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GRACILIANO, 66 ANOS

No documento Histórias de Vida, vozes da rua (páginas 97-106)

Tô acabando de me aposentar pela idade. No processo. Eu tra- balhava, é... Música, e na área turística, de camelô, cambista, guardador de carro. Vendia ingresso de show de eventos, uma porção de eventos. Evento bom. Sou músico também. Eu toco guitarra, bateria, baixo. Eu já nasci com talento, eu toco de ou- vido, e aí se torna tudo mais fácil.

Agora eu pego uma bolsa familiazinha, mas não dá pra viver disso. Aí final de semana, assim, começo da semana, pego uns evento agora, final de semana longo, de quinta a domingo. Faço evento na Ilha, faço eventos no São Cristóvão. Faço evento na igreja, que eu trabalho com casamento na igreja lá na Praça XV. De cambista, pego informações, internet, jornal. De preferência, vendo eventos que esteja esgotado. Que aí não tem bilheteria, não tem onde comprar. Aí eu compro uma hipótese, assim... a vinte, na hora dá até cento e cinquenta, dá duzentos, porque ninguém tem mais. A gente levanta se vai lotar, a gente levanta isso tudo, com o pessoal do evento, da produção.

Eu digo que eu não tenho uma residência fixa. Às vezes eu fico aqui em Bonsucesso, às vezes eu fico lá em São Cristóvão, às vezes eu dou um... fico uns dois ou três dias na cidade. Eu... É, um cigano. Eu venho, quase sempre eu venho aqui. Eu venho me tratar com a doutora aí, com o Gilberto, com a... Cássia. Saúde, tudo. Ah, a Cássia é da parada em geral. Ela não é só da saúde, é um documento, uma papelada, não... uma coisa ou outra, ela faz tudo. É uma pessoa linda, adorável, muito, muito. Total. De... de papelada, de documentos, benefícios. Tudo é aqui.

Sabe como é que eu conheci isso aqui, ó? Porque uns conhe- cido vêm me dando informações. Tem um... conhecido meu,

Zequinha, disseram que ele morreu, não sei se tá vivo. Que ele vem aqui, e um outro conhecido falou “Pô, você precisa conhecer a Cássia. Ela é boa pra tudo, pra saúde, benefício”. E eu falei “Então, eu preciso conhecê-la, é do meu interesse também, eu preciso também disso tudo”. E nos outros lugares, quando você vai, ninguém te dá atenção. Ô, você... então, eu estava até falando isso agora com o Gilberto. Da outra vez eu fui pra Clínica em Botafogo, a mulher me falou que não ia me atender porque eu não tinha o Cartão do SUS. Poxa, assim... é insignificante, na hora. Terrível, né?

Sabe? Cheguei na Clínica da Família na cidade lá, Henrique Valadares, a mêrma coisa. Eu chego aqui e sou bem tratado. Me sinto bem com as pessoa, com o tratamento, com a educa- ção, sabe? Com a humildade, o humanismo... das pessoas. Nos outros lugares não tem, eu não vejo. As pessoa te tratam... Eu só venho aqui. Se tiver fechado eu venho outro dia. Outros lugares, eu me lembro. Maus tratos. As pessoas desfazem de você, não te dá importância, atenção nenhuma. E isso em vários lugares, como você sabe. Entende? É. Mas pelo outro lado, minha vida é feliz.ô bonita. Eu nunca tô aborrecido, nunca tô desesperado, nunca fui humilhado por nada. Eu levo tudo na... diplomacia, dentro da forma da lei, tranquilo, calmo. Desse jeito.

A rua, ah, eu... isso é uma história longa, mas eu vou te falar. Eu... não vim pra rua por causa de vício, nem de álcool e nem de drogas. A maioria é assim. Tu tem qualquer poblema, pro- cura um refúgio errado. Não uso droga não. Eu acho que não é assim. E sim quando você tá bem, primeiro a obrigação, depois a devoção. Primeiro lugar eu, em décimo eu também e depois eu vejo o que é que eu posso fazer. Diga-se, sabedoria nunca é demais. Dar muito dinheiro pra maluco é suicídio.

Mas é, tu vê isso na realidade, tá? É... fatalidade isso, entende? Mas eu vivo bem com Deus, minha participação de igreja, eu gosto de ir na igreja evangélica, vou ali na missa, né, minha comunhão com Deus. A minha fé é grande, sabe? Tenho as minhas namoradinha e tal, tudo namorada, tudo cheio de, tenho que ter um amor, tenho que ter um carinho também, senão não tem graça. Entende? Mas... não tenho o que reclamar não, só agradecer... todo dia é um dia diferente.

