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3. Micro-Fundações da Cultura

3.4. Elementos Grupais

3.4.2 Identidade e Grupos

Uma concepção a que podemos remeter para perceber melhor a formação dos grupos é a teoria de identidade social e da auto-categorização social, desenvolvida por Henri Tajfel e John Turner (Tajfel, 1981; Turner, 1985; Turner, Hogg, Oakes, Reicher, & Wetherell, 1987) nos anos 1970. A sua ideia central dá-se em torno de três eixos: o paradigma dos grupos mínimos, que determina que, numa circunstância no qual os indivíduos são divididos segundo um critério relativamente arbitrário, continua a existir uma tendência para favorecer indivíduos percepcionados como o in-group; a noção de um “self” diferenciado que se constrói dialecticamente como esses grupos, e que é reforçado e continuamente definido por referência ao exterior, de forma análoga ao descrito pelo interaccionismo simbólico; e a ideia de mecanismos de acentuação das diferenças, formação de categorias interpretativas (grupos) e processos que determinam que a capacidade de categorização é contingente da presença de estímulos comparados a outros (adequação comparativa) e estímulos normativos, ou seja, predisposição do observador (adequação normativa).

A teoria de auto-categorização liga-se muito naturalmente com a discussão que traçámos acerca do processo de categorização, em particular com a noção de prototipicalidade (├AC2), remetendo-nos para a ideia prototípica de um indivíduo que é construída à volta de um conjunto de encontros, tal que as acções, comunicações e

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propriedades dos indivíduos, sirvam como critérios de inclusão ou exclusão face a esses grupos. As duas teorias – de identidade social e auto-categorização – coexistem de forma bastante coesa, e avançam ainda mais alguns postulados acerca da forma como os grupos evoluem, ao presumir que aquilo que primariamente orientara um grupo – a(s) sua(s) propriedade(s) partilhada(s) – tende a evoluir e diferenciar-se, ancorando-se nos critérios mais estáveis (como a pertença territorial, ou as linhagens familiares), e variando outros critérios (como as tendências de categorização do outgroup e dos elementos pertencentes). A ideia de grupo tajfeliano que mencionamos em Almeida, 2018, tem que ver com isto.

Explicitando:

AXH5: Teoria de Identidade Social e Auto-Categorização

AXH5H1 (Paradigma de Grupos Mínimos): Quando os indivíduos são divididos em grupos baseado numa propriedade relativamente arbitrária e mínima, tendem a expressar mais preferência pelos elementos do seu grupo que partilham essa propriedade do que de outros que não a possuem

AXH5H2: Os indivíduos derivam a sua identidade da pertença que têm de um grupo: ser parte de um grupo é uma relação na qual ancoram (alguma parte) d)a sua identidade.

AXH5H2-E1: Ataques à identidade de grupo podem ser interpretados como ataques à integridade personalítica dos indivíduos.

AXH5H2-E2: Os indivíduos derivam sentido do seu ingroup na forma de expectativas e preferências acerca de determinados elementos.

AXH5H3: Os indivíduos tendem a categorizar em função de estruturas de estímulos comparativas. O indivíduo irá categorizar outro indivíduo, ou outro elemento, como pertencente a uma cultura ou não consoante a sua proximidade aos indivíduos presentes cognitivamente – se os indivíduos deixarem de estar presentes cognitivamente a estrutura de ingroup e outgroup pode ser alterada significativamente.

AXH5H4: Os indivíduos categorizam em função de determinadas expectativas que constroem sobre os grupos que definem – por exemplo esperar que os estudantes

81 de ciência estudem muito, e presumir que se um estudante estudar muito, deve ser de ciências.

AXH5H5: Os indivíduos categorizam mais intensamente e mais facilmente consoante tenham experiência de conseguir categorizar indivíduos anteriormente.

AXH5H6: Os critérios mobilizados para distinguir ingroup e outgroup tenderão a excluir determinados indivíduos. Num nível suficientemente geral (i.e uma nacionalidade), um ingroup incluirá outgroups muito separados, em função desses critérios e da decisão sobre eles feita. As estratégias de mobilização em torno dessas questões incluem mobilidade individual (ignorar a importância do grupo e dos seus critérios focando-se em distanciar-se do grupo – afirmação unilateral de AH12a como predicado próprio), criatividade social (negar a estrutura de critérios dominante e construir uma estrutura alternativa com um ingroup substancialmente), ou competição social (criticar e tentar substituir os critérios dominantes).

