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6.2 O IP nas empresas portuguesas

6.2.1 Empresa A

A empresa A está sediada no norte do país, em Lousada, e dedica-se ao fabrico de mobiliário de escritório. Trata-se de uma empresa familiar portuguesa, fundada em 1947. Ao longo dos anos a empresa evoluiu para uma Holding e, desde há 10 anos, possui uma gestão independente onde estão presentes elementos da família e a administração. Atualmente, e com o crescimento do negócio, a empresa integra um grupo composto por uma empresa industrial (empresa em estudo e que é em simultâneo a sede) e empresas comerciais. As empresas comerciais do grupo situam- se em Portugal, em Lisboa e Porto, e em Angola, com cinco pontos de venda. A fábrica de Lousada possui uma estrutura média, com 160 colaboradores sendo que o grupo, no total, possui 240 colaboradores. O fabrico é feito exclusivamente por encomenda do cliente, dentro da gama de fabrico existente ou por projeto, à medida do cliente. Trata-se de uma empresa muito virada para o mercado externo, ao nível das exportações, representando aquele cerca de 78% das vendas, sendo que 45 a 50% são para o mercado angolano. Outros mercados relevantes são Espanha, França e Inglaterra. A faturação anual do grupo ronda atualmente os 24 milhões de euros.

Na tabela 6.2 é apresentada de forma sumária a identificação da empresa A, bem como uma caracterização básica em relação ao IP, que poderá servir de referência para a análise que se segue.

Tabela 6.2 – Caracterização sumária da empresa A

EMPRESA

A

IDENTIFICAÇÃO

ATIVIDADE CONFIGURAÇÃO DIMENSÃO

Fabrico de mobiliário de escritório

Grupo Português composto por uma Holding (Indústria e Comercial)

Empresa de média dimensão

INTERNATIONAL PURCHASING

MATURIDADE REPRESENTATIVIDADE DEP.COMPRAS –CONFIGURAÇÃO É considerada uma empresa imatura e termos de IP

(processos mal definidos), embora com histórico de longa data em compras internacionais.

Imaturidade essencialmente em mercados geográficos distantes.

Entre 32 a 38% das compras totais.

Existe um departamento de compras autónomo e um responsável de compras desde há cerca de 13/14 anos

99 O desencadeamento do International Purchasing

A empresa A é um dos casos típicos de empresas fundadas e desenvolvidas por uma família portuguesa e que se caracterizou, no início da sua atividade, por uma forma de gestão familiar mais conservadora. Efetivamente, desde a sua fundação, em 1947, até há cerca de 14 anos, esta empresa não possuía um departamento de compras, estando a responsabilidade das compras a cargo do Diretor Geral da empresa. De acordo com o atual Diretor de Compras, há 20 anos o mercado do mobiliário de escritório onde se inseria a empresa A carecia de oferta, estava estagnado e não havia grande exigência em termos de procura. Na altura, ao nível das vendas, predominava o mercado nacional e já existiam algumas vendas para Angola não muito significativas. Como se depreende, as circunstâncias do mercado não implicavam grandes exigências em termos de compras, o que poderia justificar, em certa medida, a não existência de um departamento autónomo para aquela função. Apesar desta realidade, o alargamento das compras aos mercados estrangeiros teve o seu início nos anos 80, altura em que foi feito um acordo com uma empresa de mobiliário alemã para a compra de componentes, dos quais aquela empresa era a principal fornecedora. Após este início de internacionalização a montante, seguiu- se o mercado italiano, que historicamente era, e é, considerado o fornecedor por excelência de cadeiras para as classes média e média/baixa (mais concretamente de todos os componentes necessários para as cadeiras).

Durante largos anos o IP restringiu-se aos mercados europeus, geograficamente mais próximos, estando estas compras também a cargo do Diretor Geral da empresa. O alargamento do IP aos mercados intercontinentais, nomeadamente o mercado chinês, acontece em 2001, pouco tempo depois da chegada à empresa do atual Diretor de Compras. É também nesta altura que é criado um Departamento de Compras autónomo, consequência natural da delegação da responsabilidade das compras.