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Como é que eu fui parar na rua? Olha, quando eu... perdi meu pai... Em Jacarepaguá, eu nasci na Praça Seca em Jacarepaguá, Rua Barão. Tá? Meu pai tinha poblema com a minha mãe, en- tão... E quando foi, meu pai faleceu. Eu tinha uns... dezesseis para dezessete anos. Aí... tudo o que eu aprendi mais na vida foi, era eu, era Deus no céu e ele na terra. Aí eu me senti muito amouado, sem apoio, eu não achei um apoio legal na família, um entendimento. Aí eu resolvi me lançar. Eu falei “Vou me lançar”. Aí eu... Jacarepaguá, né, Praça Seca... Péssimo.

Aí eu fui, pá, “Vou sair daqui”. Fui pra Barra da Tijuca. Aí che- guei na Barra da Tijuca, comecei a arrumar um biscate aqui, um biscate ali, de ajudante de cozinha, de jardineiro, não sei o quê, sempre tocando de um jeito ou de outro. Tem que tocar, não pode ficar parado. Tinha que ter o meu, fosse pouco ou muito, eu tenho que me manter. Tenho que me manter, é direito de de- fesa. Que fosse de preferência honesto. Nada desonesto. Sabe? Aí assim eu comecei. Aí depois eu arrumei uma namorada, saí com uma mulher aqui, morei com outra mulher ali.

É, aí dormia, trabalho e tal. Depois arrumei trabalho, moradia, comida e etc. Aí depois aluguei uma casa. Aí eu alugava uma casa, passava um tempo, daqui a pouco eu voltava para a rua de novo, sabe? Ia e voltava, ia e voltava. Andei com uma porção de mulher. Eu ficava às vezes dois anos, três anos, um ano, daqui a pouco eu largava, pá e pronto. Acabava, é normal. Normal. Eu nunca fui de tá discutindo com ninguém, brigando com nin- guém, essas coisas e outra. Tá bem? Tá. Não tá bem? Vamo ficar amigo, vamo terminar. Sabe? Acabou. Sabe?

Eu tenho, no caso, os filho. Meus filho já estão criados. Um casal de filhos em Angra dos Reis.

Tenho quatro de criação, um eu tirei da criminalidade, arrumei um trabalho para ele, tudo. E agora no final do campeonato, eu tô com uma filha de três anos, doutora. É. Tá me dando um problema. Que pra resolver isso, eu tenho que resolver isso. Um problema que vem me... me afetar agora, é só esse problema. Eu conheci essa menina, ela tá até aqui perto. Mas ela virou doente química, por causa de crack. Eu fiz tudo pra tirar, internar, e tal. Mas enfim, foi o relacionamento, e me veio uma filha desse

relacionamento. E ela me escondia, me enganava, andava com uma pessoa aí, que sinceramente, eu acho que... Aí depois um amigo me encontra, “Poxa, ô Índio, a Joelma teve uma filha que é a tua cara”. Hum, tá minha. E ela tá com a mãe dela que mora no Tabajara, em Copacabana. Eu conheço ela de vista, a mãe dela, mas ela não me conhece. Mas ainda ela queria me dar um golpe da pensão.

E há poucos dias eu tive procurando ela lá no Pontilhão aí, tudo bem, a vida é dela, ela faz o que quiser, a vida é dela, familiar. Que deu pânico em mim, coisa horrível. Aí à tarde eu perguntei se viram a Joelma, falaram que não. “Ah, tá morando ali do outro lado com um rapaz, não sei o quê, tá grávida, não sei o quê”. Eu falei: “Tá. Tá tudo bem, deixa para lá”. E eu tenho que resolver essa situação com a mãe dela, dessa minha filha. Que tá sendo criada pela pela mãe dela. Porque já tá com três anos. Eu já vi ela. É... são esses pobleminha que eu tenho assim, agora vamos resolver o negócio da aposentadoria...

Meu desejo é acolher, criár. Pro mundo. É, fazer o meu papel. Muitos caras que às vezes faz uma criança, abandonam para lá. Eu acho que nem é homem. Ou que ele teja, ou que ele não teja com a companheira, ele não pediu pra vir. É, tem que dar a assistência até a maior idade, criação, tudo, escolaridade. Tá? Eu acho isso.

