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1 OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

1.1.2 Modelo de direito comparado

A doutrina alemã não distingue os princípios gerais como algo autônomo, todavia é necessário observar que o direito privado na Alemanha teve sua formação influenciada por uma condição histórica diversa dos países de inspiração latina. Com efeito, o Código Civil alemão, o BGB, teve como origem uma Comissão criada em 1874 e uma segunda Comissão em 1890, sendo sancionado pelo Kaiser em 18 de agosto de 1896, para entrar em

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O direito e a vida dos direitos. v. I, t. II, p. 234: “ Tal condição se baseia, essencialmente, na natureza do sistema jurídico, que deve formar um conjunto só e coerente, um verdadeiro organismo lógico, suscetível de oferecer uma diretriz segura, não equívoca, que não comporte qualquer solução contraditória para qualquer relação social possível.”

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Idem, p. 235: “Na realidade, pois, mais acertadamente se procede filiando-se o particular ao geral.”

314

Idem, p. 238. 315

vigor em 1º de janeiro de 1900. Com a guerra mundial de 1914 a 1918, além da revolução de 1918, abriu-se caminho para a doutrina da socialização do direito privado alemão316.

Não se pode deixar de destacar o vigor que a doutrina positivista teve na Alemanha, todavia somente com a queda do nacional-socialismo o Direito natural renasceu naquele país317. Em 1949 o BGB sofreu significativas modificações, com a adoção da Constituição da República Federativa Alemã, incluindo o respeito a vários direitos fundamentais318.

Muito embora não haja essa denominação, princípio geral, é chamado de princípio de justiça319 e é possível apreciá-los quando Heinrich Lehmann compreende o Direito natural como fonte do direito, que é o que lhe fornece validez320, e se o legislador não se pautar por essas exigências fundamentais, o direito positivo perde sua legitimidade e obrigatoriedade321.

Os franceses, por sua vez, se dividem em reconhecer, ou não, os princípios gerais e os doutrinadores que não tratam especificamente desse assunto, mas da eqüidade322 como um equivalente, muito embora não se possa dar o mesmo sentido. Não há no Código Napoleão uma indicação clara de que os princípios gerais são uma forma de expressão do direito.

Os princípios gerais seriam aqueles que conferem ao ordenamento, em determinada época a instituição da ordem justa e a armadura da legislação e a lei que viola um princípio é contrária ao Direito, no dizer de Planiol323, ou ainda na doutrina de Ripert e Boulanger

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LEHMANN, Heinrich. Tratado de derecho civil, trad. José Maria Navas, Madri: Revista de Derecho Privado, 1956, vol I, p. 30: La socialización no se entendia en el sentido técnico estricto, que propugna la

supresión de la propriedad individual sobre los medios de producción a favor de la comunidad, sino en sentido amplio, como configuración social de la convicencia humana que aspira a la protección de los económicamente débiles y con ella al bien común en lo posible.

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Como exemplo desta fase positivista, vê-se Hans Planitz, ao afirmar que o direito alemão é fundamentalmente um “direito estrito” (strenges Recht) e que somente a lei e o costume poderiam ser considerados como fontes.

Em Derecho privado germânico, traduzido para o espanhol da edição original de 1949, ou seja, logo após a II grande guerra, Hans Planitz não admite qualquer desvio do que está positivado, p. 23:

“No está permitido al juez separarse del precepto forrnulado; una determinada palabra debe valer, incluso

si su aplicación textual produce un resultado contrario a la equidad”. 318

FERRAND, Fréderique. Droit privé allemand, Paris: Dalloz, 1997, p. 82.

319

Idem, p. 48.

320

Tratado de derecho civil, p. 47.

321

Tratado de derecho privado, p. 47: Si el legislador no se rige por estas exigencias fundamentales, es

decir, si sus mandatos están desprovidos del caráter de auténtica norma jurídica, situándose con ello fuera del Derecho, entonces el Derecho positivo por él establecido pierde su legitimidad.

322

A observação da natureza interpretativa que os franceses dão à expressão eqüidade será posteriormente tratada no capítulo referente aos standards jurídicos.

