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Em meio a identidades e diferenças

No documento rosalindacarneirodeoliveiraritti (páginas 121-129)

Nesse encontro, o destaque não foi a condição de sermos, todas nós, mulheres. Tal condição, que poderia, de certa forma, nos aproximar, não contou muito para elas naquele momento; o que contou foi aquilo que mais parecia nos diferenciar: nossa cor de pele, nossa condição social. Ana Paula e eu as “brancas” e “ricas”; elas, as “pretas” e “pobres”. Enquanto o gênero nos aproximava, a raça e a classe nos afastavam. Ao mesmo tempo essas condições se entrelaçavam dando visibilidade aos atravessamentos entre gênero, raça e classe que posicionam os sujeitos, diferenciando-os: branca-rica-patroa ≠ preta-pobre-empregada.

Não pude deixar de me lembrar do que havia lido em “Alice”. Por alguns momentos, podemos ter a ilusão de que o fato de sermos mulheres, mesmo que múltiplas (SCOTT, 1995; LOURO, 2011; BUTLER, 2012), traga possibilidades de apagamento de nossas diferenças; como se estivéssemos no “bosque em que as coisas não têm nomes”. Mas basta um momento para que essas diferenças tomem o seu espaço, os nomes nos classifiquem e nos separem. O que aconteceu nesse encontro nos ajuda a por em questão a possibilidade de uma categoria “mulheres” que consiga dar conta de toda e qualquer mulher existente (BUTLER, 2012). Aponta para a multiplicidade que somos e para a impossibilidade de haver uma representação única que nos una a todas em uma identidade comum, tendo em vista os atravessamentos que embaralham nossas identidades e produzem nossas diferenças.

Os Estudos Culturais nos apontam para identidade e diferença como relacionais. Para que a identidade exista, é necessário que algo exista fora dela, constituindo- se assim em uma diferença. E esse algo, essa diferença, nada mais é do que outra identidade (WOODWARD, 2009, p.9). Portanto, quando falo de identidade falo de diferença e vice-

versa. Mas como isso se dá?

As identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade, pois, não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença. Nas relações sociais, essas formas de diferença – a simbólica e a social – são estabelecidas, ao menos em parte, por meio de sistemas classificatórios. Um sistema classificatório aplica um princípio de diferença a uma população de uma forma tal que seja capaz de dividi-la (e todas as suas características) em ao menos dois grupos opostos – nós/eles [...]; eu/outro. (WOODWARD, 2009, p. 40-41 – destaques da autora)

Entre os sistemas simbólicos de representação está a linguagem. A identidade e a diferença só são possíveis dentro da linguagem. O ser algo, como por exemplo, “o ser

brasileiro não tem nenhum referente natural ou fixo, não é um absoluto que exista anteriormente à linguagem ou fora dela” (SILVA, 2009, p.80). Sendo assim, o que se diz sobre determinado grupo social, ou seja, os discursos produzidos sobre tal grupo acabam por criar as condições pelas quais um indivíduo passa a ser identificado ou diferenciado dele. É assim que se dão as demarcações, os enquadramentos e as classificações. Assim formam-se as representações que acabam por nos produzir. Isso acontece com as classes, com as raças, com os gêneros...

Silva (2009, p.80) inspira-se em Jaques Derrida para dizer que a linguagem “é uma estrutura que balança”, pois é marcada pela ausência do objeto a que se refere e “na medida em que não pode, nunca, nos fornecer essa desejada presença, a linguagem é caracterizada pela indeterminação e pela instabilidade”. Nesse sentido, a dependência que a identidade e a diferença mantêm com relação à linguagem faz com que ambas sejam, também, indeterminadas e instáveis (SILVA, 2009, p.80).

Quando definimos identidades e diferenças, enquadramos indivíduos e grupos sociais em determinadas representações criadas discursivamente em meio a relações de poder. E como marcas da presença do poder temos: “incluir/excluir („estes pertencem, aqueles não‟); demarcar fronteiras (´nós‟ e „eles‟); classificar („bons e maus‟; „puros e impuros‟ [...]); normalizar („nós somos normais; eles são anormais‟)” (SILVA, 2009, p.82). Assim, mudando-se os discursos e as representações, mudam-se as identidades, mudam-se os sujeitos de uma identidade. Mudam-se as diferenças que também podem ser diminuídas. Mudam-se as relações.

