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1 OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

1.1.2 Encaminhamento indicado para o tema

Em suma, os princípios, muito embora assim se denominem, têm por finalidade atingir um critério eleito do que é justo, porque o sistema os elevou à categoria de maior importância axiológica e neste ponto passa a ter uma natureza interpretativa, pois indica o

330 Art. 12, CC Italiano: Interpretazione

della legge: Nell'applicare la legge non si può ad essa attribuire altro senso che quello fatto palese dal significato proprio delle parole secondo la connessione di esse, e dalla intenzione del legislatore.

Se una controversia non può essere decisa con una precisa disposizione, si ha riguardo alle disposizioni che regolano casi simili o materie analoghe; se il caso rimane ancora dubbio, si decide secondo i princìpi generali dell'ordinamento giuridico dello Stato.

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GALGANO, Francesco. Ob. cit., p. 61, no caso de não ser possível o uso de analogia para resolver uma lacuna, o juiz deve decidir segundo os princípios gerais do ordenamento jurídico do Estado: “...sono principi

nos scritti che si ricavano per induzione da una pluraritè di norme e che rappresentano le direti]tive fondamentali cui appare essersi ispirato il legislattore”.

332

GAZZONI, Francesco. Manuale di diritto privato, p. 50.

333

Idem, p. 51: L’individuzazione non può dunque non passare attraverso una atentaa analisi delle norme

constituzionali, ció che conferma com e in sontanza i principi stessi sono quelli su cui si bassa l’assetto socio-politico della Nazione in un dato momento. Non è un caso, del resto, se numerosi giuristi, facendosi portavoce de gli interessi della classe politica dominante dell’epoca propugnarano l’introduzione nel Codice Civile del 1942 di una precisa elencazione dei principi generali dell”ordenamento fascista, al fine di vinculare anche il giudice civille alla asservanza non più dei principi dello stato ma di quelli regime.

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Manual de derecho civil español, 5ª ed., Madri, Revista de Derecho Privado, 1978, v. I, p. 143: Desde el

punto de vista de una abierta contradicción entre una ley o costumbre com los princípios, se niega la posibilidad de su valoración supralegal ya que ‘la seguridad jurídica exige que el Juez omita sus valoraciones personales y aplique la norma sin correcciones extrapsotivas no prevista em ella, pues en

limite da discricionariedade do aplicador do direito, contudo está demonstrado que na ausência de regra poderão ser aplicados com força coercitiva.

Imaginando o exemplo já dado, do maestro, a orquestra e a obra a ser executada, pode- se fazer uma analogia para concluir que a obra tem o significado de algo justo e equânime, o princípio geral que impõe uma conduta humana a ser seguida; a orquestra é o modo que esta conduta será operacionalizada; e o maestro o intérprete ou aplicador do direito. A obra a ser executada nunca perderá sua essência, será sempre o princípio, o início contendo em sua essência o sentimento de justiça e por maiores arranjos musicais que se façam na peça artística, esta não perderá seu conteúdo inicial, que sempre será reconhecido. Por melhor que seja o trabalho do maestro na condução da orquestra ele jamais poderá descaracterizar a obra do artista, ou seja, não se poderá modificar o âmago dos princípios gerais eleitos pelo agrupamento humano como importantes para sua sobrevivência.

Toda essa conclusão decorre de serem os princípios gerais o substrato da justiça.

Como se vê, os princípios gerais dão unidade ao sistema jurídico e isso somente será aceitável se for possível compreender sua característica coercitiva, do contrário seria apenas um penduricalho a enfeitar uma regra, entretanto eles não são ditados apenas pela boa vontade de um legislador atento aos acontecimentos sociais, mas decorrem das aspirações próprias da humanidade, que são eternas de justiça e harmonia, o que só pode ocorrer com a obediência a regras imutáveis e universais referentes ao conceito de justiça além de outras que dependerá da evolução do momento ético, econômico, social e político de determinado grupo.

Destaca-se que os princípios gerais podem ser vistos como uma limitação coercitiva a uma outra que permite liberdade de escolha de atuação, quando, por exemplo, em sua aplicação no direito administrativo, em que o administrador público é contido na prática de um ato discricionário pelos princípios gerais, como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro em seu exaustivo estudo sobre a discricionariedade que lhe valeu o cargo de professora titular na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo335.

general el mejor modo de realizar la justicia en una sociedad democrática es conformarse al orden creado por lãs normas legales.

335

Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, p. 172: “Quando a Administração se vê diante de uma situação em que a lei lhe deixou um leque de opções, a escolha há de fazer-se com observância dos princípios gerais do direito.

