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1. INSTRUMENTAL, CONCEPÇÕES E DESDOBRAMENTOS: UMA

1.4 Sustentabilidade e o problema ambiental

Para o RDH (2010), “talvez o maior desafio à manutenção do progresso do desenvolvimento humano venha da insustentabilidade dos padrões de produção e consumo” (RDH, 2010, p.7). No entanto, se existe um tema em que as diferenças entre as duas linhas de pensamento ficam bastante evidentes, este tema é o da problemática ambiental, uma vez que para aqueles da frente neoclássica tal problema não é tão grave quanto parece. Marshall (1996) já colocava que a satisfação global de uma sociedade só aumentaria com o aumento da produção per capita se não houvesse grandes dificuldades no suprimento de matérias-primas e uma superpopulação que gerasse insatisfações de ordem física e moral decorrentes da falta de ar puro e de outras condições sociais e ambientais. No entanto, o marginalismo pós-Marshall, juntamente com a evolução da teoria do consumidor criada por ele (baseada na premissa de que os consumidores maximizam sua satisfação de acordo com a renda), deixaram de seguir suas recomendações e se tornaram bem mais imprudentes. Gowdy (2003) coloca que estes dois elementos, a revolução marginalista e a teoria do consumidor, facilitaram uma postulação sobre o bem-estar em que a maior preocupação era devotada às possíveis falhas de mercado que poderiam impedir que o sistema de preços revelasse o verdadeiro valor social de produtos e serviços. A questão ambiental, por exemplo, ficou a mercê dos vários adendos da teoria predominante, que cuidam das “falhas de mercado”: poder de mercado, bens públicos e externalidades. Para esta linha de pensamento, o maior problema das questões ambientais está na ausência de um mercado para elas (HENDERSON, 2010).

Assim, para a teoria neoclássica, o meio ambiente ou é tratado como um insumo do processo produtivo ou uma commodity que provê utilidade para os consumidores. Romer (2006) divide os fatores ambientais naqueles passíveis de direitos de propriedade – como recursos naturais e terra - e todo o resto (por exemplo, ar limpo e água). Para aqueles passíveis de direitos de propriedade, o autor argumenta que é possível ter uma

ideia do valor, ou seja, o mercado pode precificar a escassez. O preço do recurso natural indica a importância do bem na produção. Não haveria espaço para ação governamental. Como se acredita que esteja havendo efeito de substituição, uma vez que a participação dos recursos naturais e terra na renda vem diminuindo, esta linha não vê grandes desafios em relação a este tipo de bem, mesmo que estejam se tornando cada vez mais escassos.

No caso de bens não passíveis de direitos de propriedade, há externalidades, e neste caso há espaço para ação do governo. Se o Produto fosse calculado corretamente, a poluição, por exemplo, deveria aparecer como produção negativa. E mesmo com o Produto sendo calculado incorretamente, a produção pode cair (por conta de, por exemplo, catástrofes naturais). Sem um mercado regulamentado, é possível que estes fatores gerem externalidades negativas ao máximo. Neste caso, os governos poderiam então taxar (a poluição, por exemplo), mas como é muito difícil responder a perguntas como qual o nível ideal de taxação, e são grandes as chances de o governo errar na dose, a ação do Estado pode prejudicar mais o bem-estar do que se não houvesse a imposição de taxas. Desta forma, a teoria neoclássica, com sua já discutida preferência por eficiência alocadora, defende inicialmente que “a melhor política é não ter política”, isto é, deve-se deixar que o sistema de mercado resolva todos os problemas de alocação dos recursos. Teríamos uma excessão quando estivéssemos tratando de recursos que não possuem mercado desenvolvido e um correspondente sistema de preços de mercado (SCREPANTI e ZAMAGNI, 1995). No entanto, como não há como provar que os ajustes do Estado não causarão desajustes maiores que os do mercado (uma vez que não se tem as informações de preferências de todos os indivíduos), no final a solução acaba sendo deixar o mercado como está, ou seja, mesmo para bens não passíveis de direitos de propriedade, “a melhor política é não ter política”. Como não há preço de mercado para estes fatores, a melhor alternativa para avaliar a gravidade dos problemas são as evidências científicas. Neste caso, Romer (2006) afirma que estudos mostram que o impacto no crescimento é pequeno, no máximo moderado, causado por questões ambientais.