No entanto, importante ainda é lembrar que a subjetivação não se dá independente do sujeito. Já vimos a importância das relações que ele, o sujeito, efetua consigo mesmo e que também o subjetivam. Os demarcadores externos, construídos na linguagem e criando as representações com as quais o sujeito se identifica, acabam por incitar nele o exercício de práticas e a aplicação de técnicas que o produzem. Dessa forma, o próprio sujeito age sobre si mesmo, produzindo-se de acordo com aquilo que está nos discursos e representações nos quais se insere e com os quais se identifica, mas pode também resistir ou romper com essas mesmas representações e discursos, como teremos a oportunidade de pensar mais adiante, para, então, produzir-se de outras formas.

Com tudo isso em mente, podemos avançar para uma demarcação colocada já no título desta tese: “mulheres mães na periferia”. Assim chamo as mulheres com quem pesquisei. E me baseio nas demarcações produzidas socialmente através dos discursos e representações. Daremos ênfase, neste momento, à demarcação “na periferia”. Uma

demarcação que as coloca em uma identidade social – criada por quem? – e as difere das que moram no centro, nos bairros com condições materiais mais satisfatórias. Essa diferença é assumida por elas, a exemplo da fala de Vânia com relação a fazer determinado curso que eu havia lhe oferecido no passado e que ela, por receio de me decepcionar – fiquei sabendo disso na pesquisa40 –, não aceitou: “[...] a gente fica assim, totalmente num casulo, a gente vai sair

do mundo que é nosso, vai entrar no de vocês, como que eu vou me comportar lá?”. Nessa

fala, Vânia me coloca em um mundo e elas em outro, sendo o delas um “casulo”. Quais são as minhas diferenças? Diferencio-me delas pela cor da minha pele, pelo bairro em que moro, pelas minhas possibilidades materiais. Condições que, no mínimo, exigiriam delas um comportamento que desconhecem. Estou exposta, então, a outros significados produzidos de forma que eu crie outros sentidos para minhas experiências, subjetivando-me de outra maneira. Estar na periferia é ter uma produção diferente. De que forma se produzem? A que significados estão expostas as pessoas de lá? Como dão sentido às suas experiências? Como pensamos a periferia?

“Periferia” é um termo polissêmico.

Em termos mundiais, o conceito de periferia foi reforçado após as duas grandes guerras, e acirrado com a Guerra Fria, destinando o status de centro àqueles países de maior poder econômico e militar, e de periférico aos mais pobres, dependentes, com problemas de infraestrutura [...]. Nas cidades, o conceito se aplica [em relação] ao espaço onde está o centro econômico do poder. Do lado oposto estaria a periferia. (PALLONE, 2005, p.11)41

Em seu sentido urbano, registrado no Dicionário Michaelis42 online, “periferia” caracteriza uma “região distante do centro urbano, com pouca ou nenhuma estrutura e serviços urbanos, onde vive a população de baixa renda.”. Nesse sentido, a palavra é comumente usada em oposição a “centro”. É, assim, uma diferença marcada e inserida em uma lógica binária, que como já temos discutido, marca identidades e diferenças. Cai na dicotomia centro-periferia que nutre a ideia centro/melhor/mais e periferia/pior/menos.

Embora a palavra seja bastante utilizada para nomear os bairros que se encontram afastados do centro urbano, também conhecidos como bairros populares, subúrbios

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Será que eu poderia considerar esta como uma possível resposta para indagações antigas, quando eu, junto com alguns/algumas companheiros/as do Centro chegamos, por várias vezes, a oferecer cursos para os/as adolescentes que, por sua vez, não aceitavam nossas propostas?

41 Simone Pallone (2005) traz os termos “centro” e “periferia” baseada em conceitos do Prof. Manoel Lemes da Silva, professor de planejamento urbano da Faculdade de São Marcos, em São Paulo.