O principal produto que a empresa A foi procurar e que compra ainda no mercado chinês são as cadeiras, produto este que é estandardizado. O objetivo inicial do alargamento das compras ao mercado chinês foi fundamentalmente conseguir comprar a preços mais baixos e resultou de uma iniciativa de prospeção de mercado, levada a cabo pelo responsável das compras. Atualmente, e apesar de considerar que está a haver um retrocesso das compras à China por parte das empresas do mesmo ramo, essencialmente devido à rigidez dos prazos de entrega, a empresa A continua a comprar na China. As razões da manutenção deste mercado prendem-se com o facto do mercado chinês ser o único que consegue fornecer nas quantidades que a empresa A necessita, mantendo

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o preço e não apresentando problemas de qualidade significativos. Isto mesmo é confirmado pelas palavras do entrevistado, segundo o qual:

“A compra de produto acabado em mercados distantes subsiste porque a fonte de fornecimento é fiável e adequada às quantidades de compra (pequenos lotes) e a manutenção de preço assegurada […] Neste momento (ainda) não há fornecedores nos mercados de proximidade com esta capacidade e preço”.

Além do mercado chinês, a empresa A iniciou recentemente relações comerciais ao nível das compras com os EUA (desde 2013), resultante de uma parceria feita com uma empresa multinacional no âmbito de um produto específico – componentes de secretária. Até à data, os resultados têm sido muito satisfatórios.

Neste momento, e face à totalidade do volume de compras da empresa, o IP representa cerca de 32 a 38%. As restantes compras são feitas internamente a fornecedores portugueses e são, na sua maioria, matéria-prima, mais concretamente chapa. É de realçar que, apesar de a chapa ser comprada a fornecedores portugueses, ela é proveniente de importação. Já os produtos procedentes diretamente do IP variam consoante o país de origem. Assim, na Europa são comprados componentes e produto acabado, na China é comprado fundamentalmente produto acabado, mas também alguns componentes. Nos EUA são comprados componentes de secretária, provenientes de uma multinacional americana, que fornece o referido material a partir das suas unidades de produção situadas no próprio país e ainda na Tailândia e na Malásia.

Apesar da empresa A ter já um longo historial de IP, nomeadamente no mercado europeu, o Diretor de Compras considera que existe alguma imaturidade a esse nível. A este respeito, diz:

” A empresa tem um pouco falta de maturidade, essencialmente devido à sua expansão muito rápida, ao facto de estar inicialmente centralizada num mercado para o qual não havia muita exigência em termos de compras e à rápida e significativa (grande) mudança do mercado – em 20 anos houve um aumento substancial da oferta de produto e clientes de áreas geográficas distintas. O Departamento de Compras viu-se obrigado a acompanhar todas estas mudanças, exigindo uma reestruturação num curto período de tempo (4-5 anos), o que não foi fácil.”

O entrevistado salienta ainda que a imaturidade no IP é sentida essencialmente em mercados geograficamente distantes, nos quais as compras são “prática recente”.

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A estrutura organizacional e os processos de compra (no mercado internacional)

Com já foi atrás referido, a empresa A só possui um Departamento de Compras autónomo desde o ano de 2001 aproximadamente. Aquele que é ainda hoje o Diretor de Compras foi a mesma pessoa que há 14 anos veio integrar os quadros da empresa com a responsabilidade de gerir e desenvolver o departamento então recém-instituído. Neste momento estão afetos ao Departamento de Compras cinco colaboradores cujas responsabilidades estão assim divididas: três aprovisionadores (para as compras regulares, já estabelecidas), um comprador nacional e um comprador internacional. Foi referido pelo entrevistado que os requisitos fundamentais para integrar o Departamento de Compras eram possuir formação ao nível da licenciatura (de base técnica) e dominar línguas estrangeiras, nomeadamente o inglês.

Atualmente, o Departamento de Compras possui grande autonomia em termos prospeção, negociação e aprovisionamento, ou compras regulares, já estabelecidas e negociadas. No entanto, se partir do Departamento de Compras a proposta de alguma peça, material ou solução nova, esta terá que ser sempre avaliada e aprovada pelo Grupo de Projeto e a Direção Geral antes da compra ser efetuada. Aliás, uma das características fundamentais para o bom funcionamento do Departamento de Compras e realçado pelo entrevistado é o alinhamento e proximidade com o Departamento Comercial. Efetivamente, com a crescente customização dos produtos às exigências dos clientes e com a cada vez maior pressão para a redução dos prazos até à chegada ao mercado, a alinhamento entre as compras e o Departamento Comercial é vital para a manutenção dos níveis de serviço ao cliente, em tempo útil. Citando o entrevistado:

“A customização obriga a que cada vez mais haja um alinhamento das compras com o departamento comercial; é necessária uma atitude muito reativa (e preventiva) porque os prazos são muito curtos.”

