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2 – OS STANDARDS JURÍDICOS NO CÓDIGO CIVIL

Os princípios gerais e as regras do Código Civil contêm standards jurídicos que merecem a adequada apreciação individual e contextualizada para vislumbrar sua adequada reflexão criativa. Assim, buscar-se-á indicá-los separadamente.

Muitos são os standards, explícitos ou implícitos como honestidade, razoabilidade, entre outros, mas na essência, podem ser examinados o do justo, boa-fé, razoabilidade, probidade, risco e eqüidade, por serem os adequados para a correta interpretação de um negócio jurídico, para a reparação do dano, assim como para descrever as demais relações jurídicas privadas, o que se extrai dos dispositivos legais expressos no Código Civil, do mesmo modo que decorrem do sentido que lhe dá o texto, por força daquilo que é natural às relações jurídicas humanas.

Nos termos do art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e de boa-fé”. Para o art. 944, parágrafo único: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”. Claro que de outros dispositivos é possível extraí-los, mas estes dois são os necessários como indicação de comando a ser obedecido.

Diga-se, quanto ao art. 422, que está complementado pelo art. 113 do Código Civil, que determina a necessidade de se interpretar os negócios jurídicos de acordo com a boa-fé e os usos do lugar onde foram celebrados.

É possível, desde já afirmar, que muito embora os standards indicados, todos compõem um único, ou seja, correspondem à noção de justiça e é por isso que se faz necessário analisar o standard justo, ou de justiça, fonte primeira de qualquer conclusão que se pode tirar dos demais standards jurídicos.

2.1 – Justiça

O justo é a virtude por excelência.

O DIGESTO de Justiniano contém uma passagem que estimula o estudo do que é justo, que em tradução vulgar seria a seguinte: “Os que se vão dedicar ao estudo do direito devem começar por saber donde vem a palavra ‘ius’. Na verdade, provém de ‘iustitia’: pois (retornando uma elegante definição de Celso) o direito é a arte do bom e do eqüitativo”507. Muito embora não haja tradução para “ius”, o justo é uma qualidade sua e, portanto, não há como se entender “ius” sem compreender o que seja justo.

Assim, não é possível abranger a natureza do direito sem compreender o que seja justo, este que é o standard jurídico supremo e a tentativa a seguir é uma maneira de encontrá-lo ou compreendê-lo, sobretudo porque os demais standards jurídicos dele decorrem, são sua conseqüência lógica, visto que não é possível conceber o que seja boa-fé sem que se saiba o que é justo, ou ainda, não seria possível desenvolver a concepção do que se pretende como função social do contrato sem buscar o que é justo, razão pela qual este será o primeiro standard a ser agora estudado.

2.1.1 - A escolha de modelos legislativos justos

Como bem lembra Carnelutti, o legislador também está limitado por um critério de justiça na elaboração de sua atividade criadora de regras, e muito embora seja possível classificar as leis como lógicas, psicológicas, éticas, econômicas, entre outras, todavia todas obedecem ao fenômeno do Direito, que rigorosamente não terá nenhum valor se não responder à justiça508.

507

Tradução do latim para o francês de John Gilissen e para o português, pelos tradutores de sua obra, Introdução Histórica ao direito, p. 97.

508

CARNELUTTI, Francesco, Metodologia del derecho, p.25: Pero todavia no es esta todo, en taeria de

Para se compreender o que venha a ser justo ou justiça, creia-se ser necessário procurar um parâmetro histórico da imposição de normas à sociedade, sejam escritas ou não escritas. Não se pretende definir se o ser humano é bom ou mau, mas que a bondade é condição indispensável para se viver harmoniosamente em grupo, ou pelo menos os sinais exteriores de uma bondade, já que não há controvérsias sobre a noção de que os princípios gerais demonstram um conceito do que é justo, portanto do que é bom.

Em algum momento do desenvolvimento humano, os homens observaram que viverem juntos era mais conveniente para a sobrevivência individual, uns protegendo os outros dos perigos desconhecidos da natureza. Unidos seriam mais fortes, mais capazes, daí se dizer que o homem é um ser social, que não sobrevive no isolamento.

Para que essa convivência comunitária fosse viabilizada constituíram normas de conduta, primeiro as mais simples até às mais complexas, à medida que o grupo ia elaborando melhor suas relações sociais. Era uma exigência que decorria naturalmente da convivência humana, observável sempre, seja em micro ou macrocosmos. Cada família institui normas próprias para serem seguidas por seus membros. Indivíduos que cumprem penas em prisões criam normas de conduta a serem obedecidas sob pena de castigos muitas vezes mais severos do que os impostos pela sociedade livre.

Em seu prefácio, à sua monumental obra Tratado de direito privado, Pontes de Miranda afirma que509 “os princípios jurídicos são sistemas lógicos, compostos de proposições que se referem a situações da vida, criada pelos interesses mais diversos. Essas proposições, regras jurídicas, prevêem (ou vêem) que tais situações ocorrem, e incidem sobre elas, como se as marcassem”. Reconhece, portanto as relações jurídicas como sociais e o sistema jurídico como necessário para diminuir “o arbitrário da vida social, a desordem dos interesses, o tumultuário dos movimentos humanos à cata do que deseja, ou do que lhe satisfaz algum apetite”510.

Os cientistas do Direito vinham ao longo da história a enquadrá-lo em uma proposição estática. Por muito tempo o Direito era advindo da natureza e esta natureza poderia se

menos. Lo de más es aquello que hace más arduo y casi inaccecible, en su cima, la tarea de la ciencia. Lo cierto es que no sólo a las leyes lógicas, psicológicas, físicas, económicas y, sobre todo, a las éticas, obedecen los fenómenos del Derecho. Y aun cuando todas las reglas sean escrupulosamente respetadas, la obra del legislador no vale nada si no responde a la justicia.

509

Tratado, cit., parte geral, Tomo I, p. IX.

510