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4. Uma Abordagem sistémica à cultura

4.3. Princípios Dinâmicos – Como evolui o sistema

4.3.3 A Formulação de Princípios Dinâmicos

Como antes anuímos, os modelos anteriores poderão apenas servir de bases estruturais para a modelação de fenómenos, mas não são estes mesmos fenómenos (pelo menos no domínio que nos interessa). Não presumindo quaisquer princípios dinâmicos à partida, somos livres de descobrir, segundo a aplicação das proposições da nossa conceptualização, os efeitos dinâmicos que este tipo de sistema cultural tomará. Ainda assim, no entanto, impera que estabeleçamos algumas notas de base.

Um desses aspectos prende-se com a dinâmica derivada da comunicação: assumimos implicitamente no ponto sobre grupos que os indivíduos comunicam as suas significações sobre sistemas culturais, e, inclusive, mencionámos alguns efeitos associados a pressões de grupo que podem estar associados a isto. No entanto, há uma forma de comunicação bastante mais básica que também leva à dinâmica: a transmissão intergeracional. Com Bourdieu, podemos notar que o sistema de educação tende a formar determinadas ideias nos indivíduos, e inclusive estipular-lhes comportamentos e formas prescritivas de acção, nomeadamente, no sentido de reproduzir lógicas de classe (Bourdieu & Passeron, 1990). O mesmo autor notou extensivamente que as famílias tendem a reproduzir as suas concepções e percepções do mundo social, inclusive noções de gosto, e noções de valor cultural (Bourdieu, 1984ª, 1986). Por essa razão, convirá presumir que existe alguma forma de proximidade entre gerações dentro de grupos sociais – quer positiva, quer negativamente, onde, por exemplo, determinados filhos irão rebelar-se e assumir posturas contra ou, pelo menos, mais extremas que os seus pais, subscrevendo, por exemplo, a subculturas (Brake, 1980; Muggleton & Weinzierl, 2003).

SHB24: A transmissão vertical de conhecimento – de pais para filhos e de professores para alunos, nomeadamente – tem um forte poder de persuasão, e leva a consistência nas significações.

119 SHB25: A transmissão horizontal de conhecimento – entre pares – tem especial poder quando existe desconfiança das relações verticais e figuras de autoridade.

Avaliando várias formas de analisar a evolução cultural, Kashima (2014) nota que transformações podem existir por processos que se ligam com tudo isto, de forma aplicada: a maneira como os indivíduos adquirem, processam e transmitem informação implica que exista alguma forma de selecção, e convencionalização dessa informação. Essencialmente, aqueles elementos que persistem de uma dada comunicação tendem a ser aqueles que, de alguma maneira, reproduzem as pertenças de grupos dos indivíduos que executam a transmissão.

SHB26: A transmissão em série – pelo método de reprodução em série (Kashima, 2014) – leva a distorções que favorecem significações que reproduzem a lógica do grupo, ou grupos, de pertença.

Em termos práticos, a análise de dinâmica que procuramos executar passa, essencialmente, pela análise de espaços de estado de um sistema, tentando variar índices respectivos a propriedades como os que descrevemos acima. Aqui não se trata de descrever exactamente com que signos se compõem o sistema, mas sim traçar relações precisamente como a dispersão do sistema face aos seus signos, analisar a importância relativa de determinadas categorias, a importância relativa de determinadas propriedades de agentes, aspectos ou tipos, entre outros potenciais caminhos. O Gráfico 1, em baixo, denota um tal exemplo:

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Fonte: Elaboração própria; exemplo de simulação retirado do modelo SignWorld (cf. Secção 7.2.2.2)

Em grande medida veremos ainda que existem bastantes vantagens em tratar determinados processos, presumivelmente determinísticos – como a interpretação de um elemento segundo uma dada categoria – como se estes fossem probabilísticos, dado que tal simplifica fortemente o esforço de construir modelos. Tal dá-se pelo carácter preliminar destas investigações, sendo que desejavelmente seria possível construir descrições desta evolução sem recurso a aleatoriedade desnecessária; contudo, como veremos na segunda parte, tal pressuposição prática ajudar-nos-á bastante. Voltaremos a estas questões mais à frente.

SHB27: A interpretação dos indivíduos de um dado elemento particular, quanto a uma ou outra categoria, é modelizável probabilisticamente

Com isto em mente, vários tipos de sistemas podem ser tidos como relevantes – e a disseminação de termos que remete para eles indica precisamente isso. Um tipo que não exploraremos, mas que parece particularmente relevante tendo em conta a construção de cultura que fizemos, é um sistema antecipatório – um sistema que contém “em si” (nos indivíduos que agem dentro dele) uma versão de si mesmo. Nas palavras de Leydesdorff:

“Systems which entertain a model of themselves can be considered anticipatory (Rosen, 1985); such systems are able to explore states other than the realized ones using the model that they entertain, and thus optimize the states that are instantiated. Dubois (1998) added that a strongly anticipatory system can shape its present state on the basis of the model entertained by it;” (Leydesdorff, Johnson, & Ivanova, 2018, p. 7)

Tais propriedades, como a antecipação do sistema, e aquilo que Leydesdorff chama “redundância” informacional, podem, nesse sentido, ser consideradas como parte da dinâmica estrutural de um sistema cultural, ao dizer que o próprio estado do sistema pode ser de alguma forma previsto e transformado pelos agentes presentes. Não podendo aqui explorar muito mais intersecções deste tipo, tais relações parecem- nos particularmente frutíferas de investigar.

121 SHB28: Um sistema é considerado antecipatório quando existe, a nível dos agentes que agem no sistema, uma avaliação modelativa do estado do sistema, e uma acção guiada pela dinâmica esperada do sistema.

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