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Existência de reiteradas decisões em um mesmo sentido

6.2 Requisitos para a criação de súmula vinculante

6.2.1 Existência de reiteradas decisões em um mesmo sentido

Tribunal Federal tenha proferido “reiteradas decisões em um mesmo sentido”. Isso significa que não poderá haver a criação de súmula vinculante a partir de uma única decisão dessa corte. Ela também não poderá ser editada se, apesar de a corte apreciar um conjunto de processos contendo a mesma questão jurídica, ela vier a decidi-los de modo divergente (por exemplo, por suas turmas), não constituindo uma linha sólida de entendimento. Com essa exigência, requer-se que o Tribunal já tenha debatido amplamente a questão controvertida, amadurecendo, aos poucos, seu entendimento sobre a matéria. Por isso, antes de ser vinculante, a orientação do Tribunal deve mostrar-se predominante.253

É bem verdade que o texto constitucional não estabeleceu um número exato de decisões que servisse de parâmetro objetivo para aferir se o Tribunal atingiu ou não a

252 Nesse sentido: TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei

11.417, de 19.12.2006. São Paulo: Método, 2007. p. 30.

exigência da reiteração. Isso lhe impõe um relevante dever de cautela, pelo que só deverá dar ensejo à criação de uma súmula vinculante após ter firme convicção de que suas decisões refletem sólido juízo sobre determinada questão, uma vez que é precisamente o conjunto de acórdãos em um mesmo sentido que possibilitará afirmar se a discussão já está ou não pacificada. Assim, espera-se que haja uma maturação da corte, tendo sido o tema suficientemente discutido por seus membros. Afinal, a súmula deverá condensar exatamente a tese jurídica consolidada pela corte.254

Convém observar que a exigência de o Tribunal ter que decidir reiteradas vezes em um mesmo sentido impõe relativa unidade quanto aos fundamentos da linha interpretativa predominante da corte sobre a matéria objeto da discussão. Reivindicação dessa monta se justifica a partir da consideração de que a súmula vinculante deverá corporificar uma específica tese jurídica emergente da jurisprudência tranqüila do Tribunal. Dessa forma, essa jurisprudência deve se assentar em argumentos jurídicos (fundamentação) compartilhados por parcela expressiva do Tribunal. Do contrário, ter-se- ia que o único consenso seria aquele referente à conclusão dos julgados, e não à sua fundamentação.255

Reforça essa exigência o fato de que, não raro, será necessário recorrer a tais fundamentações para melhor compreender o sentido do enunciado sumular, evitando uma espécie de aplicação descontextualizada da súmula. Desse modo, seria problemático se houvesse fundamentações discrepantes na base de uma jurisprudência que resultou na súmula vinculante, pois seria difícil identificar a orientação jurídica da corte. Assim, considerando que a súmula vinculante deve consubstanciar uma interpretação jurídica pacífica do Tribunal, é necessário que sobre ela não recaia discórdia significativa, pois isso pode dificultar, senão impedir, a criação de uma súmula vinculante.

254 Ver: MENDES, Gilmar Ferreira; PFLUG, Samantha Meyer, Passado e futuro da súmula vinculante:

considerações à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004. cit., p. 345; LAMY, Marcelo; CONCI, Luiz Guilherme Arcaro, Reflexões sobre as súmulas vinculantes, cit., p. 308; MANCUSO, Rodolfo de Camargo, Súmula vinculante e a EC n. 45/2004, cit., p. 709.

255 Nesse sentido, observa André Ramos Tavares que “do contrário, as decisões reiteradas podem significar

uma falsa representação do pensamento do Tribunal ou mesmo uma inútil representação desse pensamento para fins de transposição do concreto para o geral-abstrato (processo da súmula vinculante). (Nova lei da

Observe-se ainda que a prática recente do Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle de constitucionalidade incidental revela certo óbice à criação de súmula vinculante. A partir de interpretação do artigo 557, caput e parágrafo 1º-A do Código de Processo Civil, a corte tem entendido que, uma vez proferida declaração de inconstitucionalidade pelo plenário, em caráter incidental, os demais ministros podem adotar, monocraticamente, a tese contida nessa decisão para resolver pleitos futuros em que se discute a validade de leis idênticas àquela apreciada pelo plenário. Segundo Gilmar Mendes:

Em um levantamento precário, pude constatar que muitos juízes desta corte têm, constantemente, aplicado em caso de declaração de inconstitucionalidade o precedente fixado a situações idênticas reproduzidas em leis de outros municípios. Tendo em vista o disposto no

caput e parágrafo 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil, que reza sobre a possibilidade de o relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, os membros desta corte vêm aplicando tese fixada em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei, em sede de controle difuso, emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto de recurso extraordinário sob exame.256

Diante do exposto, é preciso fazer uma distinção. A situação (a) em que os ministros, monocraticamente, valem-se de um único precedente do plenário para decidir processos iguais é diversa daquela (b) em que se utiliza, não um precedente, mas uma jurisprudência dominante do Tribunal, conforme preconiza o dispositivo legal do artigo 557 do Código de Processo Civil. Na hipótese (b), não haveria nenhum empecilho à criação de súmula vinculante, pois, no conceito de “jurisprudência dominante” já pode ir embutida a idéia de “reiteradas decisões em um mesmo sentido” (desde que haja uma identidade quanto aos seus fundamentos). No entanto, na hipótese (a), não há como se configurar reiteradas decisões, pois existe apenas um único pronunciamento do plenário, o que, evidentemente, não representa uma orientação pacífica e amadurecida da corte. Não há como se deduzir que, a partir de um único precedente, o tema já tenha sido ampla e satisfatoriamente discutido, o que é exigido para a criação das súmulas vinculante. Nesse caso, é inviável deflagrar o seu processo de edição.

