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4. Uma Abordagem sistémica à cultura

4.3. Princípios Dinâmicos – Como evolui o sistema

4.3.2 Modelos de Dinâmica

O olhar positivista, que em cima mencionámos, deu, em muitas instâncias, a uma tentativa e desejo de explicar a realidade social como algo passível de descrever através de relações simples: como uma evolução contínua ou como um ciclo repetitivo. Estes modelos são precisamente isso – abstracções da realidade – e conseguem de formas muito diferentes e com graus de sucesso vários representar fielmente fenómenos sociais. A vantagem de as discutir é, tão simplesmente, perceber em geral qual a interpretação que se pode fazer de mecanismos que se comportam de forma homóloga a eles, e perceber que papel os esforços já existentes podem ter nas nossas análises.

Uma de tais teses que hoje se vê menos representada – apesar de alguns dos seus

outputs, como os ciclos económicos, permanecerem arreigados no discurso das ciências

sociais – é a ideia de ciclos sociais. A noção é simples: a sociedade tem um conjunto de mecanismos de pressão em diversos sentidos, de tal forma que existe um equilíbrio dinâmico em torno de certas órbitas num estado de fase. Este tipo de abordagem aparece nas ciências sociais, quer no trabalho de historiadores como Fernand Braudel (1992), quer nos estudos económicos de Kondratiev (Volland, 1987), ou quer na demografia com modelos associados a distribuições logísticas, etc. Na sociologia, o trabalho de Pitirim Sorokin, especialmente no seu Social and Cultural Dynamics (Sorokin, 1970), o autor desenhou uma tipologia aplicada à “Civilização Ocidental” e à “Civilização Greco-Romana” – através de formas ideacionais (a realidade como produto do espírito), sensativa (a realidade como produto material), e idealística (um cruzamento dos dois anteriores) – que via a dinâmica da cultura ocidental como passando por estes tipos em função de passar por diversos padrões de explicação (explicações racionais sucedendo

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a explicações idealistas e espirituais, devido a sistemas de verdade nas quais as falhas anteriores davam lugares a novas formas de interpretação, e assim sucessivamente), de tal forma que o autor identifica os excessos da cultura ocidental como dando lugar ao regresso a um estado de idealismo.

Esta tese de ciclicidade é bastante acessível; diz-nos: 'existe um padrão que irá repetir-se sucessivamente, ou até que um determinado critério seja alterado, e que podemos encontrar na estrutura fundacional do sistema’ Tal ideia encontra-se, de forma intuitiva, em tais lógicas como o retro e o vintage, vendo a cultura pós-moderna como a simulação de si mesma, a reinvenção do seu passado feita de forma contínua e obsessiva (Baudrillard, 1994; Jameson, 1991). Concretamente, na análise dos nossos processos a hipótese circular dirá que, após um dado período de tempo, uma tendência previamente estável de interpretação ou acção será substituída por uma tendência contrária, ou diferente, de tal forma que, ao fim de algum tempo, emerge um padrão. Tais mecanismos permitem igualmente, a um nível de intervenção prática, que se contrarie a tendência de ciclicidade aplicando limitações contra-cíclicas; por exemplo, se percebermos que, num dado contexto, existe um ciclo de valorização de uma dada categoria adjacente ao sistema cultural, oscilando entre três dessas categorias e acarretando custos em termos de manutenção, pode alterar-se a política para focar as outras duas categorias quando a dominante está no “topo”. Na segunda parte da dissertação veremos, precisamente, um modelo abstracto que exprime comportamentos cíclicos, e que interpretações se podem fazer dela.

SHB20: Os processos culturais acontecem com um certo período – circulam dentro de uma órbita no estado de fase – explicado por uma lógica baseada em padrões.

Mais clássica será a ideia de evolução: a ideia de que determinados elementos surgiram como parte de um processo de adaptação e selecção, sendo que a unidade em questão (o sistema) terá mais adaptabilidade consoante possua certas propriedades passíveis de ser selecionadas. Mais do que isso, a evolução cultural dita uma relação importante entre a antropologia, a sociologia, a psicologia e a biologia – tenta ligar as ciências comportamentais e sociais à teoria de evolução natural, tentando traçar as formas como tal pode surgir (Richerson & Boyd, 1985). Estas discussões ocorrem no cerne da sociobiologia e da antropologia biológica, tentando destrinçar aquilo que existe

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de inato e de aprendido (Pinker, 2002), tentando distinguir as funções adaptativas e de

fitness que determinados elementos predicados numa cultura (tendencialmente a cultura, ou seja, cultura humana).