De forma sucinta, os grupos surgem de critérios de pertença, e debatem activamente estes critérios em termos de inclusão e exclusão de elementos – as propriedades que pertencem, que incluem propriedades inalienáveis (como a cor de pele ou o sexo), crenças (predicações), significações, etc.

Relembrando-nos daquilo que considerámos acerca da estrutura das relações, podemos notar que estes critérios são, no fundo, especificações de um papel que as relações inter-individuais estabelecem.

AHB50: Os critérios de exclusão e inclusão num grupo definem propriedades que os indivíduos devem possuir para pertencerem ao grupo.

AHB51: Os critérios de exclusão e inclusão num grupo prescrevem um papel que os membros devem assumir para pertencerem ao grupo.

Por essa razão, a adequação a acções que se presume serem aprovadas pela maioria do grupo, a sua defesa e a sua mobilização, consistirá, em geral, num conjunto de intenções que facilmente ligamos a um princípio de acção narrativa. Uma primeira propriedade associada a isto mesmo, e que convirá notar, é a chamada “hipótese de auto-estima” – a ideia de que os indivíduos agem de forma a manterem uma concepção

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positiva de si mesmos, e que dado que o grupo é construído por si como uma propriedade da sua identidade social, estes irão tentar favorecer o grupo.

Devemos igualmente notar que associado à definição destes critérios, com ├AHB41, que esta definição de critérios é a marca distintiva de poder; se presumirmos um pressuposto operacional de:

AHB52: Os agentes buscam poder dentro dos grupos para poderem controlar a sua acção e a acção daqueles que os rodeiam.

Assim, podemos presumir que os indivíduos queiram, quando tenham oportunidade, buscar terem mais poder ou, em termos gerais, mais capital, junto dos grupos em que se movem. Tal não implica que os indivíduos estejam permanentemente num tal conflito, nem que não existam efeitos alternativos. Um desses, que valerá a pena adiantar, é a ideia de conformismo. Traçando a linhagem intelectual às experiências clássicas de Solomon Asch (1940), na qual os indivíduos são expostos a informação propositadamente errada, junto de um grupo no qual os indivíduos parecem acordar numa resposta errada, concluiu-se que uma grande parte dos indivíduos afirmava concordar com o grupo, ainda que experienciassem dúvida e incerteza. Segundo Turner (1985), aquilo que motiva a conformidade é uma busca pela manutenção das acreditações do ingroup, e como tal deriva directamente da categorização dos indivíduos como parte de um grupo coerente, não querendo o indivíduo distanciar-se ao dar uma resposta contrária.

AHB53: Os indivíduos conformam-se com as opiniões do grupo com vista a buscarem aceitação dentro deste.

No fundo, AHB52 e AHB53 constatam duas faces da mesma moeda: os indivíduos buscam distinguir-se e aproximar-se da lógica de funcionamento dos grupos estrategicamente, tendo em vista a manutenção da sua identidade social positiva. Como notado por Brewer (1991), e como antes por Tajfel e Turner, a dimensão individual de AHB52 funciona em particular quando existem conjuntos de grupos sociais acoplados (por exemplo, grupos de estatuto social, com grupos de alto e baixo estatuto estando acoplados), abertos, nos quais os indivíduos buscam alcançar maior estatuto. O balanço entre distintividade e assimilação é, assim, tomado como estrutural, e interessantemente, como notado por Brewer (1991), tal busca por distintividade

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optimal é independente de propriedades evaluativas dos grupos – em suma, entre estarem isolados ou estarem assimilados num grupo de baixo estatuto ou com uma moralidade que choca com o indivíduo, ou entre estarem assimilados num grupo de alto estatuto mas incrivelmente repressivo ou serem separados, os indivíduos vão sempre preferir a opção que melhor equilibra as duas buscas (Brewer, 1991; Leonardelli, Pickett, & Brewer, 2010).

AHB54: Os indivíduos procuram equilibrar a sua pertença (assimilação) aos grupos, conformando-se aos critérios definidos para pertença, e a sua separação (distintividade), indo contra alguns ideais deste domínio.