256 STF – RCL n. 2.363/PA, rel. Min. Gilmar Mendes, DJU, de 07.06.2005. Ver também: MENDES, Gilmar

Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional, cit., p. 277-279.

O Supremo Tribunal Federal teria, então, duas escolhas: a) pode optar por permitir que seus juízes decidam monocraticamente a partir de um único precedente, porém impossibilitando a criação de súmula vinculante; ou b) pode aguardar por um maior fortalecimento da interpretação desenvolvida pela corte, verificado através de reiteradas decisões do plenário ou das turmas em um mesmo sentido, até formar-se uma jurisprudência sobre o tema, para, então, editar súmula vinculante.

6.2.2 Necessidade de controvérsia atual que acarrete grave

insegurança jurídica e repetição de processos

Outro requisito para a criação das súmulas vinculantes é a preexistência de controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração pública. Assim, pode haver um desencontro interpretativo não apenas entre juízos e tribunais como, também, entre esses e as pessoas e órgãos que integram a Administração pública, aqui se incluindo, de certo, tanto a direta quanto a indireta, abrangendo, ainda, todos os níveis da Federação.

A atualidade da divergência impõe que a contenda esteja sendo verificada em época presente, sendo descabida a criação de súmula vinculante sobre controvérsia antiga, já pacificada ou que não possui maior relevância no momento.

Seguramente, a maioria das controvérsias judiciais acarreta insegurança jurídica, por deixar os jurisdicionados em uma “loteria judiciária”. Todavia, isso não exclui a dificuldade de se chegar a um consenso em torno do conceito vago de segurança jurídica. Essa dificuldade é redobrada quando se deve ainda precisar sua intensidade, pois a emenda exigiu que tal insegurança jurídica fosse grave. Assim, a emenda faz sugerir que o intérprete tem que discernir entre uma leve, uma média e uma grave insegurança jurídica. Evidencia-se, nesse caso, o elevado grau de discricionariedade que terá o Supremo Tribunal Federal ao afirmar que certa controvérsia está ou não provocando grave insegurança jurídica para fins de elaboração de súmula vinculante.

Entretanto, um elemento mais objetivo a ser considerado pode diminuir a referida discricionariedade. É que a controvérsia deverá gerar duas conseqüências: grave insegurança jurídica e multiplicação de pleitos com questões idênticas. O enunciado da emenda constitucional não usou o conectivo ou, indicando alternatividade, mas sim o e, indicando adição. São, portanto, requisitos cumulativos, isto é, não pode haver súmula vinculante decorrente de um estado de insegurança jurídica, ainda que grave, provocado por certo dissenso hermenêutico. É preciso que ela também possa acarretar repetição de processos discutindo questão idêntica257. Não se faz necessário, porém, que essa multiplicação de processos se dê no âmbito do Supremo Tribunal Federal, bastando que ocorra em qualquer nível do Poder Judiciário.258

Dessa forma, se, em tese, é possível supor a existência de controvérsia judicial que acarrete grave insegurança jurídica, mas que não esteja implicando repetição de processos iguais ou que não o esteja ainda, o inverso é inviável: se uma controvérsia judicial pode provocar repetição de processos idênticos, essa repetição gera grave insegurança jurídica, pois à litigiosidade em massa se contrapõe a loteria judiciária, que representa tratamento desigual para situações iguais.

A configuração de uma pluralidade de entendimentos acerca de matéria constitucional que possa provocar ou esteja provocando o ajuizamento de inúmeras demandas idênticas evidencia a notória finalidade das súmulas vinculantes: conter o desenvolvimento de litígios em massa que envolvam o mesmo problema jurídico- constitucional. Esses litígios comumente envolverão matérias mais próximas ao direito tributário, ao direito administrativo, ao direito previdenciário, ao direito econômico, pois que a intervenção do Estado nesses âmbitos é caracterizada por sua ampla projeção na sociedade. No entanto, ao contrário do que se poderia supor, não é inviável a construção de súmulas vinculantes dispondo sobre outros “ramos” do direito, como o penal e civil, por exemplo.

257 Semelhante entendimento é exposto por Sérgio Bermudes: “(...) deve ser grave a controvérsia, que se

medirá pela multiplicação de processos (rectius de decisões) sobre questão idêntica. As expressões ‘grave insegurança jurídica’ e ‘relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica’ integram-se e precisam coexistir.” (Reforma do Judiciário pela Emenda Constitucional n. 45. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 123).

258 Nesse sentido: TAVARES, André Ramos, Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei