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4. Uma Abordagem sistémica à cultura

4.2. Elementos Espacio-Territoriais – Onde está o sistema

Chegados à anterior descrição de sistema, notaremos que para um contexto como o estudo da urbanidade estamos equipados com poucas ferramentas para compreender a realidade da cultura, e como esta decorre nos territórios concretos. Várias questões se podem aqui postular: por um lado, puxar as questões culturais para estes termos implica procurar perceber de que forma é que a experiência material dos objectos e do espaço afecta as significações e acções características dos indivíduos; e como é que, geograficamente, os elementos culturais se distribuem no espaço, em termos de concentração e dispersão, e qual a relação desta disposição com determinados fluxos urbanos como a mobilidade.

4.2.1 O Espaço e a Significação

De uma maneira intuitiva, quando procuramos compreender um sistema cultural territorial, a sua disposição no espaço terá em muitas instâncias interesse de analisar: como é que os elementos considerados parte do sistema se relacionam uns com os outros, com elementos que não sendo parte do sistema podem ter relevância noutros

17 PAx4: Os indivíduos procuram proteger os elementos que consideram mais relevantes dentro de uma

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sistemas, entre outras questões que farão sentido perguntar. Nomeadamente, podemos perguntar-nos se os elementos se encontram concentrados ou dispersos:

SHT13: Os elementos de um sistema cultural territorial tendem a estar concentrados espacialmente.

Com isto presumimos a existência de várias estruturas numa cidade: centros, vias, complexos habitacionais, edifícios religiosos, monumentos separados da malha urbana, etc. E nesta linha podemos perguntar: os elementos que são significados como tendo maior pertença a um tal sistema cultural territorial têm alguma relação com a estrutura do território?

Para tentar responder de forma directa a isto, as teorias e metodologias de sintaxe

espacial de Bill Hillier (1984) partem de um conjunto de pressupostos metodológicos,

nomeadamente do custo associado a uma mobilização no espaço urbano, partindo de determinados pressupostos sobre a forma como os indivíduos concebem e analisam o seu movimento dinâmico (algo que Seamon (2007) procura elaborar, mas que passa pela visualização dos espaços e o cálculo de deslocações), para chegar a uma análise do traçado urbano que, na sua visão, tenta expressar a forma de uma “cidade genérica”, gerada por padrões de associação que emergem das exigências do espaço . Para Hillier a ideia central é de que, quando acontece uma determinada concentração que requer que os indivíduos se movimentem para um determinado local, naturalmente emerge que esses espaços tenham maior conexão com outros espaços, e, por essa razão, podemos encontrar no traçado das cidades as marcas dessa associação.

Assumindo isto, a sintaxe espacial oferece um método particularmente refinado de construir modelos nulos de distribuição espacial em termos de significação cultural: por esta lógica, podemos presumir de forma nula por exemplo que os elementos que os indivíduos irão significar de forma mais forte no sistema cultural territorial se prendem com os seus trajectos mais frequentes, e que dessa forma as zonas “centrais” seriam mais facilmente as que teriam vínculos de significação. Por essa razão, Os métodos de Hillier ignoram o que faz com que a cidade tenha emergido de uma determinada maneira, focando-se antes no que surge de uma determinada configuração, mas permitem perceber, com dados suplementares (como dados semióticos, de forma que

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iremos discutir na segunda parte), determinadas desconexões entre a forma como o espaço se dispõe e as utilizações que dele são intencionalmente feitas (algo que Stahle (2012) tenta igualmente compensar). As ideias de Hillier podem, nesse sentido, ser notadas da seguinte forma:

SHB14: O movimento dos indivíduos no espaço é, fundamentalmente, intencional e baseado nas funções sociais do espaço (e dos elementos presentes nesse espaço). SHB15: Determinados locais nos territórios têm mais circulação e mais fluxo como produto de estarem mais conectados (integração) ou o número de caminhos nos quais um determinado segmento é separado dos outros (escolha).

SHB15-E1: Uma noção de distância é mobilizada: distância métrica, distância angular mínima (número de vezes que se tem de mudar o ângulo num caminho), etc.

SHT/N16: A significação dos elementos é contingente da sua centralidade em termos de circulação sintáctica: os elementos mais significativos numa cultura territorial serão os mais centrais, ao exporem-se a mais processos semióticos distintos.

No entanto, tal concepção de espaço presume, de forma muito forte, que o espaço é ocupado de forma homóloga pelos vários indivíduos, que os objectos com os quais os indivíduos se encontram – em termos de linhas de visibilidade (K. Lynch, 1960) – são consistentes e coesos. Tais relativizações são bastante importantes de forma a não sobre-estimarmos a relevância de alguns elementos nos sistemas culturais territoriais.

A ideia de mapas cognitivos, e de representação das cidades em função de determinados marcos, captura de certa forma um conjunto de propriedades relevantes acerca da forma como os indivíduos circulam nas cidades, uma vez que existem determinados fluxos que os indivíduos tomam associados à maneira como a cidade se produz. A importância de Kevin Lynch deve, de resto, ser ressalvada através de um vocabulário que ele introduz para o espaço urbano:

SHB17: Os indivíduos movimentam-se utilizando cognitivamente as noções de: a) bairro/distrito, b) centros-nódulos, c) fronteiras, d) marcos e e) caminhos.

