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Sobre o instituto dos assentos

5.2 Os assentos do direito português e as súmulas vinculantes

5.2.1 Sobre o instituto dos assentos

Os assentos, em linhas gerais, são prescrições jurídicas extraídas de acórdãos, cuja finalidade precípua é a uniformização de jurisprudência. Tais decisões são dotadas de “força obrigatória geral”, devendo ser seguidas nos casos semelhantes no futuro. Desse modo, com base nos assentos:

(...) ao Supremo Tribunal de Justiça, confrontado com um conflito de

jurisprudência que respeite requisitos processualmente definidos, é imposta a obrigação de o resolver definitivamente através da enunciação de uma prescrição jurídica que, tendo embora resultado da solução dada àquele conflito ou sendo a síntese dessa solução, passa a valer para o

futuro como preceito preceito normativo geral e abstracto dotado de

força obrigatória geral.234

Como observa Canotilho, “os assentos eram normas materiais ‘recompostas’ através de uma decisão jurisdicional ditada pelo Supremo Tribunal de Justiça sempre que houvesse contradição de julgados sobre as mesmas questões de direito no domínio da mesma legislação”.235

Vale observar que os assentos tiveram uma longa caminhada na história do direito português. Sua feição inicial pode ser reconduzida aos antigos assentos da Casa da Suplicação, já conhecidos na Segunda Ordenação e tratados depois com desenvolvimento nas Ordenações Filipinas e em legislação esparsa. De todo modo, foi com o Código de Processo Civil de 1939 que se consagrou a denominação “assentos” para os acórdãos proferidos pelo plenário do Supremo Tribunal de Justiça nos recursos de uniformização de jurisprudência, resgatando a antiga terminologia do instituto da Casa da Suplicação.

No artigo 768° do mencionado Código, encontrava-se a extensão da força vinculante dos assentos:

234 NEVES, Antonio Castanheira. O problema da constitucionalidade dos assentos: comentário ao Acórdão

n. 810/93 do Tribunal Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1994. p. 30.

Artigo 768° - A doutrina assente pelo acórdão que resolver o conflito de jurisprudência será obrigatória para todos os tribunais enquanto não for alterada por outro acórdão proferido nos termos do artigo seguinte. Além disso, no artigo 769° do citado diploma legal, previa-se a possibilidade de alteração do assento fixado pelo Supremo Tribunal de Justiça:

Artigo 769° - Quando em julgamentos posteriores do Supremo Tribunal de Justiça a maioria dos juízes que intervierem na decisão se pronunciar pela alteração da jurisprudência fixada pelo tribunal pleno, o processo será concluso a outros juízes até se vencer, por sete votos, a observância da jurisprudência estabelecida ou a necessidade da alteração. Neste último caso o Presidente ordenará que o processo seja continuado com vista aos restantes juízes e a questão será depois decidida em tribunal pleno. Se a final prevalecer a alteração da jurisprudência, lavrar-se-á novo assento, a que é aplicável o disposto no artigo anterior e seus parágrafos.

Nada obstante, o Código de Processo Civil de 1961 promoveu relevante alteração no instituto dos assentos, na medida que suprimiu a possibilidade, prevista no Código de 1939, de o próprio Supremo Tribunal de Justiça alterar a doutrina fixada nos seus assentos. Assim, a partir do diploma de 1961, os assentos não podiam mais ser modificados pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça.

Outra modificação relevante na sua estrutura veio a ser introduzida pelo Código Civil de 1966, que estabeleceu a seguinte regra em seu artigo 2º: “Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral”. Esse dispositivo legal veio confirmar a amplitude da vinculação dos assentos, estipulando a sua obrigatoriedade jurídica geral.

Pois bem, foi essa a configuração final dos assentos portugueses. Para fins de sistematização, importa ressaltar as notas essenciais desse instituto: a) os assentos correspondem à doutrina fixada em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça; b) sua finalidade é uniformizar a jurisprudência, servindo à unidade do ordenamento e à segurança jurídica; c) o seu pressuposto é a divergência jurisprudencial nesse próprio Tribunal, impondo-lhe o dever de adotar linha jurisprudencial; d) para que o assento seja criado, basta um único acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que venha a eliminar o conflito jurisprudencial; e) o entendimento externado nesse acórdão possui força

obrigatória geral, devendo ser aplicado nos casos futuros; f) os assentos não podem ser revistos pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça.

Diante de tais elementos, Castanheira Neves, crítico contundente dos assentos, partia de três critérios para identificar a sua natureza jurídica. Em primeiro lugar, o órgão emitente do assento é um tribunal, no caso, o Supremo Tribunal de Justiça. Em segundo lugar, esse órgão judicial é convocado para tratar de conflito de jurisprudência através da interposição de recurso, pelo qual resolverá o conflito através de atividade jurisdicional. Por fim, esse órgão, ao criar o assento, ultrapassa sua função jurisdicional estrita, pois prescreve uma norma jurídica (assento) geral e abstrata, em vez de emanar ato individual e concreto, vocacionada a aplicação futura em outros casos semelhantes236. Desse modo, o autor enxergava nos assentos o resultado de uma função que mais se aproximava da legislativa do que da jurisdicional. Na definição desse autor, os assentos consistem:

(...) em uma prescrição jurídica (imperativo ou critério normativo- jurídico obrigatório) que se constitui no modo de uma norma geral e

abstracta, proposta à pré-determinação normativa de uma aplicação

futura, susceptível de garantir a segurança e a igualdade jurídicas, e que não só se impõe com a força ou eficácia de uma vinculação normativa

universal como se reconhece legalmente com o carácter de fonte de

direito, com o que assumem a natureza de uma disposição legislativa.237 Uma vez delineados os contornos principais dos assentos, é possível estabelecer um paralelo entre eles e as súmulas vinculantes brasileiras. Ressalte-se, contudo, que o arcabouço antes exposto tem por finalidade apenas fornecer os elementos necessários para tal comparação, não se objetivando, portanto, um estudo minucioso daquela categoria do direito português.

5.2.2 Semelhanças entre os assentos portugueses e as súmulas