323

Georges Ripert e Jean Boulanger, Traité de droit civil d’après de traité de Planiol, p. 7: En considérant

l’ensemble des lois qui, dans un pays et à une certaine époque, établissent un ordre consideré comme juste, on peut dégager les principes généraux de ce droit. Ils constituent en quelque sorte l’armature de la

são utilizados para a aplicação e interpretação das regras do direito positivo, dos quais se pode deduzir uma solução nova em caso da lei ser insuficiente para resolver a questão324.

Deve-se fazer a observação de que a jurisprudência para o direito francês é considerada fonte do direito, desde que a solução nova não seja contrária ao direito posto, como uma criação que completa o espírito da lei, por razões de eqüidade. Como afirma Limongi França, na adequada observação da matéria, “embora o juiz segundo a legislação francesa, deva sempre basear-se em um texto de lei, não se lhe pode negar uma certa autoridade, indispensável à dedução dos referidos princípios que nos ordenamentos se contêm”325.

A jurisprudência tem essa função de adaptar a lei às necessidades novas e não previstas pelo legislador326, mas que pode ser modificada por uma lei nova, razão pela qual ela é subordinada ao direito positivo327 e nessa atividade os tribunais ouvem o clamor de justiça da sociedade para determinado momento histórico e acompanham a evolução de seu conceito328.

Para os italianos são fontes do direito privado o determinado pelo art. 1º de seu Código Civil, ou seja, a lei, os regulamentos e os usos, ou costumes. Seriam fontes em dois sentidos: de produção e de conhecimento. Fontes de produção são os modos de formação da norma jurídica. De conhecimento são os escritos que contenha a norma jurídica já formada, sendo a lei a principal fonte do direito329.

législation positive. Leur connaissance permet de dire qu’une loi est contraire au droit lorsqu’elle viole ces principes.

324

Idem, p. 8: Les principes juridiques a une outre sens, quand il s’agit de pouvoir à l’application et à

l’interprétation des règles du droit positif : les principes sont les propositions générales expressément formulées ou découvertes par l’analyse, qui dominent les divers groupes de régles positives et d’où peuvent se déduire des solutions nouvelles en cas d’insuffisance de ces régles.

325

O direito, a lei e a jurisprudência, p. 160.

326

Em nome do escopo da celeridade processual, algo diverso tem acontecido em nosso País. Claro que a jurisprudência brasileira tem a função de interpretar a lei e dar tratamento novo a questões antes não vislumbradas, todavia há uma tendência a torná-la como fonte obrigatória, como no caso da súmula vinculante.

327

GHESTIN, Jacques e GOUBEAUX, Gilles. Traitéde droit civil – introduction générale, Paris : L.G.D.J., 1977, p. 356: L ‘interprétation de la loi por la jurisprudence est créatice. Cette création reste cependant, por

rapport à celle que réalise la loi, dans une situation d’infériorité. Il ne s’agit, en effet, que d’une création

imperfait et subordonée.

328

Droit civil – introduction générale, p. 167: Enfin, au fur et à mesure que le code vieillissait, les tribunaux

se sont montrés plus hardis. Profitant de la rédaction souple et pratique de ces textes, ils les ont adapté aux besoins nouveaux, ne craignaut pas les interpréter parfois d’une manière différante – ou même apposée au sens qui leur était attibué priitivement en présence d’une lois plus or moins ancienne, et que le législateur négligeait de modifier, comme il eût dû foire, pour l’adapter à des besoins nouveaux au satisfaire le sentiment de justice de la population.

329

GALGANO, Francesco. Diritto privato, 6ª ed., Pádua: Cedam, 1990, p. 29. Em uma concepção positivista.

Os princípios gerais são aqueles considerados como emanados pelo Estado330, extraídos das escolhas legislativas331, todavia como forma de interpretação do direito332, deve-se tomar o cuidado de que os princípios gerais não sejam confundidos com os interesses políticos do regime dominante, até porque o Código Civil italiano de 1942 foi editado no auge do fascismo333.

Analisando a situação na Espanha, Diego Espín Cánovas admite que os princípios gerais têm a natureza de interpretação normativa, todavia se houver contradição entre a norma e um princípio, em nome da segurança jurídica se aplica a norma, pois seria, no entender do autor, o melhor modo de se fazer a justiça334, denominando-os como norma em sentido estrito.