Conclui-se que os princípios gerais possuem característica coercitiva, como uma regra jurídica e as demais características a elas inerentes, contudo, além disso, são fundamentos de interpretação do conteúdo normativo, do mesmo modo que inspiram o legislador que não poderá escapar de seu alcance, sob pena da norma criada ser injusta, já que contrária aos anseios da sociedade336.

Sobretudo, há de se apreciar os princípios gerais como uma maneira de arejar um ordenamento de qualidade fechada, como modo de modernizar as leis estanques às novas categorias e relações sociais, ainda que não se tenha a jurisprudência como fonte absoluta de direito337.

É o entendimento de Cassagne, que nos parece irrepreensível, ao afirmar que a ‘discricionariedade não implica um arbítrio ilimitado nem absoluto... Assim é que os princípios gerais do direito operam como garantia que impedem o abuso dos poderes discricionários por parte da Administração, pois se aqueles são a causa ou base do ordenamento jurídico, não pode conceber-se que o exercício dos poderes discricionários pudesse contrariá-los.”

336 Partindo-se para uma apreciação casuística da questão ora posta, saliente-se que o Superior Tribunal de

Justiça, ao interpretar o cabimento de recurso especial com fundamento na letra “a”, do inciso III, art. 105 da Constituição Federal, ou seja, contrariar lei federal, compreende que o mesmo se aplica em se tratando de contrariar um dos princípios gerais do direito extraído do ordenamento, conforme demonstra a seguinte decisão:

BRASIL. STJ. REsp 329267 / RS ; 2001/0063815-1 - relatora Ministra Nancy Andrighi - T3 – j. 26/08/2002 - DJ 14.10.2002, p. 225:

“Processual Civil. Ação rescisória. Cabimento. Correção monetária.Termo “a quo”. Incidência a partir da data em que foi procedido o indevido expurgo do índice inflacionário do mês de janeiro do ano de 1989. IPC. Plano verão. Lei n. 6.899/91. Princípio geral do direito que veda o enriquecimento sem justa causa. Art. 485, inciso V, do CPC.

- A expressão "violar literal disposição de lei", contida no inciso V do art. 485 do CPC deve ser

compreendida como violação do direito em tese, e abrange tanto o texto estrito do preceito legal, como a idéia de manutenção da integridade do ordenamento jurídico que não se consubstancie, numa determinada norma legal, mas que dela possa ser extraída, a exemplo dos princípios gerais do direito.

- A adoção de critério de correção monetária deve observar, como termo inicial, a data em que o índice oficial foi expurgado, indevidamente, qual seja, no caso concreto, o IPC, a partir do mês de janeiro do ano de 1989, e, assim, recompor o patrimônio do poupador.” (g.n.)

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Para Norberto Bobbio, na análise da questão, os princípios gerais são esta forma de modernização do sistema jurídico, ainda em países que não adotam a jurisprudência como fonte autônoma de direito: Solo

oggi, nell’’ambito di una dottrina sempre più attenta, anche nei paesi di diritto codificato, alla funzine isopprimibile della giurisprudenza nella transformazione e nella evoluzione di un sistema giuridico, si va facendo strada l’idea che i principi generali siano il prodotto specifico dell’opera innovativa dil giudice, il mezzoprecipro attarverso cui si apre um varco in paese tradizionalmentte ostile, la giurisrudenza come fonte autonoma di diritto.

1.2 - Os princípios gerais e a superação de lacunas

Não há como vislumbrar um ordenamento jurídico sem lacunas, porque será impossível ao legislador observar todas as situações fáticas passíveis de ocorrer, uma vez que não é possível a criação de regras que regulem todas as relações jurídicas; não há como vislumbrar todas as situações que possam ser objeto do comportamento humano, do contrário estar-se-ia subestimando a criatividade do ser humano, a não ser que se admita ser crível um ordenamento de inspiração divina como o Alcorão que, por não compreender que Deus possa falhar, inclui na 18ª Surata, versículos 1e 2: “Louvado seja Allah que revelou o Livro ao Seu servo, no qual não colocou contradição alguma. Fê-lo reto, para admoestar (aos ímpios) do Seu castigo e anunciar aos crentes, que praticam o bem, que obterão uma boa recompensa”338. É a pretensão da perfeição da lei divina, mas não

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O direito muçulmano atinge a todos os fiéis da religião muçulmana, onde quer que eles se encontrem. É uma das maneiras de expressão da religião e é composto pela teologia e a Châr’ia, que é a lei revelada, e o Figh é o conjunto de regras para obedecer a Châr’ia, sendo quatro as suas fontes, a principal o Alcorão.

