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3. INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA

4.6 Indicadores físicos

Além dos índices compostos, outra forma de escapar da monetarização para a medição da sustentabilidade é a utilização de indicadores físicos. Neste trabalho nos concentraremos no mais famoso deles, a Pegada Ecológica (Ecological Footprint em inglês, EF daqui em diante). Basicamente, este indicador visa medir “o quanto da capacidade de regeneração da biosfera é usado pelas atividades humanas” (STIGLITZ, SEN e FITOUSSI, 2009, p.244). Para isso, o indicador compara dois parâmetros:

• O chamado lado da demanda, qual seja, a área total requerida para produzir os alimentos, fibras e madeira que são consumidas, absorver os resíduos que geramos, e oferecer áreas para a sua infra-estrutura (áreas construídas);

• E o lado da oferta, entendido como a biocapacidade, ou seja, a capacidade da biosfera de fornecer um fluxo de recursos biológicos e de prestar serviços úteis para a humanidade (MORAN et al., 2008).

Talvez o principal ponto forte deste indicador seja a sua apresentação, intuitiva e fácil de comunicar. Ele transforma a comparação apresentada acima em uma medida padrão (chamada de hectare global), e simplesmente informa quantas “Terras” seriam consumidas se fossem mantidos os padrões de consumo da região medida. De 1975 a 2003, por exemplo, os países de alta renda aumentaram sua relação Terra-equivalentes de 1,9 para 3,7. (MORAN et al., 2008, p.473). Além disso, a metodologia pode ser aplicada não apenas para países, mas para estados, cidades ou qualquer outro território definido (pelos menos em teoria, pois conforme veremos, uma parte da literatura se opõe a este tipo de aplicação para este indicador). Esta simplicidade estaria então

relacionada ao sucesso deste indicador, amplamente divulgado na mídia e reconhecido pelos cidadãos e por influentes organismos internacionais (STIGLITZ, SEN e FITOUSSI, 2009, p.245).

No entanto, a literatura apresenta diversas críticas em relação a esta medida. Dentre as mais destacadas estão:

a) Como o índice se baseia apenas em dados de consumo atual ou históricos, não leva em consideração as possibilidades oferecidas pelo progresso técnico. Isso faz com que a pegada seja inútil para a compreensão do efeito do crescimento futuro do consumo, ao mesmo tempo que não destaca as possibilidades existentes decorrentes de uma melhor produtividade (FIALA, 2008, SACHS, 2009);

b) O indicador não leva em consideração os problemas de sustentabilidade que resultam da extração de recursos fósseis, ou itens como a biodiversidade ou a qualidade da água (STIGLITZ, SEN e FITOUSSI, 2009);

c) O índice parte de uma análise dos seis diferentes usos da terra. Para a área de cultivo, a EF não leva em consideração o que seria uma utilização sustentável do solo, ou seja, um rendimento que deixaria o solo numa condição de qualidade suficiente para, no mínimo, oferecer o mesmo rendimento no próximo período. Neste caso, a biocapacidade é medida apenas pela produção real, o que faz com que a pegada no nível de um país seja sempre igual à biocapacidade do país para lavouras. Stiglitz, Sen e Fitoussi (2009) argumentam que este cálculo faz com que o déficit ecológico de um país para este uso de terra seja sempre equivalente ao déficit comercial em produtos da agricultura. E, em nível mundial, a EF será sempre igual à biocapacidade. De um lado, há uma crítica que argumenta que a existência de uma balança comércial de produtos da agricultura mais positiva para determinados países simplesmente segue os preceitos das vantagens comparativas e não deveria ser considerada uma medida de insustentabilidade dos países. Para Fiala, “não deve vir como uma surpresa para ninguém que a pegada ecológica de uma cidade é significativamente maior que os limites da cidade” (FIALA, 2008, p.520);

d) Do outro lado, há a crítica em relação ao indicador não apontar problemas globais de sustentabilidade neste tipo de produção, ou seja, não leva em conta que a produção atual pode estar gerando problemas para a produção futura, como