Eu to acabando de resolver os negócios dos benefício aí pra mim chegar nisso. Quando chegar, é, falar com ela, conversar. Eles registram no nome deles. Mas eu posso registrar no meu nome. Não tem... Pelo menos eu vi um, agora, um negócio de espaço, tá, tudo direitinho. Residência. E pronto. Eu arrumo uma companheira que queira assumir comigo ou com ela, que aceite. Sabe? Não é tão difícil, entende? É isso. Eu quero resolver um serviço lúdico aí, de saúde meu, da... essa, né, dessa hérnia, dessa aqui, umbilical.

Porque eu fiz essa operação em Brasília em noventa e... três. Quase morri nessa cirurgia, né, porque eu perdi a vaga, perdi os exames e ninguém nunca fazia a minha operação aqui. Eu falei: “Ih, rapá, eu vou morrer, assim”. Eu ando assim, aí começou a doer, me deixou com invalidez, sabe? Pra comer, pra tudo, sexualmente, com... Conheci um amigo meu, daqui do Rio, que

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tava lá em Brasília, nessa época eu morava em Santa Teresa e tinha... uns ponto de artesanato na cidade, barraca, banca, com tudo. Aí eu cabei de almoçar, morando ali na Santa Cristina, eu tinha uma cachorra e fui dar uma voltinha depois do almoço com a minha cachorra. Me aparece um amigo, Paulo, daqui que há muito tempo eu não via. Coisa de Deus. “Oi, eu vim aqui visitar minha mulher e meu filha, e tô indo ali, em Campo Grande, mas eu não sei onde é”. E ele tava com uma moto, assim, daquelas CB.

Eu falei “Pô, vamo lá em casa, descansa um pouquinho”, pra ele descansar, tomar um banho e pra almoçar, depois a gente vê isso. “Tranquilo. E aí? Qual a situação? Como é que é isso?”. “Ah, eu conheci uma mulher no Campo Grande, eu tenho o endereço, mas não sei onde é”. “Então tá, então tá. Vamos descer aqui, vamos pegar a autoestrada Lagoa Barra com essa moto aí, a gente chega lá em meia hora”. E aí eu fui. Aí depois eu relatei a minha situação, e tal. Ele falou “Pô, tu vai pra Brasília, que em uma semana tu faz isso”. “Porra, tô quase morrendo há quase dois ano. Perdi a vaga, perdi exame, perdia tudo”. Aí eu fui para Brasília. Realmente eu cheguei numa semana lá, o cara fez a perícia lá. Falou que eu sofri uma delatação normal, e como está até hoje, que ela não aumenta e nem diminui. Não dói nada. Mas todo mundo “Pô, o que que é isso?”. Mas quase não dói nada, coisa nenhuma não, né, não me prejudica em nada não. Ela não aumenta. Agora no início foi fogo. O médico lá que me operou, eu me lembro até hoje, um japonês. Eu quase morri nessa operação, que o cara me deu uma... uma anestesia local, tipo aquelas garrafa de cerveja. Eu quase não voltei, mas Deus não deixou... Entende? E eu também não quero... Eu tive até falando com a Valeska, “Ah, mas você tem que marcar”. Mas não. Eu vou ter que eu voltar em Brasília mêrmo. É que lá eu não fazia, aqui eu vou esperar na fila, já sei como é que é esse negócio e, ahhhh.

Olha, quando eu cheguei em Brasília, eu fiquei três anos lá. Me arrependi de ter saído de lá. Aaah, lá só tem diferença de praia. Sabe? Mas tem cachoeira, tem lagoa. Olha, para trabalhar, es- tudar, ter família não é São Paulo, é Brasília. É. Eu cresci bem lá em Brasília. Poxa, eu tou com meia-meia agora, isso tem mais ou

menos uns vinte anos e alguma coisa. É. Por aí... Aí eu conheci um pastor lá e tal... Aí eu fui parar, parei na Igreja Presbiteriana Independente. Fui pra a Pastoral, sou pastor também. Eu me formei nela, lá em Brasília. Aí eu dava aula dominical e tudo, etc. Fazia reunião. Mas depois eu abri uma estamparia, fazia silk, brush... Eu sei essa coisa toda. Entende?

