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HAROLDO, 43 ANOS

No documento Histórias de Vida, vozes da rua (páginas 110-114)

Não sei minha data de nascimento. Escolaridade é CA. CA, o cara que não aprendeu nada. Sou analfabeto, pronto. Nasci no Rio de Janeiro. Carioca da gema.

Consultório na Rua? Cuidado que eu tenho. Cuidado que eu tenho que... um dia eu procurei eles, que eu tava com... Antes disso, quando eu era menor, eu procurei eles, que eu tava com essa perna aqui, com essa ferida na perna. Aí deu tapuru na per- na, tá entendendo? É lixo. Eles me ajudaram, me... me medica- ram, me deram ajuda, me levaram pro hospital lá, conseguiram arrumar uma internação pra mim lá no Hospital de Botafogo. Eu fiquei internado lá, ficou melhor a minha perna. Então, como eu sou usuário de crack, eu sinto muita dor. Usuário... eu sou carro flex, eu uso todas as drogas, eu sinto dor no corpo, lá foi o loló. Loló, a loló faz, é... nosso osso ficar doendo, ficar fraco, então... Nós procura sempre, né, vim aqui tomar um banho, faz um lan- che, comer uma alimentação. Eles trata nós bem, entendendo? Bate um papo com nós, tira um exame de sangue pra ver se nós está com... com diabetes, se está com aids, se está com não sei o quê, diarreia. E hoje, hoje eu tô com o que hoje? Hoje eu estou com... quê? Hoje eu estou com dor. Estava com dor quando eu cheguei aqui. Só que o quê? O médico, o nome qual o médico de que eu esqueci o nome dele? Gilberto.

Gilberto me deu um medicamento, botou eu pra deitar um pouquinho, me deu um negó... um lanche pra mim comer, tá entendendo? Depois eu acordei, levantei, tomei um banho, eles me deram uma roupa, uma camisa, um casaco, tomei um banho, e agora estou me sentindo bem melhor e estou aqui nessa sala bonita falando com você, conversando com você.

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Eu descobri... eu descobri esse negócio aqui fazendo um es- cândalo do outro lado do outro posto. Aí tinha uma equipe. Aí esse Gilberto veio e falou “Ô, rapaz, volta aqui”. Tinha outro subst... o outro... o outro médico, que tava do outro lado que era daqui, falou pra equipe daqui que tinha um rapaz que tava é... deficiente, que estava com a perna cheia de tapuru. Tava... Tava... Tava precisando de muito ajuda, estava junto com a es- posa dele, que era eu, tá entendendo? Tapuru é um bichinho que entra dentro das pernas, que come. Come... a nossa... a nossa carne, os nosso negócio, tá entendendo?

Eu tavo... Não. Com um bichinho não. Eu tavo com milhões de bichinhos. Milhões. Graças a Deus, hoje eu não tenho mais nenhum bicho na perna. Graças a Deus, hoje eu estou curado, graças a Deus, hoje eu venho e faço... eu faço um curativo, só um machucadinho, por causa de que eu caí. E... e sou bem feliz aqui, muito alegre. Fui... sempre bem, bem cuidado aqui. Não tenho nada de falar, nenhum mal daqui. Tipo assim... eu falo, eu só falo somente a verdade. Tinha assim, quando é um local que te deixa... meio... um local que tu não gosta, tu não vai pra... pra esse local. Tá entendendo? Então quando o local é maneiro, a pessoa te trata bem, ainda mais que é um usuário de droga... a pessoa volta. Tá entendendo?

Que tipo assim, se eu tratar você mal, você vai gostar? Não, né? Eu não vou voltar a aquele lugar. Antes daqui... deixa eu falar uma coisa pra você, meu doutor? Vou falar um lance pra tu, mas é a... a real. Em não gosto de ir no, no... no UPA do Jacaré. Eu posso estar morrendo, mas eu não vou. Não vou. Num gosto. Sou costumado aqui mêrmo. O único mêrmo que vai atrás de mim na rua é a equipe de Gilbert... É a equipe geral de Gilberto e o Gilberto. Que eu corria deles que nem é lá o correr do touro, mas eles vinha atrás de mim.

Pô. Seria bom um local que nós, morador de rua, pudesse... pelo menos... tomar um banho e dormir. Tá entendendo? Eu fico aqui, que aqui é um local pra se tratar, tá entendendo? Pelo menos um lugar pra se deitar. Pra comer uma comida. Tomar um... um medicamento... pra calmar nós. Uma palavra... uma palavra sadia, de amigo... um médico, um doutor... uma psicóloga. Pra... sabe, de... Tá entendendo?

