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4. Uma Abordagem sistémica à cultura

4.3. Princípios Dinâmicos – Como evolui o sistema

4.3.1 O problema de escala e o historicismo

A ideia que tomamos de historicismo – e o problema inerente em cima acerca do nominalismo e das leis sociais – traça a sua história ao historicismo alemão, e com tradição fortemente arreigada no contextualismo, a uma descrição densa dos eventos, e a um nominalismo de acontecimentos históricos (Beiser, 2011). Ainda que nas ciências sociais se fale da vertente interpretativista de Weber e Dilthey, esta é uma corrente com uma longa história, centrando-se, precisamente, em construir o conhecimento através da leitura dos eventos, construindo ideais tipo e estabelecendo ligações entre eles. Como aludimos, o problema de construir uma teoria de sistemas com tal ideia em vista, é que, presumivelmente, se tomarmos cada evento como um particular, mais do que como uma instância de um padrão, como dados que alimentam uma determinada teoria, toda a possibilidade de estudar cientificamente quaisquer questões sociais seria posta em causa, dando lugar a uma pura hermenêutica. No seu lugar, a maior parte das teorias de sistemas optam, assim, por uma via nomológica: procurando determinadas leis ou determinadas relações constantes que se presume serem verdade em qualquer estado do sistema, e que determinam consistentemente a evolução dos elementos no sistema. Parece-nos, no entanto, que é possível articular ambas as posições: por um lado, não é preciso nominalizar os eventos históricos para os tratar analiticamente, podendo operar-se com tipologias; e por outro a concepção nomológica frequentemente apontada a estas perspectivas pode ser salva e mantida, desde que se altere a concepção filosófica de lei.

Existe, naturalmente, um grau no qual devemos considerar os contextos históricos de um acontecimento. Nomeadamente, ao tentarmos executar uma análise

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fenomenológica de textos históricos, algo que, como admitido, envolve um grau de interpretação18, temos de ter em conta que os significados dos elementos não serão os

mesmos, que existe uma constituição da situação que orienta e posiciona aquele pedaço de comunicação, e quão mais conseguimos especificar esse contexto, mais tangível e plausível será para nós poder compará-lo com outros contextos semelhantes, ou até contemporâneos, em algum grau (na linha da racionalidade habermasiana descrita em ├AC20) . Exemplificando: imaginemos que lemos um texto sobre um guardador de rebanhos, escrito por um burguês de século XIX, dono de duas fábricas, numa visita ao campo, no qual ele descreve o guardador de rebanhos como o pináculo do desenvolvimento humano, e ao mesmo tempo comparamos esta afirmação com uma constatação de uma entrevista na qual nos dizem que os guardadores de rebanhos são uma profissão do passado. Que comparação poderíamos fazer entre as duas? Naturalmente, não faria sentido tomar as afirmações verbatim: a primeira tem alguma

intenção subjacente, que podemos inspecionar ao perceber que existe no contexto que

possamos ressalvar. Identificando parâmetros vários (o autor pertencia a um movimento romântico; no contexto os guardadores de rebanhos já eram escassos; etc), podemos verificar a racionalidade da comunicação e interpretação do primeiro e verificar que esta faz sentido dentro de um contexto histórico marcado pela industrialização, e que, em comparação, no contexto actual, na ausência desse contexto mas mantendo muitos outros parâmetros, a afirmação tem igual cunho de racionalidade. Não diríamos o mesmo se o indivíduo que entrevistámos dissesse que os guardadores de rebanhos são a profissão do futuro, ou pelo menos não sem um corpo de razões muito específico.

Neste trabalho temos enfatizado um compromisso simultaneamente fenomenológico e estruturalista, precisamente por esta razão: cremos que para obter

18 Com isto queremos dizer que o investigador vai sempre interpretar algo como um signo ou um

significado como existindo; no contexto real os indivíduos poderão fazer algo estruturalmente semelhante com o que analiticamente descrevemos, mas que não tem de ser homólogo, cf. (Worrall, 1989)). Nesse sentido, as ciências sociais existirão do consenso existente entre uma comunidade de investigadores quanto às interpretações feitas dos dados recolhidos, o que admite que uma lei possa ser verdade num dado contexto social que a valida, e inválido noutro contexto social, posterior ou com valores diferentes. Não nos parece que exista uma tal contradição de factos, dado que isto se dará, presumivelmente, como uma sucessão de sistemas de valores, bem como de capacidade de perspectivar dados – temos essencialmente o melhor sistema possível dados os constrangimentos.

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conhecimento tem de ser possível abstrair características suficientes para descrever padrões, mas concordamos que abstrair demasiadas características irá arrancar a própria justificação social das ciências, e formular leis que nada têm de concreto. Existe, assim, mais que tudo, um problema de escala: quanto mais especificação existe menos generalização, e vice-versa. Contudo, tal não pode, na nossa visão, ser uma justificação para uma rendição aos ditames historicistas e a uma aceitação do contextualismo, e tão pouco do positivismo naif. O trade-off epistemológico entre o número de propriedades alocadas ao conhecimento da realidade (colocadas num modelo) e o custo, bem como a generalidade desse modelo, deve ser estimado constructivamente (como um processo cumulativo contínuo) e adequado ao objecto de estudo – e mais que tudo deve em si ser um alvo de debate activo.

O objectivo continua a ser a busca de determinadas leis, sem que tal seja esperado num momento primordial: apenas pela acumulação de dados empíricos em quantidade suficiente poderemos esperar proceder à sua elaboração. Mas neste ponto o historicista – em conjunto com críticos da cibernética de segunda ordem (Andersen, 2009) – poderá pôr em causa que tais leis sejam ambicionáveis, quando, notavelmente, a capacidade humana de reflexão parece ser suficiente para as alterar, e quando o seu efeito de intervenção sobre os seres humanos parece posto em causa. No entanto, neste ponto importará fazer uma distinção relevante, que podemos pedir emprestado à concepção de Ramsey-Lewis sobre a filosofia da física (Beebee, 2000; Weatherson, 2016): uma lei não tem necessariamente de ser uma estrutura universal que opera e governa as instâncias micro, podendo antes emergir como uma relação consistente de um “Mosaico Humeano” – um conjunto de matérias de facto locais sucessivas, com uma tese implícita de reducionismo fisicista (Weatherson, 2016). No que nos importa, esta perspectiva formula as leis na base de contrafactuais, como conjuntos de verdades que excluem um número substancial de mundos possíveis baseados em propriedades perfeitamente naturais (ou no caso das ciências sociais, baseado em propriedades relevantemente sociais), e, mais ainda, é assumindo que tais leis sejam baseadas em estruturas indeterminísticas (Lewis, 1994). Desta maneira as leis são estruturas emergentes derivadas dos factos subjacentes, e supervêem a estes; desta maneira, e não obstante os problemas de determinar valores de verdade quando postulamos

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entidades mentais, a busca pelas leis sociais parece ser garantida e perfeitamente compatível com os argumentos historicistas: sumariamente, falamos de contextos nominais, onde existem colecções de verdades (ou proposições com um alto valor de verdade fuzzy) que agrupamos, ao abstrair parte das suas propriedades e, progressivamente, tentar diminuir essa abstracção (Lindenberg, 1992), bem como formular modelos simplificadores que podem ser analisados, de tal forma que determinados eventos específicos ganham um sentido estrutural.