42 Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues &palavra=periferia>. Acesso em: 20 fev.2015.

ou favelas, não podemos nos prender a um conceito meramente geográfico, pois a questão socioeconômica se faz muito presente para a identificação daquilo que chamamos periferia. Simone Pallone nos traz que

No contexto brasileiro, a palavra periferia é algo típico do processo de metropolização dos anos 1960/70. O termo tem sido usado para designar loteamentos clandestinos, ou favelas localizadas em áreas mais centrais, onde vive uma população de baixa renda (PALLONE, 2005, p.11)

Parece-me que, nesse sentido, a palavra “periferia” está mais atrelada ao abrigo da população pobre do que à questão de sua localização. A proximidade desse conceito com o conceito de favela também pode ser percebido, e, hoje, é comum tratar “favela” e “periferia” como sinônimas, designando, assim, em muitas vezes, a um mesmo lugar, as duas classificações. Em ambos os conceitos, a dicotomia está presente.

Thaís Troncon Rosa, em trabalho apresentado no 33º Encontro Anual da ANPOCS43, em setembro de 2009, nos fala das dicotomias que insistem em aparecer nos estudos que tratam de favelas e periferias.

Acompanhando os caminhos que promoveram a construção social das favelas e periferias no âmbito dos estudos urbanos, é possível compreender que já na origem de ambos os conceitos estariam presentes interpretações dicotômicas da cidade, das quais esses fenômenos urbanos seriam o avesso: territórios à parte, sem lei, sem Estado, sem urbanidade. Produzidos em sentido contrário aos discursos e práticas normatizadores da sociedade – urbanísticos, jurídicos, políticos, entre outros – esses espaços seriam o extremo oposto da ordem e da formalidade da cidade.

Consolidadas nos debates acadêmico e político e legitimadas socialmente como os espaços da pobreza nas cidades, as favelas e periferias seriam mesmo indissociáveis da concepção dual – e hegemônica – da realidade urbana, que no decorrer das últimas décadas se expressaria através de diferentes polaridades, „tais como formal-informal, integrado-excluído, favela-bairro, centro-periferia‟, sempre tendo a questão da „ilegalidade‟ como um dos „critérios diferenciadores‟ desses supostos polos. (ROSA, 2009, p.s/n – destaques da autora)44

A autora ainda nos aponta que através desses estudos, esse tipo de tematização com relação às favelas e periferias acaba sendo incorporada nas mais diversas entidades e movimentos da sociedade civil. “Além disso, as representações do senso comum permanecem profundamente atravessadas por esses modelos dicotômicos de compreensão da sociedade e

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Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais.

44 A autora cita: LAGO, Luciana Corrêa do. Favela-loteamento: re-conceituando os termos da ilegalidade e

da cidade” (ROSA, 2009, p.s/n). Também percebo que a opinião mais recorrente encontrada no senso comum é a de que tanto “periferia” quanto “favela” designam o lugar de pessoas pobres, negras, não raro, de marginais; lugar de bandidagem e marcado, principalmente, pelo tráfico de drogas e a violência, como se em outras localidades essas condições não existissem. A mídia acaba reforçando essa opinião comum ao divulgar notícias relacionadas a essas ideias e fazendo parecer que não existem outras possibilidades de vida nos bairros periféricos e favelas, o que acaba naturalizado (SILVA; BARBOSA, 2005). Essas ideias, no entanto, fazem parte de um processo histórico. No Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro do século XIX, vamos encontrar os cortiços.

Considerado o locus da pobreza, no século XIX, [o cortiço] era local de moradia tanto para trabalhadores quanto para vagabundos e malandros, todos pertencentes à chamada „classe perigosa‟. Definido como verdadeiro „inferno social‟, o cortiço carioca era visto como antro da vagabundagem e do crime, além de lugar propício às epidemias, constituindo ameaça à ordem social e moral. Percebido como espaço propagador da doença e do vício era denunciado e condenado através do discurso médico e higienista, levando à adoção de medidas administrativas pelos governos das cidades. (VALLADARES, 2011, P.24)

Tais medidas incluíam a destruição dos cortiços existentes e a proibição de novas construções dessa natureza45. (VALLADARES, 2011). A partir de então, os moradores de cortiços instalaram-se nos morros, onde qualquer tipo de construção era permitido. Nasceram, assim, as favelas que herdaram não só os moradores dos cortiços, mas toda a gama de discursos a eles dirigidos.