Em termos de procedimentos do Departamento de Compras, não existe na empresa A uma distinção clara entre aquilo que é a gestão do IP e a gestão das compras nacionais. As compras são encaradas de igual forma nem há qualquer ajustamento ao IP por parte do Departamento até porque, quando ele foi criado, o IP já era praticado a nível europeu, tal como foi referido atrás. Apesar disso, existe uma pessoa que está mais vocacionada para os mercados de compra internacionais, e que é simultaneamente o responsável do Departamento.

No que diz respeito aos fornecedores, estes são selecionados essencialmente com base nas condições oferecidas, nas condições do próprio mercado, na análise da concorrência e não tanto pelo seu país de origem. Nas palavras do responsável das compras:

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“Os fornecedores são escolhidos por produto e pelas condições oferecidas. Existe um procurement sistemático de potenciais fornecedores que é (ou pode ser) baseado nas informações recolhidas dos clientes, fornecedores, empresas concorrentes,… É muito importante estar atualizado e acompanhar o que está a acontecer no mercado (ver o que os outros estão a comprar, investigar potenciais fornecedores, ver condições oferecidas, etc) […] O preço é um fator preponderante na escolha dos fornecedores”. O facto da empresa A possuir fornecedores estrangeiros é encarado como uma inevitabilidade porque, citando o entrevistado “não existe mercado doméstico que consiga satisfazer as necessidades da empresa”, em termos de quantidades, preço e níveis de exigência.

As relações com os fornecedores são, de uma forma geral, bem resolvidas mas o responsável pelo IP confirma que é necessário haver diferenciação nessas relações, essencialmente por questões culturais. A propósito desta constatação, o entrevistado afirmou mesmo que “o comprador tem que ser um camaleão”, uma vez que tem de adaptar a sua maneira de estar e de se relacionar com os fornecedores de acordo com o seu país de origem/cultura. Foi salientado ainda durante a entrevista que as relações pessoais com os fornecedores continuam a ser extremamente importantes para a preservação e longevidade das relações comerciais, e que são uma prioridade para a empresa.

A nível logístico, foi dito pelo entrevistado que as questões logísticas no contexto de IP não constituem um entrave à prossecução das compras e, por norma, são resolvidas sem grande dificuldade. A este propósito, foi destacado que a vasta oferta atual de operadores logísticos com elevada experiência a nível internacional faz com que a logística associada às compras seja fácil de solucionar.

O International Purchasing e a competitividade da empresa

As prioridades competitivas da empresa A estão definidas e são o prazo de entrega e a diferenciação (produção por projeto, muito customizada). Segundo o entrevistado, e sendo esta uma empresa muito virada para o mercado, as prioridades referidas são as que melhor potenciam a competitividade da empresa.

Cada vez mais o produto é customizado à medida das exigências do cliente e cada vez mais os prazos até à chegada ao cliente são mais curtos. Esta tendência para uma crescente customização dos produtos obriga a uma também maior capacidade de resposta por parte da empresa de modo a que, em tempo útil, esses mesmos produtos possam chegar aos clientes. Neste aspeto, o facto de a empresa ter uma estrutura média e trabalhar com pequenos lotes é considerada uma

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vantagem relativamente à concorrência, nomeadamente em relação às grandes empresas. Efetivamente, e de acordo com a perspetiva do entrevistado, estas últimas possuem normalmente produtos mais estandardizados e apresentam pouca flexibilidade, decorrentes de estruturas mais rígidas, complexas e que as tornam mais demoradas e menos reativas, em particular no que diz respeito às compras. A empresa A, segundo o responsável das compras:

“ […] consegue ser mais flexível, muito à custa da capacidade de reação das compras (consegue comprar o componente “à medida” do cliente em tempo útil); os canais de comunicação são mais curtos, mais informais, o que torna o processo de compra mais rápido e mais reativo”.

Esta capacidade para agilização de procedimentos é considerada fundamental para o sucesso da empresa. No entanto, e não obstante a flexibilidade existente, o Diretor de Compras realça igualmente que a customização do produto:

“ […] faz aumentar a pressão sobre as compras” porque “os prazos para os clientes mantêm-se e a resposta a pedidos personalizados pode tornar o processo de compras mais complexo”.

Daqui se depreende a necessidade de existir um alinhamento e maior proximidade do Departamento de Compras com o Departamento Comercial, como já foi, aliás, referido anteriormente. Especificamente em relação ao IP, não há referências particulares quanto ao papel desempenhado por aquela função no contexto global das compras efetuadas pela empresa. Como já foi atrás dito, a função compras é encarada como um todo homogéneo e a importância percebida desta atividade não distingue o tipo de compras que é feito ou a origem dos seus fornecedores.

