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ELVIRA, 43 ANOS

No documento Histórias de Vida, vozes da rua (páginas 175-179)

Tenho trinta e quatro anos. Fico na Linha Amarela. Estudei até a terceira série. Sou carioca. Eu vim aqui por causa que eu sou soropositivo e eu tô três mes sem tomar o co... o coquetel. E a minha imunidade tá baixa, e aí a dona Cássia foi lá me buscar pra mi tomar. É... soropositivo eu e meu marido, tem seis ano que eu descobri. Se contaminamo... Eu vivo com ele. Se con- taminamo na rua, e hoje eu vim pra poder pegar o coquetel, porque eu já estou beeem debilitada, minha imunidade tá bem baixa e eu vou ter que recomeçar. Porque eu começo, aí eu vou para casa, aí paro e volto para a rua. Aí eu vim pegar o coquetel pra mim tomar.

”Eu não sou capacitada pra ter dinheiro na mão, porque

se eu pegar dinheiro eu vou fumar crack”

Só que agora a minha mãe não quer mais me ajudar, porque minha mãe cansou. Ela fica triste. Ela fica triste, ela se apega a mim, depois eu saio e ela sofre. Aí quem tá me ajudando é a minha prima, e eu tô tentando correr atrás do benefício. Pra mim... poder pegar um dinheirinho, para mim poder me levantar, mas... eu não vou... eu não quero ficar com o dinheiro, quem vai pegar o dinheiro vai ser a minha prima. Ela vai ser responsável assim. Ela vai pegar o dinheiro e aí paga um aluguel pra mim, faz umas compras pra mim, e eu, é o que eu preciso, porque eu

não sou capacitada pra ter dinheiro na mão, porque se eu, se eu pegar dinheiro eu vou fumar crack. Se eu tiver cinco mil na mão, eu vou fumar cinco mil de crack, eu não vou fazer nada. Então... eu também não acho justo tirar... assim, pegar um bene- fício também para mim fumar crack, eu quero pegar um bene- fício pra me manter, pra mim me ajudar. Porque na rua eu não vou conseguir tomar o remédio, na rua eu não vou conseguir... tratar tudo na risca, porque não é a mêrma coisa de casa, a alimentação não é na hora, o alimento não é saudável igual o de casa, a higiene não é a mêrma coisa, nada é mêrmo igual de casa, então... Na rua não vai dar certo. Eu vou começar a tomar, até Deus abençoar e eu conseguir meu cantinho. Pra mim, o meu propósito é esse.

Meu paraíba vai onde eu vou, a mãe dele foi pra a Paraíba e ele não foi. Tamo há sete anos juntos. É, eu já dei facada nele, a dona Cássia costurou o braço dele, ele já abriu minha testa... É porque ele é um pouquinho agressivo. Eu falei “Pára de bater que tu vai apanhar”, ele não acreditou, dei uma facada nele. Botei ele quinze dias lá no Getúlio Vargas. Mas hoje em dia a gente não se agride muito... e até então que ele nem me agride, porque se me der um tapa, eu caio, mas eu sou braba, magrinha desse jeito assim memo, mas sou braba. Na Linha Amarela, na Sete, os usuários, todo mundo passa mal comigo, que eu sou invocada. Mas eu sou certa. Sou tranquila. Não pode pisar no meu calo, não pode. Eu uso minha droga. “Senhora, a senhora pode me ajudar com uma moeda?”, “Ah, não posso”, “Vai com Deus, obrigada”. Eu uso a minha droga, eu não fico agressiva, eu sou comunicativa...

Nem com crack eu fico agressiva. Pelo contrário, quando eu fumo crack eu fico vulnerável, eu fico calma, tranquila. Eu sou uma pessoa tranquila, eu sou consciente. Eu uso droga há quin- ze ano, mas eu tenho convicção, certeza absoluta, que minha mente, meu no... meus norônios tão todo perfeito! Porque eu lembro de coisa de vinte anos atrás, eu me lembro. Então eu não sou louca. Eu sou usuária, eu sou viciada, mas eu tô sã e consciente, eu entendo tudo, eu sei de tudo. Porque tem gente que usa droga e quer dar uma de maluco, “Ah, tá...” A droga comeu o célebro dele. Sim, tem pessoas que a droga afeta o...

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célebro, mas tem pessoa que usa o motivo da droga pra falar que tá doida, mas num tá não. Num tá não, tá é se fazendo de doida, mas não é. Eu falo, eu tô consciente do que... dos ato que eu faço, de tudo que eu faço, e é isso aí.

Foi uma... é, eu... eu traficava e eu fui presa, minha mãe me tirou da cadeia. Eu só cheirava cocaína. Sempre usei droga, mas a minha destruição foi o crack. Eu trabalhava, depois trabalhei, saí do serviço... Aí vim, fui traficar e virei gerente do Morro do Juramento, na favelinha, fui presa, voltei, aí quando eu voltei... oito meses fiquei presa, foi rápido. Aí, quando eu voltei eu já comecei a usar crack, e aí eu abandonei tudo lá. Aí arrumei um... Parei de fumar crack e aí voltei, e aí eu arrumei um serviço. Aí um dia eu recebo e entro num carro pro Jacaré, aí fui e fiquei... Minha mãe foi me ver depois de sete ano.