Num trabalho onde analisam as favelas e periferias do Rio de Janeiro, Silva e Barbosa (2005)46 nos trazem que a favela, desde suas primeiras formações que datam da virada do século XIX para o XX, é tida como [um] lugar definido pela ausência – de infra-estrutura, higiene, moralidade – e marcada pelo sentido negativo que indica sua invisibilidade, não só por parte do senso comum, mas também pelas autoridades e intelectuais. Definida, então, a partir de juízos pré-concebidos, a favela é vista como um problema cuja dimensão só se agrava com o decorrer do tempo. Marcada pelo preconceito e descaso daqueles que, no lugar de buscarem conhecer seus problemas para apresentar soluções, empurram-na morro acima, escondendo-a das vistas burguesas que buscam a „beleza‟ e não a „feiura‟ da cidade, foi alvo constante de políticas paternalistas, autoritárias, assistencialistas cujo

45 Em 1893, o prefeito Barata Ribeiro, ordena a derrubada do cortiço Cabeça de Porco, na cidade do Rio de Janeiro. Mais tarde, construções do mesmo tipo foram encontradas no Morro da Providência, também no Rio de Janeiro (VALLADARES, 2011, p.24).

objetivo maior se resumia no controle social sem considerar as demandas dos seus moradores [e moradoras]. Estes[/as], por sua vez, estigmatizados[/as] e fadados[/as] à discriminação, carregam, ainda hoje, o peso da identificação com a desordem, com a imoralidade, com o crime, com a violência, enfim. (RITTI, 2010, p.80)

Essas mesmas impressões são registradas por Thaís Troncon Rosa (2009) e Lícia do Prado Valladares (2011). Daí, podemos situar os discursos e representações a que estão expostas as mulheres com quem pesquiso. A área do bairro onde residem47 é, muitas vezes, chamada de favela. Elas não gostam muito dessa designação, mas admitem que ela exista. É comum, no entanto, que se refiram ao bairro como “morro”48, novamente se aproximando dos mesmos sentidos dados à favela desde suas primeiras formações, no início do século XX, no Rio de Janeiro. “As duas denominações são, portanto, utilizadas como sinônimos há muito tempo” (VALLADARES, 2011, p.33). Pesa, ainda, na construção de suas identidades, a história do próprio bairro, que foi habitado a partir da apropriação irregular de terras antes de propriedade do antigo e extinto Banco Nacional da Habitação (BNH), e, posteriormente, quando da extinção desse banco, repassadas para a Caixa Econômica Federal. Por esse motivo, os/as moradores/as são posseiros/as, não têm escrituras de suas residências e constroem suas casas sem projetos e, na maioria das vezes, com ajuda de amigos/as e vizinhos/as e a participação de profissionais que também moram no local. Isso sinaliza o descaso das autoridades públicas com relação às condições de vida da população do bairro, que permanentemente se encontra com problemas de rede de esgoto, conta com um posto de saúde precário entre outras questões. Essas condições aproximam o bairro e as pessoas que vivem ali das construções discursivas e representações que se têm das favelas do Rio de Janeiro (SILVA; BARBOSA, 2005; VALLADARES, 2011) entre elas as que trazem as conotações de perigo e desordem social e colocam a cidade em uma ordem dicotômica, como já visto.

Os autores e autoras consultados/as (SILVA; BARBOSA, 2005; ROSA, 2009; VALLADARES, 2011) concordam que esses discursos dicotômicos devem ser desconstruídos por não darem conta da dinâmica social. As relações sociais se dão em

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Para esta tese resolvi não identificar o bairro em que se produziu a pesquisa. Isso se dá porque, como já foi relatado, as mulheres resolveram assumir seus nomes próprios. Precisar a localização e o nome do bairro pareceu-me comprometedor com relação às identidades das pessoas que participaram diretamente da pesquisa, assim como daquelas que aparecem nas narrativas das mulheres, para as quais utilizei pseudônimos, mas que poderiam ser facilmente identificadas caso o bairro fosse nomeado. Penso ser este um procedimento ético e que não coloca em risco a qualidade do trabalho de pesquisa e nem seu texto final.

