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Eficiência e bem-estar: um novo propósito para a economia

1. INSTRUMENTAL, CONCEPÇÕES E DESDOBRAMENTOS: UMA

1.3 A evolução das concepções básicas

1.3.3 Eficiência e bem-estar: um novo propósito para a economia

Screpanti e Zamagni (1995) afirmam que a cardinalidade da utilidade, ou seja, a possibilidade de medi-la, não era clara em alguns dos teóricos da revolução marginalista, como por exemplo, Jevons. Sen (1989) lembra que Pigou, ao encontrar dificuldade em utilizar a utilidade para a determinação do padrão de vida, acabou por sugerir que este fosse baseado em critérios de opulência, ou seja, quantidade de determinados produtos e serviços.

No final do século XIX, outra concepção de utilidade começou a ganhar terreno: a utilidade como expressão de preferências e, portanto, de escolha individual. Assim, a Nova Economia do Bem-Estar foi uma reação às ideias de Pigou. Os desenvolvimentos de Pareto foram importantes para a consolidação desta nova visão da utilidade, que ficou conhecida por utilizar critérios de ordinalidade, e não de cardinalidade. Esta linha baseava-se no princípio da impossibilidade de se obter medidas da utilidade, e desta forma, impossibilitar comparações interpessoais de utilidade (SCREPANTI e ZAMAGNI, 1995).

      

10 Assim como seu aluno Pigou, Marshall tentou reconciliar o laissez-faire com o fato de que aumentos de

bem-estar podem ser gerados por políticas distributivas, mas acabou concluindo que “a única forma de melhorar as condições do pobre era estimular o egoísmo do rico.” (SCREPANTI e ZAMAGNI, 1995, p. 202).

Os estudos de bem-estar começaram então a se calcar num critério chamado de ótimo de Pareto. Uma alocação Pareto-ótima é aquela em que não há possibilidade de organizar a produção e distribuição de bens de maneira a melhorar ou aumentar a utilidade de uma pessoa sem piorar a utilidade de outra (MAS-COLELL, WHINSTON e GREEN, 1995). Neste contexto “todas as referências de felicidade e satisfação de necessidades precisam desaparecer, enquanto as motivações por trás das escolhas perdem importância” (SCREPANTI e ZAMAGNI, 1995, p.225), ou seja, não há espaço nem possibilidade de se fazer comparações interpessoais de utilidade. Dentro deste contexto, Robbins argumentou que, uma vez que a utilidade não pode ser observada e nem medida, qualquer afirmação sobre os efeitos de medidas redistributivas no bem- estar coletivo carece de fundamento científico (SCREPANTI e ZAMAGNI, 1995).

O mesmo autor considerou então que o objetivo da economia seria estudar a alocação de recursos escassos para necessidades diferentes. Por isso, Screpanti e Zamagni (1995) assinalam que a aceitação dos critérios de ordinalidade corresponde a uma mudança de objetivo da investigação econômica. O novo objetivo é o de buscar resolver o problema de como melhorar o bem-estar do homem para solucionar problemas de eficiência alocativa, tendo para isso como elemento central a teoria dos preços. Assim, o conceito psicológico da utilidade marginal, como vimos, relacionado com o bem-estar, pôde ser trocado por um conceito “comportamental”: a taxa marginal de substituição.

É importante destacar que o critério de eficiência de Pareto não considera questões de equidade. Isto quer dizer que se toda a produção e distribuição de bens forem organizadas para tornar a utilidade de um consumidor a maior possível, deixando todos os outros apenas em nível de subsistência, podemos ter uma alocação ótima de Pareto, mesmo sendo essa uma condição não desejável sob o ponto de vista distributivo. (MAS-COLELL, WHINSTON e GREEN, 1995; SEN, 1999). Além disso, Screpanti e Zamagni (1995) colocam que, mesmo considerando uma alocação que faça com que nenhuma outra seja preferida unanimemente, isto não significaria que a alocação em si é unanimemente preferida. Ou seja, pode haver vários pontos Pareto-ótimos, e nenhum deles comparáveis por meio de critérios de unanimidade.

O resultado fundamental de Pareto é a demonstração que cada alocação associada com um equilíbrio competitivo é um ótimo social no sentido acima11. Hoje, o critério de “ótimo de Pareto” é utilizado como argumento para analisar a desejabilidade do resultado de algum modelo. Romer, ao analisar se modelos de crescimento chegam a um resultado desejável, afirma que: “o primeiro teorema fundamental do bem-estar da macroeconomia nos diz que se os mercados são competitivos e completos e não há externalidades (e se o número de agentes é finito), então o equilíbrio descentralizado é Pareto-eficiente.” (ROMER, 2006, p.65). Infere-se aqui que, se o resultado é Pareto- eficiente, então é desejável.

