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Poupança ajustada líquida e a visão de estoque da sustentabilidade

3. INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA

4.5 Poupança ajustada líquida e a visão de estoque da sustentabilidade

A poupança líquida ajustada (ANS em inglês), ou poupança genuína, é um indicador de sustentabilidade construído com base nos conceitos da contabilidade nacional “verde” e que objetiva o acompanhamento das variações da riqueza (ou seja, o aumento ou a diminuição do estoque de riqueza em cada período), ou, como coloca Mueller, em que “o desenvolvimento sustentável é considerado a partir da perspectiva de um processo de gestão de ativos, a ideia de que o bem-estar de uma sociedade é

determinado por sua riqueza total, que deve ser conservada” (MUELLER, 2008, p.208). Um valor negativo da poupança líquida ajustada indicaria que os níveis de consumo atuais provavelmente não serão mantidos no futuro, ou seja, a sociedade não pode ser considerada sustentável (STIGLITZ, SEN e FITOUSSI, 2009; MUELLER, 2008). A ideia que está por trás é que, se a poupança foi negativa, uma parte do estoque de riqueza está sendo vendido para manter o consumo atual; da mesma forma, se utilizarmos nosso estoque de riqueza para garantir um consumo maior que a nossa renda (ou seja, se, ao invés de pouparmos, realizarmos saques contra o nosso estoque de poupanças), tal riqueza diminuirá no final do período: em algum momento teremos que ajustar nosso consumo com o padrão de renda que temos. No caso de um país, esta riqueza inclui o capital físico, humano e natural. Pelo menos teoricamente, o conceito de poupança líquida ajustada pode considerar todos os elementos que são necessários para garantir pelo menos o mesmo conjunto de oportunidades que são encontrados pelas gerações atuais.

A iniciativa mais conhecida é a do Banco Mundial, que realizou o cálculo de uma poupança líquida ajustada para diversos países. Para isso, os autores do trabalho fizeram quatro ajustes na poupança bruta disponível na contabilidade nacional padrão, começando pela dedução da depreciação para se chegar à poupança nacional líquida (STIGLITZ, SEN e FITOUSSI, 2009, DIETZ e NEUMAYER, 2007). Em seguida, agregam-se à poupança nacional líquida as despesas correntes em educação (neste caso, elas são consideradas como investimento em capital humano). Depois, deduz-se do valor a estimativa de esgotamento de diversos recursos naturais, com base no cálculo da renda destes recursos. Finalmente, são deduzidos os danos da poluição global das emissões de dióxido de carbono. Se o valor do cálculo final for negativo, chega-se à conclusão de que o estoque de riqueza está em declínio, ou seja, o arranjo econômico não se encontra num caminho sustentável.

A vantagem desta metodologia é que, diferentemente dos indicadores do tipo painéis ou dos índices compostos, ela parte de uma definição clara do que entende por sustentabilidade. Por outro lado, para que seja possível confiar num indicador deste tipo, é necessário estar de acordo com os elementos que ele leva em consideração para calcular o estoque de riquezas, ou seja, os diferentes tipos de capital que precisam ser passados às gerações futuras. Além disso, o preço que é utilizado para agregar os diversos capitais também é discutível. Por exemplo, enquanto a extração de recursos é

calculada pela renda corrente por unidade de recurso (preço menos o custo marginal de extração), multiplicada pela quantidade de recursos extraídos, a SEEA-2003 recomenda que o cálculo seja feito como o valor presente líquido dos recursos extraídos, o que equivale ao retorno real líquido sobre os recursos extraídos menos os juros auferidos sobre o capital (DIETZ e NEUMAYER, 2007, p.620). Já no caso do cálculo da adição de capital humano, as versões iniciais da poupança ajustada líquida utilizaram os gastos com educação. No entanto, “esta solução é, obviamente, muito crua: ela ignora a depreciação desse capital humano e o fato de que o mesmo nível de gastos pode produzir capital humano de qualidades muito diferentes” (STIGLITZ, SEN e FITOUSSI, 2009, p.253).

No caso do trabalho realizado pelo Banco Mundial, os próprios autores ressaltam que seus cálculos não incluem vários elementos importantes para a sustentabilidade, como o esgotamento da água subterrânea, a degradação do solo ou a perda de biodiversidade, o que os leva a dizer, timidamente, que o resultado do trabalho deve ser considerado apenas como um exercício e não como um indicador seguro da sustentabilidade (COMMON, 2007). No caso de recursos renováveis, por exemplo, os cálculos incluem apenas as florestas (DIETZ e NEUMAYER, 2007; MUELLER, 2008). E é claro que os preços atribuídos a fatores que não possuem mercados são sempre fonte de discussão (e mesmo os fatores que possuem preço de mercado podem ser alvo de debate, uma vez que dificilmente podemos afirmar que os mercados em que eles estão presentes são perfeitos como se costuma supor na teoria neoclássica). Inevitavelmente, mais do que simplesmente um debate a respeito do melhor método para atribuir valores monetários aos diversos elementos da riqueza, há a crítica da monetarização em si, discutida ao longo de todo este trabalho. É preciso ressaltar também que a adição dos diversos capitais, além de assumir que estes podem ser calculados em termos monetários, supõe também a aceitação da possibilidade de substituição entre os diversos ativos (MUELLER, 2008; VEIGA, 2010), o que, como vimos, é um ponto de vista que não é compartilhado por autores da linha da Economia Ecológica. Finalmente, uma crítica maior à ideia da poupança líquida argumenta que tal conceito está mais próximo da ideia de eficiência intergeracional do que de sustentabilidade. Se os preços são medidos a partir do ponto de vista da geração atual, não há uma garantia de mudanças não-decrescentes no bem-estar das gerações futuras, que é o que a sustentabilidade realmente trata (MUELLER, 2008). Mueller coloca que o que buscamos é:

uma alocação de recursos que não vai ameaçar a estabilidade dos principais componentes do sistema global. Importante neste processo é o papel da saúde ecológica nas preferências da geração atual, afetando o seu legado para o futuro. Se as preferências das pessoas que vivem agora minimizam a saúde ecológica, a eficiência dos preços levará a insustentabilidade; se, no entanto, as preferências favorecem a manutenção da saúde ecológica, os preços da eficiência podem conduzir à sustentabilidade (C & P, 1992, p. 29). Em outras palavras, a soberania do consumidor - um elemento central da modelagem neoclássica - pode ou não ser favorável à sustentabilidade (MUELLER, 2008, p.222).