Esta ideia é então que determinados elementos servem de alicerce ao movimento territorial, e, correlativamente, podemos perguntar-nos se existe uma relação estável

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entre tais elementos e a consideração de elementos como parte de um sistema cultural. Como Portugali nota (Portugali, 2011, p. 156), tal funciona de maneira mutuamente constitutiva, dado que o indivíduo constrói as suas representações dos objectos e mobiliza-as estrategicamente, e nessa mobilização (como na circulação dentro de uma cidade), altera e edita as suas representações. Por esta razão podemos ver a territorialização dos elementos – a distribuição das significações em relação com o território – como parte do processo de internalização e externalização de representações, e, por isso, o tipo de cognição geográfica – entendida como um processo semiótico de utilização do espaço – é algo que, mesmo no estudo de visitas, poderá constituir uma margem de indeterminação relevante para as nossas concepções de sistemas culturais territoriais (i.e providenciando “mais agência” aos agentes ao considerar que existem mais constrangimentos ao processo de interpretação que dependem do seu envolvimento com o espaço).

4.2.2 A incorporação do Espaço

Neste sentido, importará num primeiro momento notar, com Setha Low (2003, p. 3), e repegando nas nossas proposições sobre a percepção e cognição (├AHB1), que o

espaço não existe de maneira estritamente objectiva, mas antes na relação com os indivíduos estabelecem com os espaços em que se encontram. Esta ideia – que Merleau- Ponty (2012) já afirmara – é mais ainda complexificada por Edward T. Hall, ao notar que não só existe essa manipulação do espaço pela experiência, mas tal experiência é adquirida reprodutivamente – ou seja, depende de diferentes contextos de socialização. Por esta linha, a maneira como os indivíduos interagem com o espaço à sua volta não é apenas forjado por uma relação psicossocial com o espaço – que o autor admite como fazendo parte da estrutura fisiológica humana – mas é marcada subtilmente por diferenças “culturais”.

Para Hall, o sistema perceptivo nas suas várias componentes (háptica, térmica, kinestética, etc), as quais o autor categorizou extensivamente em ideais tipo (voz – “muito barulhenta”, “barulhenta”; contacto visual – “longo”, “médio”, etc). A forma como se negociavam estes vários tipos de concepções tinha directamente a ver com o espaço, dado que expressava uma necessidade de constituir um espaço pessoal que os

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indivíduos demarcavam directamente (por oposição ao que discutiremos em seguida sobre espaços pessoalizados), e que orientavam a sua acção. Colocando isto nos nosso termos, Hall descreve assim uma teoria que orienta um conjunto de sinais, interpretados como um código simbólico cuja origem, ainda que potencialmente biológica, tem variações culturais (E. T. Hall, 1966). O que isto nos traz é uma complexificação de qualquer discussão de acção ou mesmo de significação territorial: aquilo que se significa é, em si, contingente de factores cognitivos, mediados por uma apropriação social.

Este tipo de investigação liga-se nesse sentido com aquilo que discutimos em Almeida (2017), acerca da psicossociologia de factores urbanos, e tem importância na compreensão pragmática dos códigos simbólicos sobre o espaço urbano – para pegar no tema desse artigo, a forma como a luz potencialmente estrutura a acção humana sendo uma questão que orienta os agentes. Como anuímos aí, tal estudo pode ter impacto para a cultura precisamente em termos de compreender como a significação de contextos físicos pode orientar a selecção de espaços em termos de processos de significação, como em contextos subculturais.

SHB18: A psicossociologia do espaço influencia a construção dos códigos simbólicos de grupos culturais, e, dessa feita, as suas acções em relação com os estímulos (i.e espaços escuros serem selecionados como locais onde se vai tocar música).

A problemática que tal levanta é fácil de compreender: se admitimos que existe uma componente perceptiva que tem consequências directas na significação, nomeadamente, com efeitos como uma certa exigência de certos objectos de serem tidos como relevantes ou imponentes derivados não da estruturação cultural, mas da própria disposição e mobilização do espaço, percepção e cognição que estes fazem dos indivíduos. Isto implica uma limitação clara de qualquer abordagem que procure unicamente estipular a formação socio-conceptual como um processo aleatório, bem como de perspectivas excessivamente mecanicistas, e tendencialmente indicará que existe uma concentração bastante grande de processos de significação cultural – nomeadamente, em categorias como património, modalidades estéticas ou em sensações de “admiração” (Shiota, Keltner, & Mossman, 2007) – causados pela mediação de sensações e emoções na cognição.

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Em termos práticos de investigação de sistemas, será, pois, necessário delinear que elementos podem ter tais efeitos estéticos-awe-inducing, de forma a ponderar a sua relevância quando consideramos vinculações de categorias a sistemas socio- conceptuais. Estruturas como castelos, igrejas, matas e florestas, terão certamente este tipo de efeito, mas não é claro que se possa dizer de que maneira tal acontece.

SHB19: Determinados elementos podem fixar as tendências de variação socio-conceptual: delimitar as tendências de categorização, e fixá-las para determinados indivíduos que experimentam o objecto como estética e socialmente.