Por uma série de motivos, a tentativa de utilizar o sistema paretiano para o desenvolvimento de políticas públicas foi problemática. Uma das críticas importantes a esse instrumental veio de Arrow, ao demonstrar que preferências individuais, quando agregadas, podem apresentar curvas de preferência que não respondem aos quesitos de racionalidade (GOWDY, 2003; MAS-COLELL, WHINSTON e GREEN, 1995). Sen (1999) complementa afirmando que é difícil aplicar o resultado de que o melhor de todos os estados deve ser no mínimo Pareto-ótimo pelo fato de ser difícil obter as informações necessárias (principalmente as informações completas sobre as preferências das pessoas). Finalmente, ele acaba concluindo que a adoção do ótimo de Pareto como único critério de julgamento, aliado ao comportamento auto-interessado como única base da escolha econômica, reduziu muito a capacidade da economia do bem-estar de dizer algo interessante.

O que se infere no ótimo de Pareto é apenas que os recursos estão sendo utilizados sem desperdício. Mas não se pode concluir daí que tal condição eficiente seja a melhor para a sociedade (MAS-COLELL, WHINSTON e GREEN, 1995). Os “economistas ecológicos” recorrem principalmente a este argumento para criticar a Nova Economia do Bem-Estar. Sachs (2004) faz uma crítica contundente à visão de que esta eficiência, chamada de alocadora, combinada com o ótimo social descrito acima, seja desejável na realidade. Ele afirma que essa visão da economia assume que males sociais e ambientais são um preço inevitável de um progresso econômico em que a eficiência alocativa se torna um fim em si mesmo. A economia capitalista de mercado,

      

11Assim, o modelo Walrasiano de equilíbrio geral atende a esse tipo de otimalidade, pois trocas

voluntárias entre indivíduos bem informados, auto-interessados e racionais levam a uma organização de produção e distribuição da renda que é eficiente e mutuamente benéfica (SCREPANTI e ZAMAGNI, 1995).

com sua eficiência, mais do que compensaria o desemprego maciço, o subemprego e as desigualdades sociais, inerentes ao sistema capitalista. No entanto, Sachs afirma que há outras eficiências, além da alocadora (inovadora, keynesiana, social e ecoeficiência), que são essenciais para o conceito de desenvolvimento sustentável.

Veiga, reforçando o aspecto não mecânico, não exato da sustentabilidade, também critica a visão de uso ótimo dos recursos:

Por evocar, em última instância, uma espécie de “ética de perpetuação da humanidade e da vida”, a expressão “sustentabilidade” passou a exprimir a necessidade de um uso mais responsável dos recursos ambientais. O que só pode ser complicado para qualquer corrente de pensamento que se fundamente no utilitarismo, individualismo e equilíbrio, como é o caso da economia “neoclássica”. Isto é, numa racionalidade da maximização das utilidades individuais com a resultante determinação do uso “ótimo” ou “eficiente” dos recursos em equilíbrio (VEIGA, 2006, p.88).

Sen (1999), de forma similar, critica a ideia de eficiência e enfatiza a necessidade de considerar, sobretudo, a ética nos estudos econômicos. Para ele, a concepção da realização social relacionada à ética não pode ficar restrita a um objetivo arbitrário de “satisfazer a eficiência”. A avaliação tem de ser mais inteiramente ética e adotar uma visão mais abrangente de “bem”. Consonante com esta ideia, o RDH (2010) apela por:

[...] uma nova economia de desenvolvimento humano. O objetivo desta nova estrutura passaria pelas metas relacionadas com o bem- estar. O crescimento e outras políticas seriam avaliados e perseguidos vigorosamente, desde que melhorassem o desenvolvimento humano no curto e no longo prazo (RDH, 2010, p. 120).

A formulação de postulados restritivos da utilidade sem consideração da ética foi uma maneira de facilitar todo o desenvolvimento de uma teoria elegante, menos complexa. Por exemplo, por não prever a inclusão dos direitos básicos das pessoas nos cálculos econômicos, “pode-se dizer que o critério utilitarista e também o da eficiência de Pareto foram atrativos especialmente por não exigirem demais da imaginação ética do economista convencional” (SEN, 1999, p.66). O impasse acontece porque, segundo

o autor, quando se considera a liberdade no cálculo das vantagens individuais, as abordagens que se concentram exclusivamente na realização, como o utilitarismo e o “welfarismo”, devem ser rejeitadas.