Sendo uma ciência não-exata, e que, conforme vimos, se apóia na política para seu desenvolvimento, a vertente da Economia Ecológica obviamente espera mais do Estado. Para Sachs (2004), o Estado nacional tem a função de harmonizar metas econômicas com metas sociais e ambientais, buscando equilibrar as diferentes

sustentabilidades (social, cultural, ecológica, ambiental, territorial, econômica e política) e eficiências (de alocação, de inovação, a keynesiana, a social e a ecoeficiência), por meio do planejamento e gerenciamento do dia-a-dia da economia e da sociedade.

Veiga (2006) e Stiglitz, Sen e Fitoussi (2009) afirmam que o tratamento dado pela linha neoclássica da economia aos bens naturais, chamado de “sustentabilidade fraca”, é baseado na ideia de que o estoque de recursos naturais pode ser exaurido, desde que sejam substituídos pelos outros dois grandes fatores produtivos: trabalho e capital. Esta ideia começou a ser lançada nos anos 70, ainda sem a terminologia de sustentabilidade, por meio da inclusão na teoria neoclássica de crescimento, como fator de produção, dos recursos naturais não renováveis. Entre os nomes de destaque neste período estão Solow, 1974, Dasgupta e Heal, 1974 e Hartwick, 1977 (DIETZ e NEUMAYER, 2007, p.618). O conceito central da sustentabilidade fraca é que não é necessário buscar a conservação de recursos naturais específicos se o que se busca é manter a utilidade per capita entre gerações (SOLOW, 1974). Se o custo social do esgotamento de um recurso for compensado com investimentos em capital produzido ou no desenvolvimento de novas tecnologias, é possível manter ou até mesmo aumentar o nível de bem-estar das pessoas. Para Howarth (2007), esta visão assume que os bens produzidos podem efetivamente substituir os serviços proporcionados pelo capital natural.

O que fica implícito nesta concepção é que o recurso natural serve apenas para aumentar a produção. Na falta dele, as gerações futuras terão que trabalhar outras configurações produtivas para aumentar a capacidade de produção, principalmente com o incremento da eficiência. Veiga (2006) considera então que a sustentabilidade, vista sob o ponto de vista da economia neoclássica, tem um significado próximo a “manter o crescimento econômico”. Além disso, é necessária uma grande dose de otimismo para assumir que conseguiremos substituir todos os recursos naturais por capital produzido, e que a eficiência vai ser tamanha que tais recursos estejam garantidos por quase infinitas gerações. Esta é uma importante crítica que Jackson (2009) faz, afirmando que, apesar de relativamente termos uma tendência de participação menor no PIB de recursos naturais, se olharmos os números absolutos, veremos que o consumo destes cresceu, e em alguns casos este crescimento se deu até mais rapidamente que o crescimento do

PIB. Isto ocorreu, por exemplo, na extração de minério de ferro, bauxita, níquel e cobre no período de 1990 a 2007.

Outro argumento comum que corrobora o otimismo de alguns economistas é a ideia de que, a partir de determinada renda per capita, o crescimento econômico não mais prejudicaria o meio ambiente, uma vez que as pessoas estariam cada vez mais dispostas a “pagar” por um ar mais limpo, ou por técnicas produtivas menos agressivas ao meio ambiente.12 O que está embutido nesta hipótese é que se os indivíduos tiverem acesso à informação perfeita, serão capazes de precificar o valor que dão a bens que não possuem mercados. É desta forma que, por exemplo, são feitos os cálculos sobre os valores da existência de espécies em extinção (STIGLITZ, 1999; VEIGA, 2006). No entanto, Veiga (2006) e Mueller (2008) argumentam que nem sempre a estimativa de preços para bens naturais consegue persuadir, pois, por exemplo, o preço do ozônio em rarefação ou o preço de uma função como a regulação térmica do planeta dificilmente poderiam ser calculados por indivíduos bem informados. Desta forma, dificilmente a preservação da diversidade biológica e cultural poderia ficar na dependência do aperfeiçoamento dessas tentativas de simular mercados. Também é importante lembrar que aquilo considerado no sistema econômico tradicional, isto é, bens produtíveis e apropriáveis, representam parcela muito pequena do universo formado por todos os seres vivos e objetos que compõem a biosfera.