Minha mãe mora em Vicente de Carvalho, perto do Shopping Carioca. No BRT ali. Naquela rua ali subindo. Meu... meu... meu pai morreu... Morreu com câncer, vai fazer um ano. Ele era meu fechamento. Eu gostava mais dele do que da minha mãe, ele não é meu pai não, ele me criou, foi morar com a minha mãe, a minha mãe tava grávida. De sete meses. Era meu paizinho... Vinha me buscar, vinha me ver... Era o meu pai e morreu. Antes dele morrer, uma semana antes, ele veio e me buscou... e me botou dentro de casa. Quando ele morreu, eu tava em casa, ele falou, “Não sai de casa, só quando amanhecer”. Morreu com câncer de próstata, lutando... sentindo dor... aí eu fico pensando, eu tenho HIV, e não sinto dor, e tem tanta gente aí que luta para viver... e eu tô entregando a minha vida, mas tudo por causa dessa droga.

Esse crack é uma... uma coisa tão... Aí as pessoas falam assim: “Ah, você fica nove meses sem usar, um ano”. Eu fico. Mas eu fico a base de Diazepam. Mas só Deus sabe como eu fico, mas tem uma hora que eu não me seguro mais, que isso, eu... eu sei que se eu num... saio naquela hora pra fumar uma pedra, eu vou explo... sei lá o que é que eu vou fazer, depois de muito tempo. Fico um mês, dois mês, três mês, quatro mês, cinco mese, eu... Dá a minha abstinência, mas eu vou me controlando o máximo... pra poder... assim... pro meu bem e também agradar as pessoas que tá a minha volta... pra não decepcionar elas, mas eu acabo

decepcionando, porque eu não aguento. Aí eu vou e decepcio- no todo mundo e volto pra droga, porque eu me seguro... não muito por mim, eu me seguro mais pela minha família, que tá me ajudando me dando apoio.

Agora é a minha prima que está comigo, que memo assim eu decepcionei ela, mas memo assim ela... continua fechando co- migo. “A hora que você quiser vir dormir, comer, você vem”. A minha mãe já desistiu de mim, mas ela, se eu precisar, ela vê que eu tô ruim mêrmo, ela me ajuda, porque eu não sou uma má filha, nunca roubei nada, nunca levei pobrema, nunca levei dívida de droga, nunca levei... É assim, ó, eles de lá e eu aqui. Fico um ano sem ver minha família. Se eu apanhar, apanhei. Fui estrupada, fui tudo.

Foi nessa que eu fui estrupada, que eu acho que eu fiquei com HIV, por causa que... toda vez que eu ia pra casa, a minha mãe me levava na Clínica da Família de lá. Eu fazia todos os exames. Sempre dava tudo normal, preventivo, graças a Deus. Aí o último que eu fiz demorou vim, deu HIV, mas eu já sabia que eu tava com HIV. Quando eu fui pra casa, por causa que eu tava eva- cuando sangue e eu tinha lido no jornal, sobre isso, e o sintoma que eu tinha lido no jornal é os que eu tava sentindo. Aí eu fui pra casa e pedi pra minha mãe pra me levar pra fazer exame que eu tava desconfiada. Mas nem demorou, só que a minha doutora de lá, que é amiga da dona Cássia, ficou com medo de me falar, pelo fato de eu ser usuária. Eu falei para ela, “Pode falar, eu tô com HIV, né?”. Aí ela falou: “Tá”.

No começo eu tomei aquele baque, aquele medo, aquele cho- que, “Pronto, não quero mais saber do crack, vou me cuidar, vou me... vou me tratar, vou cuidar de mim e não sei o quê”. Tem dia... às vezes eu esqueço até que eu tenho HIV. Por causa... Eu só lembro que eu tenho HIV quando eu acordo ruim. Com febre, com diarreia, com dor no corpo, que eu não consigo levantar. No começo quando eu tomava o remédio não me sentia bem não. Diarreia... dor de cabeça, fraqueza, enjôo... só vontade de ficar deitada. É muito ruim, é muito ruim memo, acaba comigo. A Minha mãe... O desânimo de tomar o coquetel é esse. Que ele faz muito mal. A máxima que eu fiquei tomando coquetel, assim sem parar, foi cinco meses. Fiquei três meses. Mas depois já

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se agrava sem o coquetel. Mas agora eu vou fumar crack e vou beber o remédio. Dizem que faz mal, mas não quero saber não. Um mal... não vai faz... Se não vai me fazer bem, mal também não vai, mal vai ser ficar sem tomar. A Cássia falou que não tem pobrema nenhum, que eu posso tomar normalmente. Entendeu? Mas me danifica.

E na rua é mais difícil, porque na rua eu não vou poder ficar dei- tada o tempo todo. Na rua, num vou... eu tenho meu marido, mas ele também às vez acorda mal. Na rua a gente precisa de... nem todo mundo quer ficar ajudando, entende? Então tem que ter o meu cantinho pra acordar, entendeu? Acordo de manhã, vou lá na... vou onde... nos lugares que eu tenho minha fonte, tomo um café, ou às vezes não, ou às vezes eu já acordo fumando crack. Sempre aparece alguém. Ou às vezes eu já fico dois, três dia virada fumando crack. Não como nada. Ó, hoje eu acordei, hoje eu tomei café. A dona do bar me deu um café e me deu um bolo. Aí... quando eu cheguei no barraco, aí eu fui e fumei. Mas mesmo assim eu venho, que quando eu fumo crack, aí vão me buscar, eu não venho não.

”Eu vou morrer e o crack vai continuar me matando.

No documento Histórias de Vida, vozes da rua (páginas 175-179)