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Toda a intenção de trabalho é droga O costume é usar droga”

No documento Histórias de Vida, vozes da rua (páginas 198-200)

O dinheiro vendendo lata... Tá chovendo pra cacete. O que acon- tece quando eu vendo é usar droga. Claro! Toda a intenção de trabalho é droga. O costume é usar droga. Não vai comer um biscoito. Eu como doce, todo dia. Eu não consigo ficar sem chupar uma bala, comer um pirulito, comer chiclete. Vou comer um doce, uma bananada. Aí vai um doce de amendoim, um doce branco, mas é doce demais! Mas aí eu fui, com um sono danado, aí o que eu vou fazer? Quando acabar de garimpar aqui, eu vou comer, vou comprar um... dois pacote de biscoito, vou lá no fundo pra dormir. Caô, foi dois real mesmo! Peguei meio a meio, peguei... Fumei, fiquei ligadão, trabalhei de novo pra fumar de novo. Agora recentemente é isso, tu vai, fica com vontade e fala: “Tenho que comer um negócio, tenho que comer alguma coisa”. Aí tu pega o dinheiro e... Aí o cara até come um negócio aqui, um bagulho de menos de cinquenta centavo, que é o que sobrou. Aquela coisa que não sobra nem prum copo, porque o copo é cinquenta. Tem que comprar um copo, vai usar o dos

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outros? Isso aqui, é meu cachimbo. Isso aqui é uma bica. Achei na rua, lá no Mandela. O cachimbo é feito de bica. O problema é o vício. É um cacete ter uma bica, assim! Tá suja é porque eu fumei, tá preto. Isso é resíduo do crack.

O crack tem efeito colateral, claro, pô! A senhora não viu eu não, nervosão aí? Isso é efeito colateral. Ó, o efeito colateral, os machucado. Sujeira, isso é sujeira. Tu fica sujo? Tuas pernas. Fica aqui... Isso é marca de sujeira, a minha perna não é preta, minha perna é branca. Aqui, esfreguei, mas não sai de lá, não. Isso é efeito colateral da droga. Sujeira. É cheio de feridinha. Tu acha que eu me machuquei em algum lugar? Não, é ferida que aparece do nada. É, descuido. Porque você não tá cuidando do teu machucado. Se eu venho aqui e coloco curativo, aí tapar e não deixa respirar o machucado, então não é bom, tem que deixar respirar o machucado. Não tem jeito.

Mas a gente tá na rua, eu entro ali no lixo toda hora pra pegar latinha, esses bagulho aí. Cheio daquelas coisas imundas lá, podre. E esse machucado aqui foi o pior. Sabe como é que eu rasguei o pé aqui? Com uma latinha, amassando latinha. Eu pisei nela, machuquei... Simples fato da latinha. Ficou um tempo maneiro pra sarar a ferida. Igual a esse cachimbo aqui, eu não vou usar ele, eu não meto a boca aqui. Tá maluco, tá sujo! Tô guardando ele porque eu lavo. Vou lá no... O bico dele, eu não vou botar a boca no bagulho que eu coloquei em cima da pia do banheiro. Cheio de bactéria. Ó a cor dele, Deus que me perdoe! É ruim.

Outra coisa também. Quando falam aí, que eu sou viado, só porque eu não pego cracuda. É, cracudinha, na verdade cracuda. Pego mesmo não, já não chega eu sujo. Ah, é mulher, mas a pessoa não toma um banho. O é que é isso? Vamos viver legal. Todos nós sabemos que a mulher que é limpa, é normal. Nós sabemos que a mulher que é limpinha, que se limpa todo dia direitinho, nós já sabemos, que o negócio já tem um cheiro desagradável, independente da limpeza. Porque é o cheiro dela mesmo, não tem jeito. Não é verdade? Então o que acontece? Imagina aquela que não lava? Tem gente que aguenta, mas o negócio é um veneno. Então, tu vai ficar botando a cara ali? Não boto não. Tudo bem que tu vai se satisfazer ali, mas eu sempre

faço sozinho, minha mão é poderosa. Não é melhor?

Tem que pegar o macete delas. Tem umas ali que parece que tá sempre de banho tomado, cabelo molhado. Aí, esses dias agora, eu fui debaixo daquela ponte ali que... Esses dias agora, eu fui fumar uma pedra ali debaixo, aí eu peguei o macete. Copo de água, molha o cabelo, limpa as canela e o pé. Sai dali como se tivesse com banho tomado. E o resto? E o principal? O principal continua sujo. A melhor parte continua suja. Aí tu vê uma menina até bonitinha na favela, todo dia tem crack o dia todo, todo dia tem o loló o dia todo. E de onde essa porra desse dinheiro tá saindo? Tá ganhando de graça? Não faz nada pra ninguém, não move um músculo. Bonitinha. Tem umas meninas linda ali na rua mesmo. Tem só mulher feia não, tem muita mulher ruim e feia ali, mas tem muita mulher bonita e gostosa ali também. Que... Tu vê fumando, dá até raiva.

Tem uma morena ali, que porra, muito linda. É uma morena linda, enche o meu... Ah, não tento, cara. Tá maluco? Cracudo não pode ter envolvimento com cracudo não. É cracuda, cracuda não pode namorar não. Relacionamento sério com cracuda? Não vai ter. Qual é a da cracuda? Ela quer fumar, você tem que bancar o crack dela. Aí tu não tem, e aí vem um cara, convoca ela, oferece dez, ela vai com o cara. Aí tu fica pensando assim, aí eu construo o túnel. Aí eu vou construindo. Eu construo o pensamento todinho pra ver se vai valer a pena. Aí tu vai lá, vê a menina malhadona... Às vezes sujona, não escova o dente há anos. Enfermidade não é só aids, até bactéria te prejudica. Porra, é por isso que é ruim ser inteligente... Se eu não soubesse disso, pegava qualquer uma. Porque não existe só o HIV. O HIV é uma coisa que vai te matar certo. Até, tem vários tipos de HIV também, uns quatro tipos. Várias coisas que a mulher pode ter na boca. Até um dente podre às vezes te prejudica.

Eu me sinto muito sozinho. Só choro sozinho, não ando com ninguém. Eu gosto muito de... juntar. Por exemplo, somar o material, junta tudo, e vende junto que vai dar um dinheiro ma- neiro, que no final de tudo a gente compra uma pedra e divide no meio. Vai valer a pena. Eu tenho o meu pra somar, então vamos somar. Aí depois de tudo, eu prefiro garimpar dois do que garimpar um. Igual no baile, tu pega um amigo, vai, quinze

No documento Histórias de Vida, vozes da rua (páginas 198-200)