia erga

omnes pela simples falta de enunciação expressa por parte da Emenda Constitucional n. 45. Os únicos não abrangidos pelo efeito vinculante, como será posteriormente explorado, foram os órgãos legislativos e o próprio Supremo Tribunal Federal. Mas, feitas essas exceções, a ausência de previsão expressa da eficácia contra todos não altera o caráter abrangente e genérico das súmulas.

O efeito vinculante das súmulas é um plus normativo à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, alcançando-lhe os motivos determinantes, devendo, por isso, ser seguida pelos demais aplicadores do direito. Isso se evidencia quando se considera que o próprio

efeito vinculante abarca “os demais órgãos do Judiciário e a Administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. Diante disso, como não dizer que o efeito vinculante das súmulas não compreende a eficácia erga omnes? Se não tem eficácia

erga omnes, terá, a contrario sensu, eficácia inter partes? Porém, ao mesmo tempo, e paradoxalmente, terá eficácia inter partes que obriga, por força do efeito vinculante, os demais órgãos do Judiciário e a Administração pública do país inteiro?

Logo, considerando essas contradições, entende-se que a falta de referência pela Emenda Constitucional n. 45 da eficácia erga omnes da súmula não lhe afeta o rigor normativo, pois, excetuado-se o legislador, ela terá eficácia contra todos os demais órgãos do Judiciário e toda a Administração pública, isto é, o efeito vinculante se sobrepõe ao

erga omnes.