O processo da rua foi assim, né, cara, eu tinha perdido a minha mãe, dez anos de idade. Tinha dez anos de idade, Central do Brasil, carnaval. Explodiram a minha mãe. Foi desse jeito que eu... que eu toquei drogas. A cola, o tinner, a cocaína, a maconha. Aí, depois disso, já veio o crack para o Rio de Janeiro, a loló... o estasy. Eu sou aquele cara que usa tudo, sou carro flex. Desde dez anos de idade. Sem fugir de casa, nunca consegui ficar em um abrigo, em nenhum lugar.

Minha mãe é falecida. Não tem ninguém por mim nessa vida não. Meu irmão tá preso, é bandido. Já fui também... fiquei bandido também. Eu era de lá, do... tinha uma rua em vista, né? Pra mim olhar. Mas era disso... de tudo nessa vida. Já tive um acidente de trem também. Foi, porque eu fui lá em cima do trem, tava em cima do trem, surfando. Foi um moleque lá, pum, me empurrou, vum, eu caí. Tomei um choque elétrico. Fui parar no CTI, depois fui pra UTI. Graças a Deus estou aí. Aprendendo, vivendo.

”Mas está faltando sabe o quê? A vergonha na cara

da Prefeitura ajudar mais eles aqui, ó. E aí vai ajudar

mais nós”

E fiquei com o... com a deficiência, perdi o braço. Foi aí que eu perdi o braço. Eu fico muito grato que hoje, dias de hoje, tem esse projeto aqui pra nós. Se não tivesse, o que seria de nós? Nós, moradores de rua. Porque eles têm carinho. Têm paciência com nós. Que é pra tu ver que a galera dorme tudo aí, ó. Dorme aqui perto da unidade. Por causa de que eles sabem que se eles passar mal, eles podem vir aqui, vai ser bem atendido. Tu toma banho, faz lanchinho. Mas está faltando sabe o quê? A vergonha na cara da Prefeitura ajudar mais, mais eles aqui, ó. E aí vai ajudar mais nós, sabe por quê? Eles faz isso de bom coração pra nós. Tá entendendo? O carinho que eles têm por nós, a nossa família mesmo não dá para nós.

Tenho amigos na rua, mas... Eu procuro ficar mais... mais... Eu prefiro ficar mais dis, dis, dispersado. Eu só, um sozinho. Não misturo com ninguém. Que... quem anda com porco, farelo come, sabe como é que é, né? Tá entendendo? Então não gosto

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de... mais se envolver em besteiras. Enfim, agora... que quando você se envolve na besteira, você acaba cheirando besteirada. Como a mulher de um colega meu, que morreu. Não é de hoje, tenho amigo não, cara. Sabe por causa de quê? Eu tava passando mal, tava com diarreia. Um do... pedi a um amigo pra me trazer. O amigo falou “Pô, não tem como, que eu vou fumar um crack”. Eu acordei quatro hora da manhã pra vir para cá. Eu paro na B2. Bandeira 2. B2 é lá do outro lado do Jacaré. Aonde tinha o babaca aí do Jacaré? Tiveram na regra deles aqui, ia lá, ia lá atrás atender nós lá. Tudo pessoal de lá tá precisando de ajuda, que eles não ajuda. O pessoal do Jacarezinho vai lá. Eles aqui já ia lá. O desligamento do negócio. Tá entendendo? Por causa de bagulho, as pessoas com tuberculose, com negócio. Tem pessoa que não consegue nem levantar do chão. Lá, papai, na Bandeira 2.

Aqui também no Jacaré. Eles forçaram esse negócio aí, ó. Aí nós tem que vir aqui. Porque eu tava sentindo dor. Dois dias. Sábado e domingo. Nas costas. Por causa da loló. A loló dá dor nos ossos. Porque você usa muito, você usa, usa, usa, usa usa usa usa vinte e quatro hora. Sem parar. O crack não dá essa dor, só dá nulu... nulu... nulucinação. Nulucinação. Lolóóó... faz

vuuummm, faz “ahhhh”, uma respiradinha assim... dá sooono...

hummm... Que inclusive a hora de... se o clima é da cerveja, tu tá bêbado, tu continua assim. Bateu, já tá te deixando mole. A dor é o remédio, né cara. Tomei remédio já, mediquei, to- mei banho. Sabe? Igual quando estou sujo? Já... deixei minhas roupas. Tava com as roupa fedendo, eles me deram... eles me deram, eles fizeram curativo em mim. Eu caí. E eles me levaram aqui. Eles melhoraram. Eles melhoraram.

Eu peço esmola. Lá tem um sinal. Mais alguma coisa, doutor? Quando o senhor precisar de mim, pode vim me chamar. Nós passa mêrmo, de verdade. Valeu? Aqui é igual família.

“A droga faz com que

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