Aí, vou chegar lá. Aí, apareceu umas mulher lá na igreja, tudo casada, sabe? Tudo... aquelas tentações... O pastor comprou uma Kombi lá, branca, tinha... como é que se diz? Aquele ne- gócio, é? Ele fazia aquelas reuniões de um dia pro outro... Ai, ai, ai. Virgília! Virgília. Lá em Água Quente, onde tem a fazenda do Sarney, lá tem água quente mêrmo. E aí ele comprou uma Kombi. Aí ele levava o pessoal depois na virgília, ia buscar, aí deixava cada um na porta da sua casa e tal. Mas quando eu tava fazendo a reunião, doutora, tinha uma mulher que aparecia na igreja, que ela tirava a minha concentração. Aí um dia eu falei para ela “Vem cá, vou falar uma coisa para você. As tentação, sabe? Uma coisa estranha, sabe, entendeu? Aí outro dia con- versei com você, né? Eu gostaria de falar uma coisa para você que você não me levasse a mal, mas que você não viesse na minha reunião, porque toda vez que eu olho para você eu perco a concentração e você olhando para mim”. Aí tá.

Aí um dia eu vim com a kombi, todo mundo soltou, “Ô irmã, a senhora não vai saltar não?”. “Não. Você num já levou todo mundo? Agora quem vai dirigir você sou eu, vambora”. É, ela me sequestrou. Ela me levou pro hotel. Aí não foi só ela não, teve uma segunda. No mesmo estilo. Eu falei “Pô, e agora? Alguém vai me ver, vai falar pro pastor, o Pastor João, um pastor legal”. Só tinha ‘quant’ só milionário nessa igreja. Eu fui o único pé rapado que entrei ali, com uma apresentação também de um outro amigo que tinha entrado lá. Aí ele me deu uma casa com dois quartos, sala e cozinha e tal, na Asa Sul. Puxa, montou um negócio, uma torre lá, só coisa legal. Mas essas mulheres que estragam sempre, fui vítima de vocês. Porra. Aí eu... voltando atrás, quando eu tava indo para Brasília, eu encontrei um amigo meu, um músico também, o Raposo. Ele tava no Alto Paraíso de Goiás. Lá pra fazenda Matão. Mas depois me dá o endereço. Aí, fui... Que viagem! Me deu o endereço. “Pô, vai lá pra Paraíso

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de Goiás, pô. A gente vai invadir um garimpo lá e que não sei o quê e tal, tudo bem”. Aí eu fiquei lá em Brasília, não guardei o endereço e tal. Aí eu tô trabalhando lá e tal, tudo direitinho, na boa. Aí depois o pastor lá me botou lá como motorista da Caixa Econômica lá, num emprego que eu tava, então falei “Pô, eu tô bem, vou para onde? Tenho trabalho, tenho casa. Tô com Deus, primeiramente. Eu vou fazer o quê?”. Mas aí apareceu essas mulher...

Mas as pessoas descobriram, claro, alguém viu, sempre vê. Era o pastor. Veio falar comigo, eu falei “Pô, Jesus, tu sabe, né, são as coisa da tentação, a carne às vez é fraca, é muito difícil. O Senhor sabe como é que é, né?”. Então tivemos um entendimen- to, sabe, então passou... Mas eu fiquei constrangido, sabe? Eu fiquei muito constrangido com a situação toda. É aquela história, né? Aí eu saí, por conta própria, mas ninguém me mandou em- bora não. Tá? Ele me deu um aval. Mas mêrmo assim eu fiquei constrangido. Aí eu fiquei assim, sem cara. Sabe?

Aí eu me lembrei. Oxe, agora eu vou ver esse negócio aqui, do endereço que ele deixou comigo, e vou pro Alto Paraíso de Goiás. Fui pro Alto Paraíso de Goiás. Fui lá na fazenda lá, o dono andava de avião. Tinha plantação, tinha cultivação de maconha, tinha de tudo na fazenda. Era o paraíso mêrmo. Aí eu fui depois pra... pra... pro Alto... pra Fazenda Matão, né, onde era no garim- po. Lá a gente pegava pepita de ouro, igual a um carvão. Lá não tinha onde gastar dinheiro não. Aí juntava um dinheiro, juntava um dinheiro no banco em Brasília, e ia botando, ia botando, ia botando, ia botando. Aí eu vi que eu tinha um dinheiro legal, aí eu falei “Saber de uma coisa, vou me embora pro Rio, tá?”.. Foi o maior pensamento errado. Aí eu chego, vou alugar um apartamento no Leblon, por temporada, logo. No Leblon. Bacana, sou bacana. Comprei logo um carro, daquele com in- jeção eletrônica, tem o reck, joguei uma prancha em cima. “Tá aí, menino do Rio”. É. É... é isso mesmo, vai fazer o quê? Aí, durou dez ano esse dinheiro. Durou dez anos e alguma coisa. É. É, pô. Vamos viver a vida, puxa vida, será se eu morro amanhã, não sei, só Deus sabe o amanhã. Barril 800, Torre de Babel, aquelas night do Rio, eu aaaahhhh... só curtindo...