uso excessivo e a degradação do solo, que, para Fiala (2008), constitui num dos temas mais importantes da sustentabilidade. Ao mesmo tempo, se a terra está sendo utilizada de forma ineficiente, mas sem destruir sua capacidade de prover rendimentos, tal uso poderia ser sustentável, o que significa dizer que uma pegada grande pode ser mais sustentável que uma pegada pequena (FIALA, 2008). Apesar de esses pontos não serem escondidos pelos autores, os resultados do indicador não os levam em consideração. Os mesmos problemas e críticas podem ser aplicados ao uso de terra para pastagens;

e) Em relação às terras urbanizadas, como as demandas são sempre iguais a biocapacidade (uma vez que ambos representam a área cultivada perdida para a realização destes serviços). Sendo o déficit ecológico de um determinado uso de terra a diferença entre a biocapacidade dela e a demanda, e uma vez que a demanda para as áreas construídas e a sua capacidade são iguais, “a contribuição desse tipo de terra para o déficit ecológico global é nulo” (STIGLITZ, SEN e FITOUSSI, 2009, p. 246);

f) Para os cálculos da EF nas áreas de pesca e florestais, o relatório da Comissão Stiglitz afirma que o tratamento é mais próximo com uma perspectiva de sustentabilidade total, ou seja, envolve o cálculo do fluxo de consumo disponível enquanto permanece inalterado o estoque para o próximo ano. No entanto, nestes dois usos a biocapacidade supera a pegada, indicando que não há problemas para estes dois recursos (e mesmo que houvesse problemas de sustentabilidade neles, o impacto para a sustentabilidade geral seria pequena, uma vez que representam uma pequena parte da EF total – 9% para as áreas florestais e 3% para as de pesca).

g) Finalmente, a terra destinada à absorção de carbono, que é a quantidade de floresta necessária para a absorção de emissões de dióxido de carbono geradas pelo homem é a maior contribuinte para a pegada ecológica total atual (mais de 50% em 2005). Além disso, aumentou mais de dez vezes entre 1961 e 2005. Para esta demanda de uso de terra nao há biocapacidade formal, o que dá uma visão muito diferente do que se considerássemos a pegada da floresta (para fornecer fornecer madeira para construção, combustível e papel) e a pegada para absorver as emissões de CO2, e comparássemos com a biocapacidade da floresta. Se a avaliação fosse feita por esta última alternativa, o déficit global de floresta seria enorme (STIGLITZ, SEN e FITOUSSI, 2009);

h) Conforme apresentado, a medida final se dá pela padronização de todos os usos da terra por meio de uma unidade chamada de hectare global. A ponderação é feita de acordo com a relativa produtividade potencial agrícola, utilizando uma modelagem específica. O resultado na agregação é que, por exemplo, a área destinada a terras cultiváveis seja ponderada como o dobro da área para florestas. Em termos de recomendações políticas, isto significa que a substituição das áreas florestais por áreas cultiváveis aumenta a biocapacidade global disponível e consequentemente melhora o resultado medido. Para Stiglitz, Sen e Fitoussi (2009), não se trata de uma ponderação neutra. Por isso, Dietz e Neumayer (2007) defendem que considerar os diferentes bens de capital natural como aditivos, ou seja, substituíveis, constitui numa lacuna grave da Pegada Ecológica: “nós acreditamos que é inapropriado assumir que o capital natural não pode, por um lado, ser substituído por capital produzido, mas pode, por outro lado, ser substituído por outra forma de capital natural. No entanto, é o que alguns indicadores SS (sustentabilidade forte) efetivamente e, implicitamente, fazem, esta premissa” (DIETZ e NEUMAYER, 2007, p.622).

A aparente simplicidade da Pegada Ecológica esconde diversos conceitos questionáveis em relação a sua metodologia. A Comissão Stiglitz recomenda que várias das informações utilizadas para o cálculo da pegada sejam apresentadas individualmente, sem agregá-las, opinião compartilhada por Veiga (2010). Informações sobre, por exemplo, a desigualdade de consumo e as interdependências entre as áreas geográficas, bem como a evolução das emissões de CO2 na atmosfera dos países (especialmente os desenvolvidos) e como são necessárias grandes áreas para absorvê-las são informações bastante úteis para a avaliação da sustentabilidade. Além disso, no que diz respeito a alguns usos da terra, como a direcionada para cultivo e pastagens, o único nível significativo para o indicador seria o global (DIETZ e NEUMAYER, 2007).