Quanto a indicadores ou objetivos fixados pela empresa referentes às compras ou particularmente ao IP, eles não existem. Segundo o responsável do Departamento de Compras:

“Quanto a indicadores quantitativos (de IP), não há nada sistematizado em termos de indicadores, é tudo muito informal. Ao nível de indicadores relativos às compras, é muito fraco, porque não existem.” Ainda dito pelo entrevistado: “não preciso de vender o meu trabalho através da apresentação de KPIs; o resultado do meu trabalho vê-se e é reconhecido.”

Os indicadores que existem são operacionais e fixados a nível global na empresa, como por exemplo rácios compras/vendas e nivelamento/rotação de stocks.

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Em suma, e segundo o que foi dado a perceber durante a entrevista, a empresa A reconhece de forma inequívoca a importância da função compras para o bom desempenho da empresa, no seu todo, não havendo distinção entre compras nacionais e o IP. É igualmente reconhecida a inevitabilidade e absoluta necessidade de se trabalhar com fornecedores estrangeiros pelas razões já apontadas atrás (preço, quantidades e níveis de exigência). Sobre esta questão, foi referido ainda pelo entrevistado o seguinte:

“ […] mesmo que o Departamento de compras tivesse como objetivo desenvolver os fornecedores portugueses, isso seria extremamente difícil, devido aos níveis de exigência e preço requeridos pela empresa. Neste momento, não há empresas portuguesas que queiram ser fornecedores para este nível de exigência e, além disso, não querem correr o risco de ficarem muito dependentes de um comprador; não há cultura empresarial na indústria portuguesa (predomina a gestão tradicional, familiar, avessa ao risco).”

Na tabela 6.3 pode ver-se o excerto da análise de conteúdo que resume a descrição efetuada em relação à empresa A.

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Tabela 6.3 – Parte da análise de conteúdo relativo à empresa A

TEMAS CATEGORIAS SUB CATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Como é que é desencadeado o international purchasing nas empresas industriais? FATORES INFLUENCIADORES

PRODUTO COMPRADO Essencialmente componentes e produto acabado.

INFLUÊNCIA DA SC/CLIENTE

A SC influencia na medida das quantidades exigidas e preço (a que o “mercado de proximidade, diga-se Europa” não consegue dar resposta), prazos de entrega ou níveis de qualidade exigidos.

CARACTERÍSTICAS DO MERCADO

Histórico de fornecimento por parte de alguns países, qualidade, capacidade produtiva, análise da concorrência (benchmarking)

OUTRAS MOTIVAÇÕES Preço

Relação entre as questões organizacionais /estruturais e os processos de compra nos mercados internacionais ORGANIZAÇÃO DO DEP COMPRAS

CONFIGURAÇÃO Existe um departamento de Compras autónomo e um responsável de Compras desde há cerca de 13/14 anos. AUTONOMIA Funciona de forma autónoma, se forem compras regulares.

PROCESSOS Compras diretas

RECURSOS HUMANOS Estão afetos ao departamento de compras cinco colaboradores.

QUALIFICAÇÕES/PERFIL Ao nível da licenciatura e domínio de línguas estrangeiras.

FORNECEDORES

SELEÇÃO/AVALIAÇÃO Os fornecedores são escolhidos com base nas condições oferecidas e tendo em conta o mercado e a concorrência. FORMAS DE COMUNICAÇÃO É privilegiado o contacto pessoal, embora as TI sejam

também muito importantes. CARACTERIZAÇÃO DAS

RELAÇÕES

Existe diferenciação nas relações com os fornecedores essencialmente por questões culturais.

MATURIDADE DAS RELAÇÕES Privilegiam-se as relações de longo prazo.

LOGÍSTICA

ORGANIZAÇÃO Toda a logística está organizada e bem definida. GESTÃO DOS SERVIÇOS

LOGÍSTICOS

Em termos logísticos, todo o processo está sistematizado. Existe alguma rigidez nas compras feitas à China.

Contributo (como e de que forma) do international purchasing na competitividade das empresas PRIORIDADES

COMPETITIVAS DEFINIÇÃO Prazo de entrega e diferenciação.

OBJETIVOS

DEFINIÇÃO (S/N) Não estão definidos objetivos mensuráveis para o

International Purchasing no departamento de compras.

DESCRIÇÃO -

BASE TEMPORAL/CONTROLO -

CONTRIBUTO DO DEP DE COMPRAS/IP

MEDIÇÃO Indicadores IP, não existem diretamente como contributo

do Dep. Compras, no entanto existem os globais.. PERFORMANCE DA EMPRESA

Exemplo Rácios Operacionais -Compras / Vendas

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