eu fiz um superfilme. Ao vivo. Inesquecível. Aí eu olhei assim “O que que eu vou fazer agora, hein?”. Aí, sempre bem contatizado. Pô. Sempre bem contatizado com as pessoas. Boa comunica- ção, uma coisa que eu gosto também, boa comunicação. Sabe? Aí comecei a trabalhar aí com o pessoal ali da rua, e tal. Aí tinha uma portuguesa, um dia ela arrumou uma briga comigo. Virgínia. Portuguesa linda. E era dona de uma porção de loja em Copacabana. E ela tava estudando, terminando o curso dela nessa faculdade no Fundão.

Aí, o dia que essa mulher me conheceu na rua, tomando chopp, arrumou uma briga comigo, porque eu falava “Pô, você bota esse carro velho teu aí, tira esse lixo daí pro ferro velho” e tal. “Pô, esse teu carro aí me atrapalha, pra mim trabalhar com o carro das pessoa aqui na rua”. E eu caí para dentro. Ah, não sei o quê, ela me chamava de Cabelinho. Ô Cabelinho. Aí tal, eu não falei mais com ela não. Pô, mas eu não me ofendi nem nada não. Aí um dia ela apareceu, não sei se você conhece ali um pouco a Zona Sul, na Ataulfo de Paiva ali, onde tem a Rio Lisboa, a padaria.

Aí me chamou pra tomar um chopp, fiquei assim, “Você vai arrumar uma briga comigo, a gente foi para tomar um chopp, eu não tô entendendo nada”. “Olha, tá tudo bem. Tá legal”. Aí depois ela me convidou pra jantar com ela no apartamento dela. E eu falei “Que isso? Você me deu bola?”. Aí eu fui. Eu fui, uns amigo de faculdade, um pessoal legal, maneiro, com apresentações. Aí ela tinha uma Marajó que ela tinha comprado, própria, que ela comprou, e tal. Ela arrumou um negócio muito travado. Muito travado, me prendeu. Porque eu ia pro meu tra- balho, tal. Aí de manhã ela falava “Pô, me leva lá na faculdade, depois você vai me buscar”. E aí eu tava lá, tô naquele jogo com aquela jogada toda. Falei “Ah, como é que é isso, hein? Porra. Tô indo pro meu trabalho e pá, receber meu dinheirinho e tal”. Independentezinho de qualquer maneira, que eu sempre gostei de ser independente. Sabe? É, eu tô olhando. Aí eu levava ela na faculdade, com o carro dela, aí certa hora terminava, eu ia buscar ela. E eu não tinha tempo mais para nada. Sabe? Ela me botou num jogo. É. Me prendeu.

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pra caramba comigo. E eu nunca fui assim de ficar muito preso, não combina muito comigo. Aí depois ela terminou o curso dela, ela inventou de ir pro Juazeiro da Bahia. Aí eu olhei assim para ela, falei na cara de pau para ela: “Olha, eu só vou pra Bahia com você, se você me conseguir um emprego lá estadual, federal, municipal, que eu seja independente. Eu não quero ficar lá como se fosse teu cafetão e tal. E surfistazinho e tal, não. Eu não quero isso comigo não” e tal. Aí eu fui pra lá com ela, eu fiquei mais ou menos dois meses com ela na Bahia, aí eu... daqui a pouco eu tava “Eu vou embora”. “Que daqui a pouco... falar a verdade pra você. Você arruma um piru mais gostoso e aí acabou, pra mim não ficar a pé e fudido, não quero isso...”. É. Pôôô. Eu sempre fui um cara assim...

Quando eu fui pra Brasília, eu sabia que minha mãe ia fechar os olhos. Eu sabia que ela ia morrer, eu não ia ver, e antes de ela morrer eu falei assim para ela: “Sou vivo”. Aí eu vim, trabalhei

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