Apesar do sucesso que gozaram no final de século XIX e inícios de século XX – em particular pela sua ligação com o racismo científico e a justificação do colonialismo – tais mecanismos foram severamente criticados no curso do século XX, enfatizando-se que a aparente path-dependence e dependência de estágios da cultura apenas mascarava processos mais complexos, e ignorava a influência de outro tipo de transformações, tais como a colonização e a apropriação cultural. A generalização dos mecanismos darwinianos à cultura por autores como Spencer, entre outros, foi abandonada, ao ponto de Parsons começar um seu ensaio perguntando “Quem hoje ainda lê Spencer?” (Parsons, 1937, p. 3).

No curso do século XX, este esforço veio a ser repetido várias vezes. A ideia de uma linearidade de tendência, no entanto, deu lugar a perspectivas muito mais contingentes e dependentes. Autores como Parsons, e depois dele Smelser (1967), formularam teorias com tendências semelhantes, nas quais a tecnologia é frequentemente vista como a marca da evolução. No entanto, estas tendências permaneceram ainda assim ligadas a narrativas de progresso muito fortes (Habermas, 1984); para operar esse desligamento, a adopção por parte de muitos biólogos evolucionários de determinadas unidades concretas de cultura – chamadas por vezes de

memes, quando discretas, ou traços contínuos – que são transmitidas, e que têm

relações específicas com os genes, ganhou tracção em criar condições de explicação de padrões de evolução. Encontram-se aqui diferentes perspectivas:

SHB21: Os elementos culturais (memes) evoluem de forma co-dependente com traços genéticos, de tal forma que influenciam e são influenciados por estes (Dawkins, 1976; E. O. Wilson, 2000);

SHB22: A explicação dos elementos culturais é homóloga à da evolução natural – presume-se que a cultura é o seu próprio domínio, mas que evolui de maneira semelhante aos organismos, isto é, segundo princípios darwinianos (Mesoudi, 2016; Richerson & Boyd, 1985);

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No trabalho de vários autores da linha de Robert Boyd, Peter Richerson, Cavali- Sforza, entre outros, existe a admissão de que a cultura também pode ser sujeita a processos de pressão, selecção, mutação, imitação, etc, sem que, no entanto, seja preciso aceitar as formas neo-Darwinianas, como a exigência de que se herdem unidades discretas de informação de ambos os pais, e que os objectivos desta sejam maximizados apenas em contextos de selecção individual ou selecção de prole (Mesoudi, 2016, p. 486). Como nota Mesoudi, isto implica aceitar os seguintes princípios:

1. Different entities in a population vary in their characteristics (principle of variation).

2. These entities have different rates of survival and reproduction (principle of differential fitness, or what Darwin called a ‘struggle for existence’).

3. There is a correlation between parent and offspring entities in those characteristics that contribute to differential fitness (principle of inheritance). (Mesoudi, 2016, p. 484)

O que estes princípios abrem é a possibilidade de se compreender a evolução da cultura (e a sua cumulatividade) como tendo padrões de selecção, mutação, e drift ao longo do tempo. Como tal, presume-se um modelo no qual a cultura evolui para a forma mais eficaz para grupos de indivíduos, com a preocupação sendo a percepção de quais os elementos específicos que são selecionados, e de que maneira estes se interrelacionam com outros – incluindo-se aqui a ideia da evolução da cultura ser facilitada pela existência de determinados “precedentes” (Enquist, Ghirlanda, & Eriksson, 2011). Como tal, não existe aqui uma descrição ao nível de um sistema que seja directamente traduzível, ainda que análises como as de Enquist e Richerson tenham proximidades notáveis com a abordagem que aqui propomos.

A evolução cultural de um sistema prende-se com o processo dinâmico de selecção dos elementos culturais que fazem parte desse sistema, de forma que seja vantajosa para o próprio sistema. Como antes aludimos, tal descrição não tem associada qualquer ética ou moral: um sistema com dinâmica evolutiva aqui terá processos dinâmicos nos quais os sistemas possuam grupos de indivíduos, ou indivíduos solitários, que aumentem a sua adaptabilidade e capacidade de perdurância no tempo. A

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normalização semântica, a variação de protótipos, a persuasão ou exercício activo de poder são, nesse sentido, marcas de tais tendências evolutivas.

SHB23: A evolução cultural de elementos segue um processo de transmissão de representações mentais através de comportamento (comunicação).