• Nenhum resultado encontrado

1 OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

1.4.1 Ilustração casuística da questão

A fim de ilustrar a situação, examinemos a decisão do Supremo Tribunal Federal que julgou medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade391, proposta pelo procurador-geral da República, em que se debatia a colisão de direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. Logo, há um conflito entre o princípio da reserva legal, disposto no artigo 225, IV da Constituição Federal392 e o princípio do ambiente ecologicamente equilibrado, princípio extraído do artigo 225 como um todo.

Assim, a ação visa a declaração de inconstitucionalidade do art. 4º, “caput” e §§ 1º a 7º da Lei nº 4.771, de 15/09/1965 (Código Florestal), na redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001393 e para tanto foi pedida medida cautelar que o Tribunal Pleno não a referendou, por maioria de votos, mantendo a constitucionalidade do dispositivo até

391

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC 3540 / DF - medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade - Relator: Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 01/09/2005 - Tribunal Pleno - Publicação: DJ 03-02-2006 PP-00014 EMENT VOL-02219-03 PP-00528

392

BRASIL. CF. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.’ (...).

393

Art. 4º - A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

§ 1º A supressão de que trata o ‘caput’ deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo.

§ 2º A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.

§ 3° O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.

§ 4º O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.

§ 5º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas ‘c’ e ‘f’ do art. 2° deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.

§ 6º Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA.

§ 7º É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa.

final decisão. Seu objetivo é que somente com autorização legislativa poderá haver exploração de área declarada de preservação, sem considerar que a o próprio Código Florestal é esta lei.

Com a análise minuciosa da questão, o STF vislumbrou um conflito aparente de princípios, aplicando o direito de maneira a harmonizá-lo com a necessidade de desenvolvimento econômico, com a seguinte afirmação: “a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, dentre os quais avulta, por sua significativa importância, o direito à preservação do meio ambiente”394.

O mesmo dispositivo constitucional apresenta uma série de princípios, mas ao considerar o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, permite sua exploração econômica, portanto veda e permite ao mesmo tempo, daí se buscar o conceito de equilíbrio, solução que ora se busca nesta decisão, ou, por que não dizer, de bom senso.

Em raso exame há a impressão que se está discutindo qual o princípio mais importante: a preservação ecológica ou o desenvolvimento econômico, os dois de mesma hierarquia. Poder-se-ia afirmar que a preservação visa um direito perene, de interesse de todas as gerações futuras, enquanto o desenvolvimento econômico é de interesse imediato, como sustentou o voto do Ministro Marco Aurélio ao se decidir pela inconstitucionalidade do dispositivo e a necessidade de se manter a cautelar395, o que faz lembrar a seguinte lição de Perelman:

O fato de o juiz submeter-se à lei ressalta a primazia concedia ao poder legislativo na elaboração das regras de direito. Mas disso não resulta, de modo algum, um monopólio do legislativo na formação do direito. O juiz possui, a este respeito, um poder complementar indispensável que lhe permitirá adaptar a lei aos casos específicos396.

394

Segundo o relatório do acórdão, p. 40.

395

Nos termos do voto: “Presidente, para mim, seria suficiente esse aspecto para o endosso de um ato da Presidência, um ato de Vossa Excelência – que já evoluiu, ou involuiu -, que repercutiu muito na imprensa. Hoje, entendo, até mesmo, o móvel dessa repercussão, no que ouvi cinco sustentações da tribuna; todas elas, ou quase todas, calcadas em um interesse isolado e momentâneo: o interesse econômico. Não ouvi, a não ser a do Procurador-Geral da República, autor da ação, uma única voz em defesa do meio ambiente, do ato de Vossa Excelência.”

Mais adiante: “Termino dizendo: pobre Mãe-Terra, pobres gerações presente e futuras no que se acaba por olvidar os parâmetros da Carta da República, os parâmetros voltados à preservação, tanto quanto possível, do meio ambiente, à integridade do meio ambiente, ao respeito ao meio ambiente, no que indispensável ao bem- estar do próprio homem.”

396

A interpretação e aplicação do direito não deixam de ser uma tarefa de construção, mas sem que se esvazie a importância da atividade do Poder Legislativo, haja vista que a norma também é emanada de outras fontes, como o do direito costumeiro, sendo a jurisprudência uma forma de expressão na prática, até porque não se pode olvidar o artigo 5º. da LICC397. Karl Engisch, no caso de conflito entre princípios, entende de maneira pragmática o seguinte:

Por toda a parte se fazem notar na ordem jurídica atritos entre os princípios supremos de todo e qualquer Direito, designadamente os princípios da justiça, da oportunidade prática e da segurança jurídica. Nenhum destes princípios pode ser atuado na sua pureza, um deles há de, em certos casos, ser sacrificado total ou parcialmente a outro.398

Observa ser necessário verificar qual a relevância que lhes pode ser atribuída, já que as contradições entre os princípios são contradições valorativas399.

