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5. Perspectivas Teóricas sobre o Património

5.3. Forma Semiótica do Sistema Patrimonial

Na primeira parte da dissertação notámos que, tomando a ideia da cultura, património, e restantes sistemas socio-conceptuais como sendo semioticamente formados até às suas consequências, poderíamos fazer uso das ferramentas analíticas derivadas dessa disciplina para compreender mais aprofundadamente as realidades sociais. De facto, importámos a noção de objekt, signo e interpretante para dentro do nosso modelo conceptual; no entanto, como notámos nas convenções ├AC5-AC7, a estrutura de representação semiótica não se reduz apenas à divisão do processo de semiose, mas antes existem elementos com pesos e relevâncias distintas.

Tal preocupação poderá parece algo espúria quando formulada desta maneira. No entanto, o que nos parece é que, debativelmente, tais preocupações existem já dentro do património, quando se fala de tipos de activos patrimoniais, imagens de marca, sinaléctica e desenho urbano. Como notam Du Cros e McKercher (2015), a lógica de preservação e gestão do património tende a seguir a preservação de elementos através de lógicas de planeamento, documentação e também de branding e promoção de elementos centrais – algo que notámos na nossa entrevista com a Câmara de Tomar (a que chegaremos em baixo), quando a ideia de “Cidade Templária” era equacionada com a multiplicação de cruzes templárias pela cidade, de forma a que a associação fosse mais visível. A ideia de existirem determinados signos que tomam a totalidade do significado que se pretende transmitir – que servem como “ícones”, no senso comum – é algo que é relativamente aceite e descrito como parte da experiência do turismo patrimonial (MacCannell, 1999).

A nossa ideia é que estas discussões têm implícita uma discussão da semiótica cultural das cidades, e, mais especificamente, das formas estruturais semióticas associadas à representação de determinadas categorias: que quando se fala de city

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que quando se discute a existência de locais agregadores, marcantes e centrais nas cidades para determinados aspectos, fala-se de índices, e que quando se discute os activos patrimoniais, propriamente ditos, e a forma como estes se inserem na interpretaçãoG, a preocupação é mais estritamente simbólica. Se a relação que

estabelecemos entre a forma como os elementos nas cidades são representados semioticamente, e as preocupações com branding, gestão e planeamento, for de facto possível de estabelecer, então tornar-se-á possível discutir diferentes cidades como tendo graus de iconização, simbolização ou indexicalização diferentes, formular bases analíticas, e analisar impactos, tendo sempre por base o tipo de investigação fotográfica e envolvida que desenvolvemos. Valerá, por isso, ponderar um pouco como é que isto pode ser pensado em termos analíticos em relação com o património.

5.3.1 Semiótica Formal Peirceana

No sentido estritamente peirceano, todos os elementos que considerámos a propósito do património seriam sempre simbólicos – teriam sempre uma representação mediada por leis e por hábitos (Atkin, 2013); e nesse sentido a utilidade de pensarmos subdivisões dos signos seria bastante limitada. No entanto, a partir do que já pudemos discutir, torna-se intuitivo que existam tipos de signos bastante diferentes: poderemos seriamente dizer que uma cruz templária, o convento de cristo ou a Praça da República representem a categoria “Templários” da mesma maneira?

Tomando a tricotomia peirceana de ícone, símbolo e índice num sentido mais lato, podemos essencialmente notar que o ícone representa um dado objekt em função da sua forma; que um índice representa em função de uma relação existencial, material e circunstancial; e que o símbolo deriva de uma narrativa, uma lei, ou um hábito. Os três exemplos que demos permitem ver estes três casos: aquilo que há numa cruz templária, que a liga aos templários, é apenas a sua estrutura, a sua forma, sem que exista necessariamente uma relação com o espaço em que ela aparece; a Praça da República aparece num local particularmente central, contendo a Estátua de um antigo Mestre da Ordem, sendo a praça na qual desemboca a Corredoura, e tendo visão para o Castelo dos Templários – sendo, portanto, fundamental a relação que se estabelece com esses elementos para poder ser considerada relevante; por fim, o Convento de Cristo tem uma

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narrativa associada que o vincula à categoria “Templários” por um conjunto de histórias e leituras estabelecidas. Importa ressaltar aqui que, da mesma maneira que Peirce organizava os seus signos, naturalmente um símbolo inclui um índice e um ícone, e um índice inclui um ícone, sem que o mesmo seja verdade no inverso. Expressando esta dependência simbolicamente:

𝑆(𝑥) ∝ 𝐼𝑛(𝑥) ∝ 𝐼𝑐(𝑥)

Lembremo-nos mais ainda que, quando discutimos um contexto social, estamos a falar de contextos nos quais diferentes indivíduos podem tomar signos de diferentes maneiras, e portanto, se a nível individual podemos falar de um determinado elemento ser dominantemente icónico, indexical ou simbólico devido a esse ser o meio pelo qual ele surge (aplicando por isso uma regra de eliminação, de tal forma que os ícones serão aqueles elementos que não têm narrativas ou relações existenciais com os elementos adjacentes), a nível social podemos apenas falar de tendências: um objecto será dominantemente indexical, simbólico ou icónico consoante essa seja a visão dominante no contexto social.

O grau de iconicidade, indexicalidade e narratividade de cada categoria ou contexto físico (considerando múltiplas categorias como de alguma maneira definindo o contexto – por exemplo, considerando um dado conjunto como indexando a “representação cultural de Tomar”, como faremos à frente) pode, plausivelmente, dizer- nos algumas coisas sobre a maneira como esses elementos operam reprodução e funcionamento. Temos de considerar que deriva de supra que um ícone é necessariamente mais simples do que um índice ou um símbolo, sendo, portanto, mais intuitivo, mais rápido de aceder a este. Por essa razão, e pensando sobre os contextos em que tal acontece na realidade, podemos falar com grande precisão de um problema semiótico frequentemente adereçado, como a distinção entre o signo e o simulacro do signo (Baudrillard, 1994): tal significaria nesta linguagem que um ícone cultural ou um índice cultural são usados no lugar de um símbolo, e tendencialmente denotando que a utilização extensiva dos anteriores sem o último implica um empobrecimento de uma categoria. Exemplo: a categoria “templários”, ao ser reduzida à sua cruz, e a produções monumentalizadas, perde a narrativa de quem foram os templários, como operaram, etc.

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Mas será mau que uma categoria fique fortemente iconizada? Primeiro que tudo, convirá notar que por este racional, ao tornar um elemento icónico, este torna-se igualmente mais acessível, podendo, por isso, servir de apoio a contextos culturais cujos agentes têm limitações cognitivas, de forma a manter os contextos vivos nas suas representações. De um ponto de vista axiológico, podemos afirmar que fará sentido transmitir o máximo de informação para as pessoas; de um ponto de vista da conservação de sustentabilidade de um sistema, podemos perguntar-nos se existe alguma relação entre a sustentabilidade de um sistema e a forma semiótica dominante. Em última análise, no entanto, convém notar que o ícone, sendo uma forma mais simples de um símbolo, em contextos como o turismo, este funciona mais concretamente como um “marcador simbólico” – um indicador do contexto ou da categoria em geral, que captura e armazena as narrativas por prótese. E nesse sentido, valerá a pena olhar para os contextos concretos de forma a compreender como tal iconização pode acontecer.

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