O Alcorão, recebido por Maomé (571-632) no deserto pelo próprio Deus, não permite que o Direito seja estudado fora da religião. Muito embora o Alcorão, ou Corão, seja o fundamento do direito muçulmano, este não é suficiente para todas as respostas da vida jurídica, razão pela qual são consideradas outras três fontes.

Assim, temos a Suna, a tradição revelada pela maneira de comportamento atribuída ao Profeta Maomé, que deve guiar a vida dos crentes. Em terceiro lugar a Idjmâ, o acordo unânime da comunidade mulçumana; em quarto, o Qiyâs, o raciocínio por analogia.

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo, p., 516: “Nem o Corão, nem a Suna, apesar da extensão que lhes foi dada, podiam dar resposta a tudo. Para suprir a sua insuficiência e para explicar também algumas derrogações aparentes ao seu ensino, desenvolveu-se o dogma da infalibilidade da comunidade muçulmana, quando ela exprime um sentimento unânime.” E esta comunidade, que emite este parecer, é composta de sábios e tem a função de revelar o direito.

É desta forma que se desenvolveu o raciocínio por analogia, isto é, nem os sábios doutores da lei poderiam observar todos os acontecimentos cotidianos, porém, diante da pretensão de que o direito muçulmano seja completo, criou-se a Qiyâs, que embora seja um raciocínio por analogia, está alçado à importância de ser fonte do direito, mas somente é admitido como modo de interpretar o direito, jamais de produzir, já que este é uma criação de inspiração divina.

DAVID, René. Idem., p. 521: “Também os processo de raciocínio, que permitiriam uma evolução do direito, são considerados com grande suspeição e geralmente condenados no islã. Não se admite que a opinião pessoal de um crente (raï) possa servir de base a uma solução do direito muçulmano; o apoio que ele pretendesse buscar na razão ou na eqüidade seria insuficiente para lhe dar autoridade, pelo fato de o direito muçulmano não ter uma essência racional, mas sim religiosa e divina”.

GILISSEN, Introdução história ao direito, p. 122. O Figh, concebido no século X é, por princípio, imutável, mas recebeu adaptação da vida política e social contemporânea. Como afirma John Gilissen, “o direito muçulmano contém poucas disposições obrigatórias; deixa uma grande liberdade aos homens, pelo menos aos chefes de família. Um h’adith diz: ‘Podem fazer-se convenções para além daquilo que a Lei revelada prescreve’. Existem por conseqüência grandes possibilidades de adaptação no domínio dos contratos, o que permitiu a introdução de numerosos princípios do direito comercial moderno no mundo muçulmano, desde que estes não sejam contrários à Châr’ia”.

possível na prática.

Como se viu, os princípios gerais adquirem uma força coercitiva na superação de lacunas, isso porque o legislador assim o determinou e outra razão não poderia haver, entretanto alguma lacuna poderá surgir por descuido do próprio legislador ao formular uma norma defeituosa, assim é necessário verificar se nesse caso os princípios poderão ajudar no preenchimento de lacunas dessa natureza.

A doutrina tem se dividido entre os que consideram que o ordenamento jurídico é sempre lacunoso, de outra parte, há quem afirme que a lacuna é impossível de ocorrer, ainda mais se, no caso específico do direito brasileiro, em que o legislador estabeleceu o artigo 4º. da Lei de Introdução ao Código Civil, ou seja, que a própria regra escrita estabelece um critério para que o juiz dê a solução ao caso concreto mediante a aplicação de analogia, dos costumes ou dos princípios gerais. Essa última uma posição legitimamente positivista de encarar o ordenamento.

Na observação da analogia, Pontes de Miranda entende que sua aplicação somente se justifica se a ratio legis for a mesma e não admite uma atividade criadora do juiz, substituindo a vontade do legislador, o que torna a atividade judicial apenas reveladora do direito, mesmo no que diz respeito à analogia iuris, o que pode implicar na aplicação de uma regra jurídica, que muito embora não escrita, já está no sistema jurídico, e quando sua atividade diz respeito a analogia legis, “o que em verdade se faz é explicitar que a) a regra legal exprimiu, no texto, princípio particular, e b) há princípio mais geral em que ele se contém”339.