Limongi França indica a técnica de aplicação dos princípios, a seguir exposta400:

I – Só podem ser invocados à falta de lei, ou que a questão não se resolva de acordo com os costumes;

II – São aplicáveis não só os que informam o sistema positivo, mas também os princípios gerais essências, ou seja, aqueles estáveis, que não mudam com o passar do tempo401, ainda que não desejado pelo legislador;

III – Os princípios contingentes, aqueles que informam o sistema positivo, preferem os essenciais;

IV – A ordem de aplicação é de generalização crescente, no que se refere aos princípios essenciais, todavia, quanto aos contingentes, devem ser primeiro utilizados os relativos aos costumes, para depois se chegar aos os princípios decorrentes dos Direitos dos Povos Cultos, indicados pela doutrina e pelo estudo de direito comparado;

V – Por fim, deve ser considerada a natureza das instituições·.

Essa é a melhor maneira de superar eventuais conflitos, seguindo-se a ordem

397

Essa relevância da jurisprudência, inclusive, vem sendo implantada pelo próprio legislador, como se pode verificar da recente Emenda Constitucional nº 45, que instituiu a “súmula vinculante”.

398

Introdução ao pensamento jurídico, p. 319.

399 Idem, p. 321. 400 Idem, p. 218. 401 Idem, p. 201.

apresentada acima, sem que se crie qualquer contradição na avaliação da solução dos conflitos e a melhor maneira de se prolatar decisões justas e, portanto, legítimas.

1.5 – Conclusão

Dependendo da linha de pensamento a que cada doutrinador faz parte, os princípios gerais serão mostrados com conceito, natureza, conteúdo e alcance diverso, todavia não deixam de ser apresentados como uma baliza de conduta humana que busque otimizar um comportamento justo e equânime.

Princípio é começo, começo de justiça, que nunca se perde em essência e está em seu âmago, daí porque, se o princípio é escrito ou não, será sempre um modo de representá-la, sejam eles criados pela fonte do Direito natural ou que se extrai do ordenamento vigente.

Para o direito brasileiro, os princípios gerais receberam tratamento de importância, tanto que o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil determina que, na ausência de lei, o juiz poderá decidir de acordo com os mesmos, muito embora a diversidade de opiniões sobre se são norma ou modo de interpretação do direito.

O referido art. 4º da LICC indica que os princípios gerais possuem conteúdo interpretativo, pois se trata de uma regra de hermenêutica, todavia há de se reconhecer seu valor normativo, mas fica claro que estes dão unidade ao sistema jurídico, o que somente ocorre com a compreensão de sua característica coercitiva, porque decorrem dos anseios da sociedade por justiça e harmonia, que dependerão de seu momento histórico, econômico e social, contudo não deixam de ser uma fundamentação interpretativa, visto que devem inspirar o legislador e a integração das demais normas.

Para a superação de lacunas, os princípios gerais adquirem a inevitável força coercitiva, já que nenhum ordenamento é completo, muito embora o sistema de preenchimento do vazio legislativo somente permita que os princípios sejam encontrados dentro do sistema, mesmo que uma norma escrita possa colidir com um princípio geral, isto é, uma antinomia.

Considerando-se a antinomia, ainda que de conteúdo axiológico, o que não se confunde com lacuna, os princípios gerais são de elevada importância, haja vista que assumem uma

superioridade sobre a norma positivada, sendo eficazes para a solução do conflito, na medida em que contribuem para a sua interpretação, restando os meios judiciais para a invalidação da norma, se contrária à justiça ou inconstitucional.

Ponderando uma ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, a norma escrita deve ser afastada, uma vez que não pode ser considerada como regra algo que afronte o direito.

No tocante ao conflito entre os princípios, deve-se ter em conta a hierarquia entre eles, ou seja, os princípios contingentes, aqueles que informam o sistema positivo, preferem os essenciais, os estáveis, que não mudam com o passar do tempo. Ainda, quanto aos essenciais, deve-se partir da ordem de generalização crescente, primeiro os relativos aos costumes, depois os decorrente dos Povos Cultos, que são indicados pela doutrina e pelo estudo do direito comparado. Por fim, o critério visa observar qual a natureza da instituição analisada.