Em oposição à concepção fraca da sustentabilidade, os autores da Economia Ecológica propõem uma visão chamada de “sustentabilidade forte”. Tal visão considera que o legado para as futuras gerações não deve ser calcado no capital total, e sim no capital exaurível, o natural. O principal ponto de discórdia entre aqueles que defendem a sustentabilidade fraca vis-à-vis os que apóiam a visão de sustentabilidade forte se centra no fato de que os recursos naturais não são substitutos aos demais capitais, e sim mais ou menos complementares e insubstituíveis. Se dividirmos o capital natural em quatro categorias relacionadas às suas funções, quais sejam: primeiro, como provedor de matérias-primas para produção; segundo, como assimilador dos resíduos da produção e consumo; terceiro, como provedor de serviços locais que aumentam o bem-estar humano, como as paisagens; quarto, como provedor do suporte básico de que a vida dos seres humanos (comida, água, ar respirável e clima estável, por exemplo), assim como

      

12 Por remeter à ideia geral de que, quando tivermos alta renda, os problemas econômicos se reduziriam,

Veiga associa esta ideia à “velha parábola sobre a necessidade de fazer o bolo crescer para depois dividí- lo melhor” (VEIGA, 2006, p.49).

as outras três categorias anteriores, depende. Este último serviço seria o valor primário que pode ser entendido como uma “cola” que une tudo, enquanto que as outras categorias teriam um valor secundário, e, quase certamente, não pode ser substituído (DIETZ e NEUMAYER, 2007, p.618). Dietz e Neumayer (2007) e Mueller (2008) afirmam que o chamado capital natural “crítico”, relacionado à quarta categoria mencionada, deve ser mantido intacto, pelo menos até que a ciência compreenda melhor as relações ecológicas a ponto de podermos intervir neste tipo de capital sem afetar sua resiliência, uma vez que alguns estragos podem ser irreversíveis. Neste argumento de Dietz e Neumayer, está claro que há um princípio da precaução que envolve o argumento também de vários outros autores da sustentabilidade forte. Sob esta ótica, pode até haver substitubilidade entre alguns recursos naturais não-renováveis e capital produzido, mas este não é o ponto mais importante (DIETZ e NEUMAYER, 2007; MUELLER, 2008).

Mesmo sob o ponto de vista estritamente da produção, esta complementaridade, ou melhor, esta não-substitubilidade total do capital natural também pode ser defendida pela segunda lei da termodinâmica, a entropia. Sucintamente, a segunda lei da termodinâmica implica que o processo de transformação absorve recursos de baixa entropia para gerar produtos de alta entropia. Durante este processo, parte do calor é perdida e/ou transformada em resíduos que são mais difíceis de serem transformados em processos produtivos. Assim, não é possível haver reciclagem total dos materiais produzidos, e não é possível substituir os recursos naturais, pelo menos não totalmente, pois são estes que possuem baixa entropia.13 Por isso, os objetivos da sustentabilidade em sua visão “forte”, no que se refere às dimensões ecológicas e ambientais, “formam um verdadeiro tripé: 1) preservação do potencial da natureza para a produção de recursos renováveis 2) limitação do uso de recursos não renováveis 3) respeito e realce para a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais” (VEIGA, 2006, p.96).

A expressão “desenvolvimento sustentável” é relativamente recente. Foi empregada pela primeira vez em 1979, no Simpósio das Nações Unidas sobre as Inter- relações entre Recursos, Ambiente e Desenvolvimento. No entanto, sua legitimação ocorreu na Assembléia Geral da ONU de 1987, quando Gro Harlem Brundtland, presidente da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a

      

13 O autor que colocou a entropia dentro dos estudos econômicos foi Nicholas Georgescu-Roegen, através

caracterizou como “conceito político”. Na seção seguinte discutiremos como a ideia evoluiu, e como ela se coloca em relação ao conceito de “crescimento econômico”.