Para Clovis, na necessidade última de usar os princípios gerais para solucionar a questão, sua utilização faz com que o jurista penetre em um campo maior, em que “procura apanhar as correntes diretoras do pensamento jurídico e canalizá-las para onde a necessidade social mostra a insuficiência do direito positivo. É, então, que o direito melhor se lhe deve afigurar como a ars boni et aequi”340

Ao apreciar a matéria Clovis Beviláqua afirma que, na aplicação da analogia, “a inteligência do jurista procura revelar o direito latente, não, esforçando-se por descobrir uma pretendida vontade do legislador, mas, como belamente disse Paula Baptista, ‘na

339

PONTES DE MIRANDA, Tratado, parte geral, Rio de Janeiro : Editor Borsoi, 1954, T I, p. XIV.

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harmonia orgânica do direito positivo com o científico”341, e examinando o que seria este direito latente, “é o que se revela no momento oportuno; mas, para saber descobri-lo, é indispensável o senso jurídico, que é tanto mais seguro quanto melhor o intelecto sabe repetir as idéias, e o sensório se acha afinado pelos sentimentos, que forma as bases da cultura do grupo social e do momento histórico”.

Larenz342 somente admite, para a eliminação de lacunas, uma valoração de objetivos que estejam regulados na própria lei e uma busca que a transcenda somente pode ser admitida quando todos os outros métodos fracassarem, mesmo assim, que a integração seja mantida nos limites da valoração fundamental do ordenamento jurídico e desde que as considerações sejam especificamente jurídicas, não sendo possível, em suas palavras, uma maneira de dar cobertura ao “arbítrio” do juiz. Mas não se confunda analogia com indução, já que na operação de analogia se estende o que é válido para certo caso com o uso de outro que seja similar, enquanto que na indução, se estende para todos o que for válido para os casos que sejam da mesma natureza343.

Para Larenz o preenchimento das lacunas “exige uma valoração crítica da lei segundo a pauta da sua própria teleologia e do preceito de tratamento igual daquilo que tem igual sentido, as considerações que para o efeito hão-de fazer-se aqui conduzirem já também, com freqüência, a integrar a lacuna”344. Então, nesse caso o melhor seria encontrar qual o sentido teleológico da norma sob exame.

O padrão de preenchimento de lacunas, organizado hierarquicamente, traduz um modelo positivista de solução do problema posto, quase a não permitir uma adequação fora do sistema, entretanto, de tempos em tempos, vozes dissonantes buscam outros meios de interpretação e integração do direito, como, em um exemplo pouco adequado, mas apenas para ilustrar, o caminho do “direito alternativo” percorrido por alguns magistrados, mas, muito embora vazio de conteúdo científico, porém significa um avanço quando se enfoca que é uma resistência a um sistema em muito baseado na regra escrita, encontrado em doutrina como a de Larenz, que eleva a valoração dos objetivos normativos, porém somente quando os modos escolhidos pelo legislador não forem passíveis de resolver a questão.

341

Idem, p. 45.

342

Tratado, parte geral, p. 96. 343

FRANÇA, R. Limongi.Formas de aplicação do direito positivo, São Paulo: RT, 1969, p. 70.

344

A inserção no art. 4º dá a possibilidade de se utilizar os princípios gerais do direito para solucionar o vazio legislativo, nada mais é do que uma regra escrita, nitidamente de conteúdo positivista, pois é uma maneira de dizer que apenas o regulamento soluciona as questões cotidianas, pois o próprio sistema somente autoriza que estes princípios sejam encontrados dentro dele e nunca fora, de tal modo que seria o último recurso do aplicador do direito, quando todos os outros recursos às normas escritas falharem na resolução do problema.

Não é a idéia que se possa retirar da obra de Aristóteles, por exemplo, que entendia ser possível descobrir o justo fora do ordenamento, por simplesmente reconhecer que o legislador poderia falhar e a solução do caso não previsto seria encontrada na simples adequação do que seria justo345, mas até porque Aristóteles confiava que a norma era sempre justa e somente alguns casos não legislados seriam resolvidos fora. Outros tempos!

Assim, se há um reconhecimento da norma com cunho axiológico, ao ser positivada vem ao encontro do que é desejado pelo grupo social que a legitima, entretanto nem todas têm esse conteúdo, já que algumas não se prestam a regular relações em que as questões em que se possa atribuir um valor são seu fim, tendo como enfoque apenas uma situação material sem qualquer relação com o que seja ou não justo, como, v.g., uma regra tributária. Aqui a situação não vislumbrada não é de lacuna, mas de falta de subsunção do fato à norma. Em outro sentido, uma regra que reconheça ou deixe de reconhecer direito a relações amorosas fora do matrimônio, ou, ainda, reconheça direito inerente ao parentesco sem laços consangüíneos têm conteúdo moral e se destinam a suprir o anseio do grupo social a que se destinam.