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6.2 Requisitos para a criação de súmula vinculante

6.2.4 Legitimidade ativa

Nos termos do artigo 103-A da Constituição Federal, a súmula vinculante poderá ser criada de ofício pelo próprio Supremo Tribunal Federal ou por provocação. Nesse caso, a Emenda Constitucional n. 45 conferiu legitimidade para propor a criação de súmulas às mesmas pessoas e órgãos que podem ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal: o Presidente da República, a Mesa do Senado

259 Em sentido contrário, considerando que as reiteradas decisões devem também ser proferidas mediante

Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Além disso, a mesma emenda possibilitou ao legislador ordinário alargar esse rol de legitimados. É o que se depreende do parágrafo 2º do artigo 103-A, ao dizer que os legitimados para propor a criação de uma súmula vinculante são os mesmos para ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade “sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei”. De certo que ao legislador ordinário está vedada a exclusão de qualquer dos legitimados previstos pela própria Emenda Constitucional n. 45, em razão da superioridade da norma constitucional por ela introduzida. Ele poderia, se assim o quisesse, não conferir a mais ninguém tal legitimidade além dos já constantes da emenda, uma vez que estaria em seu âmbito de conformação legislativa. Entretanto, ele optou pelo aumento do número de legitimados. Com base nesse permissivo constitucional, criou-se a Lei n. 11.417, de dezembro de 2006, responsável pela atribuição de tal legitimidade também ao Defensor Público-Geral da União, aos Tribunais Superiores, aos Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, aos Tribunais Regionais Federais, aos Tribunais Regionais do Trabalho, aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos Tribunais Militares.260

Essa lei ordinária também estabeleceu que os municípios podem propor a criação de súmula com efeito vinculante. No entanto, nessa hipótese, eles só poderão fazê-lo, incidentalmente, no curso de um processo em que sejam partes261. Apesar de o dispositivo legal não deixar claro se esse processo deve estar em curso no próprio Supremo Tribunal Federal, entende-se que deve ser essa a interpretação a ser seguida, já que é aquele órgão judicial, e não outro, o único habilitado a criar súmulas com efeito vinculante. Logo, apenas estando o processo em trâmite no próprio Supremo Tribunal Federal é que os municípios-partes poderão requerer-lhe a criação de súmula vinculante.

260 Artigo 3º e incisos da Lei n. 11.417/2006.

261 Lei n. 11.417/2006: “Artigo 3º - (...) § 1º - O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de

processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.”

Como se vê, a lei criou dois regimes para o exercício de tal legitimidade ativa. Para os municípios, essa competência há de ser exercida no bojo de um processo judicial. Para todos os demais, ela pode ser exercida autonomamente, isto é, desvinculada de qualquer litígio concreto.

Outra questão relevante sobre esse ponto se impõe. Na medida que a emenda constitucional promoveu, quanto à legitimidade ativa, uma clara simetria entre a ação direta de inconstitucionalidade e a súmula vinculante, é de se indagar se, para a criação dessa, será extensível a alguns legitimados o requisito da pertinência temática, presente na propositura de uma ação direta262. Em outros termos, determinados legitimados para propor a edição de súmula vinculante necessitam demonstrar o requisito da pertinência temática? Essa problemática abarcaria, igualmente, os legitimados contemplados pela Lei ordinária n. 11.417/2006.

Como se sabe, a exigência da pertinência temática nunca esteve presente no enunciado constitucional do artigo 103 da Constituição Federal, que cuida da legitimidade ativa para propor uma ação direta de inconstitucionalidade, sendo, então, uma construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. Em termos práticos, é até possível que o Supremo Tribunal Federal acabe promovendo sua extensão para as súmulas vinculantes, já que há uma coincidência parcial dos legitimados e por se tratar igualmente de processo objetivo.263

Dessa maneira, se o que levou o Supremo Tribunal Federal a construir o requisito da pertinência temática foi fundamentalmente o receio de sobrecarga com várias ações diretas de inconstitucionalidade, em razão do elevado número de legitimados ativos, com o maior alargamento desse rol para a criação de súmulas vinculantes (por força da Lei n. 11.417/2006), teria ele razão suficiente para justificar a propagação do referido requisito ao mecanismo sumular, temendo uma enxurrada de pedidos por parte de tais legitimados.

262 Os denominados legitimados especiais, que precisam atender ao requisito da pertinência temática para

propor ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, são os seguintes: a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional.

263 “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal permite antever a exigência da ‘pertinência temática’

também para o requerimento de que trata o parágrafo 2º do artigo 103-A.” (BERMUDES, Sérgio, A

Todavia, não se crê seja essa a melhor interpretação. Há, em primeiro lugar, um importante limite hermenêutico a ser considerado. É que os enunciados normativos que cuidam da súmula vinculante não estabeleceram o requisito da pertinência temática a nenhum de seus legitimados ativos e um condicionante como esse deveria contar com expressa previsão constitucional ou legal, já que impõe uma restrição ao exercício de uma competência. Por isso, seria forçoso transpor esse requisito limitativo da ação direta de inconstitucionalidade, o qual, ele próprio, não foi autorizado pela ordem jurídica, para o regime jurídico das súmulas vinculantes, que, assim como o regime da ação direta de inconstitucionalidade, não introduziu tal pressuposto de admissibilidade. Seria, em síntese, irradiar um elemento restritivo que, em sua gênese, sequer encontrava amparo no direito positivo.

Ademais, a ampliação desses legitimados pela Lei n. 11.417/2006 vai de encontro à tese que sustenta a restrição através do requisito da pertinência temática. Com efeito, ao efetuar tal ampliação, o mencionado diploma legislativo está a sinalizar para um amplo acesso ao Supremo Tribunal Federal em tema de súmula vinculante.

Demais disso, ainda que venha a se verificar na prática um considerável número de pedidos para a criação de súmulas vinculantes, o que, no momento, é mera suposição, a análise da pertinência temática, nos casos dos legitimados que deveriam comprová-la, ao contrário de promover uma filtragem dos pedidos, pode tumultuar os trabalhos pretorianos. Considerando que a súmula vinculante exige diversos requisitos para ser criada, seria mais célere e útil que o Tribunal enfrentasse de imediato o requerimento principal a ter que analisar, preliminarmente e caso a caso, se certos legitimados atendem ao requisito da pertinência temática, para, somente depois, discutir pelo cabimento ou não do pedido de edição de súmula vinculante.

Esse mesmo procedimento deveria ocorrer, e com mais labor, nas hipóteses de requerimentos formulados pelos legitimados da Lei n. 11.417/2006, para os quais a corte, diferentemente do que ocorre com os legitimados arrolados na emenda, ainda não possui parâmetros para determinar quais deles teriam legitimidade universal e quais teriam apenas a legitimidade especial. Para esse grupo, a corte ainda deveria desenvolver critérios objetivos acerca do que constitui o âmbito de suas respectivas pertinências temáticas. Em

síntese, seria introduzir uma desnecessária formalidade no processo constitucional de criação das súmulas vinculantes.

Desse modo, há mais peso nas justificativas que respaldam o acesso irrestrito de tais legitimados ao processo constitucional estabelecido para o Supremo Tribunal Federal sobre as súmulas vinculantes do que em eventuais argumentos que buscam impor, sem qualquer autorização constitucional ou legal, o requisito da pertinência temática. Por essas razões, defende-se a não extensão do requisito da pertinência temática para os legitimados para propor a criação das súmulas vinculante.264

6.2.5 A conversão de súmulas anteriores à Emenda