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Tiquié, mas se encontram hoje espalhadas entre o alto rio Tiquié e São Gabriel Eanaus e Bogotá como referências possíveis dessa abertura e expansão

ampliadas. Se, por um lado, descrevem niromakañe como aquilo que o pai ou avô

deve transmitir ao neto ou filho - sua cultura (capítulo 2), por outro lado, descrevem

seus saberes maiores enquanto constituídos em percursos biográficos e discursos

intercruzados mais amplos. Tomando a circulação de saberes, suas

transformações e seus efeitos sobre as percepções contemporâneas que se tem

dos conhecedores masira como eixo da análise do capítulo 3. Associa-se a idéia

de fractalidade dos saberes niromakañe à dinâmica da produção da hierarquia no

rio Negro e à noção de fractalidade, inspirada na circulação de aspectos da

pessoa-grupo (com ênfase nas continuidades, enquanto circulação de vitalidades).

Considerar as redes de saberes em toda sua complexidade supõe lidar com o caráter de expansão dos predomínios agnáticos (segundo tal leitura de Cabalzar, 2008) e com a qualidade fractal dos saberes (segundo S. Hugh-Jones). A idéia de que predomínios agnáticos no rio Negro existem em expansão remarca a importância de partir dos saberes em transformação (enquanto circulam entre sujeitos ou entre redes diferenciadas) para perceber também sujeitos em diferenciação (reconfigurando almas-corpos- pensamentos).44 Se vitalidades estabilizam adensamentos e linhas (em referências territoriais, lingüísticas, ou outras continuidades expressas como predomínios agnáticos), também se expandem em processos de geração e transformação, explicitadas no curso das redes de saberes, expressas como descontinuidades. Observamos no movimento de busca de suas linhas (narrativas) o agenciamento de vitalidades e capacidades (nomes, riquezas) da pessoa, produzindo a hierarquia.

Falar em linhas, nessa tese, supõe abarcar todo o universo de relações agnáticas, de uma maneira menos sistêmica que os estudos de organização social, uma vez que supõe antes de tudo uma aproximação maior aos modos como os índios pensam a circulação de vitalidades como nomes, saberes, línguas, adornos cerimoniais, circulação essa configurando as linhas (paternas, agnáticas). Com foco nos modos de circulação

44 Cabalzar indica a centralidade da agnação no movimento de abertura cosmopolítica altorionegrina (ao que chamo de expansão de predomínios agnáticos). Relevante tanto nas soluções de mudança quanto nas soluções de estabilidade (sobre as quais ele mais se detém, como organização social dos nexos regionais e complementaridade ritual). Sua análise prevê, nos movimentos de expansão, os predomínios agnáticos sempre se recompondo, em novas bases.

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destes saberes, busca-se analisar as mudanças nos modos de nominação, em correlação com abrandamentos nas restrições alimentares.

Entenda-se descendência e hierarquia no Rio Negro, não em termos de linhagens e clãs, mas a partir da noção de Casa (enquanto arquitetura, mitos de origem, Casas rituais (de oferecimento de alimentos e das Casas de Flautas Sagradas), das narrativas (mito- históricas que produzem diferenças entre ´linhas masculinas´), da circulação dos nomes (S. Hugh-Jones, 1995, 2002). Em certos destes aspectos, a circulação de nomes e ´riquezas´ em ´linhas´ masculinas, tendo origem entre ancestrais e transmitido de avôs vivos para filhos, é entendida como produzindo os ´adensamentos´ (usarei eventualmente a idéia de adensamento para os assim chamados ´sibs´ ou ´clãs´ da literatura antropológica, uma vez que os Tuyuka referem-se a estes dizendo: m¡ya-bu. M¡ya- é ´você-poss.´; e - bu ou

butu: agrupamento no sentido de um conjunto ou montes (como um monte de terra): assim

questionam o nome do ´sib´ daquela pessoa.

Linhas também abarcam os grupos linguísticos exogâmicos ou grupo de descendência amplo da literatura regional (como os Tuyuka, os Tukano, os Barasana, no caso); assim como esferas mais abrangentes (fratrias), e esferas menos abrangentes do que eles (os sibs, no caso Opaya, Okokapea, Kumumua, Eiño e Dasia, e os segmentos destes sibs que podem estar convivendo em uma mesma comunidade). Isso porque nessa concepção, linhas se expandem em sub-linhas, mas não se confundem, seja em função do fator linguístico ou do fator hierárquico que as definem.

Segundo C. H.-Jones, “uma estrutura funcional que determina a posição e o papel dos diversos sibs em um grupo exogâmicos.” A cada âmbito a hierarquia seria engendrada, segundo uma mesma estrutura, com ênfase no conjunto de papéis especializados. “This set of specialist roles provides an explicit indigenous model which prohibits the proliferation and confusion of sub-units but, nevertheless, the changes still occur in practice, with the result that the existing situation differs from the model in many ways” (Cabalzar, 2008 apud C. Hugh-Jones, 1979). Segundo Chernella (Cablazar, 2008, 206) a repetição dos nomes reflete a ordem hierárquica em um grupo de irmãos, reproduz relações intrinsecamente

assimétricas em cada geração sucessiva. Para esta autora, hierarquia seria um princípio

fundamental nas relacões sociais entre os povos Tukano, não só no âmbito do grupo de descendência, mas também entre aliados (Cabalzar, 2008, 84 apud Chernella1993, p.52-4). Segundo Cabalzar, marca-se diferenças agnáticas em vários níveis: nos termos das relações mais próximas (precedência, ritual), ou de relações mais gerais e abrangentes (macroregionais, cósmicas). As primeiras como casos particulares das últimas.

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O foco desta tese, entretanto, é especificamente sobre as mudanças tanto nos modos de circulação como nos conteúdos dos saberes em circulação, analisando redes de saberes (circulação de vitalidades) em transformação, produzindo pessoas e Casas.45 O problema desta tese gira em torno das redes de saberes: perseguir práticas de

conhecimento que se transformam. O intuito é valorizar essa metodologia de análise,46

onde se parte das conexões entre diferentes redes de saberes e a partir daí se observa a constituição de sujeitos em novas bases. O que é tomado de partida como exploração metodológica (assim percebia no início da redação) viria a se afinar com o que propunham S. Hugh-Jones, Andrello e Cabalzar.

Esse experimento descritivo introdutório da circulação, geração e