complexidades que não cabem nas classificações apontadas de formas polarizadas como centro/periferia, legal/ilegal, bairro/favela, moral/imoral, entre outras. Além disso, pode-se dizer que nem favelas nem periferias constituem-se em homogeneidades. Algumas favelas cariocas são, hoje, pontos turísticos importantes e abrigam pessoas com diferentes situações econômicas49. Têm acesso a bens e serviços, desfrutam de tecnologias entre muitos benefícios que em outros tempos eram inacessíveis. “A favela corresponde hoje a uma realidade muito diversa do fenômeno que esteve em sua gênese” (VALLADARES, 2011, p. 153). Da mesma forma, “a noção de periferia uniforme, ocupada por um grupo socialmente homogêneo – „os pobres‟ -, marcada pela ausência de equipamentos e serviços urbanos vem sendo sistematicamente contraposta” (ROSA, 2009, p.s/n.). As populações hoje se misturam de tal modo nas cidades que podemos notar, nesse sentido, “tanto a implantação de condomínios de alta renda nas periferias, como a difusão da pobreza urbana por diversos espaços da cidade, para além da sua concentração nas periferias” (ROSA, 2009, p.s/n.). Mesmo diante dessas mudanças já observadas, os discursos e representações mais insistentes acabam caindo nos polos periferia/favela/pobreza/ilegalidade/informalidade/imoralidade... versus centro/bairro/ riqueza/legalidade/formalidade/moralidade... Tal polarização “acaba por se reproduzir em discursos midiáticos e informa o senso comum, alimentando a (re)produção de estereótipos e a interpretação homogeneizante de fenômenos tão complexos e diversos quanto as favelas e periferias urbanas” (ROSA, 2009, p.s/n). Poderíamos complementar que esses estereótipos recaem sobre e afetam a construção das identidades das pessoas que moram nesses lugares. Como vimos na fala de Vânia, a polaridade está posta ao dividir “mundo que é nosso” e mundo que é “de vocês”. Outras falas e situações aconteceram durante a pesquisa que reafirmam as representações desses dois mundos. Cabe ainda a observação de que a identificação com tais discursos e representações concorre para a fixação de identidades que, por muitas vezes, se veem em dificuldades para se enxergarem de outras formas e/ou em outros lugares.

– “Você falava assim „não, se vocês quiserem fazer CTU50

a gente vai ajudar vocês a entrar´, você lembra? Era eu, a Raquel, a Tami, aí quando a gente tava sozinha: „ah, mas eles vão pegar o dinheiro deles, vão ajudar a gente, se a gente não...‟, [...] „gente, eles vão pegar o dinheiro deles, vão pagar faculdade pra gente, a gente vai lá, preta, a gente não tem roupa,

a gente não tem dinheiro, a gente não tem lanche pra ficar lá todo dia, não tem como... eles

49 Como é o caso da Favela da Rocinha, por exemplo. 50

Em alusão aos cursos técnicos do então Colégio Técnico Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora cujo exame de seleção indicávamos que tentassem, contando com nossa ajuda para os estudos preparatórios.

já tem os filhos deles, a gente vai lá no meio dessa gente, bancar... e se a gente tomar pau?

Vai tomar pau!‟” (Vânia)

Isso implica na permanência em determinadas posições de sujeito marcadas pela subalternidade e inferioridade, colaborando para a manutenção da ordem dicotômica e das desigualdades.

Tudo isso me ajuda a pensar que as mulheres com quem pesquiso, nos colocam, então, diante de algumas dicotomias: centro-periferia, rica-pobre, branca-negra, homem-mulher. Joan Scott (1995) sinaliza que as dicotomias que demarcam os gêneros mostram o lado masculino como o bom, o positivo, o mais forte. Do lado feminino está o mau, o negativo, a fraqueza. Poderíamos pensar o mesmo com relação à condição de moradoras na periferia, condição que será implicitamente pensada nos atravessamentos de raça e classe, já que a negritude e a pobreza caracterizam essas pessoas. Sabe-se que os discursos sobre classe não se detém apenas à questão econômica e que os discursos sobre raça não se referem somente à cor da pele, pois ambos se ampliam para vários outros fatores (ANDRADE, 2008). Contudo, é a cor da pele e o fator econômico que estão mais presentes na diferenciação dessas duas categorias. Quando respondem o que as leva a se identificarem como negras, o que acaba sobressaindo nas respostas apresentadas por todas as mulheres na pesquisa é a “cor da pele”.

Culturalmente, a cor preta referencia, na maioria das vezes, coisas negativas, enquanto a branca, coisas positivas. Ouvimos frequentemente expressões como: a coisa tá

preta, tem uma nuvem negra em minha vida, faça serviço de branco, ele é um preto de alma branca. Essas são expressões ainda muito presentes no cotidiano de pessoas que, muitas

vezes, ingenuamente, carregam e perpetuam os preconceitos presentes nelas, preconceitos que

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