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A resposta à apropriação dos moradores de rua dos espaços públicos: o Governo e a sociedade civil

2 CAPÍTULO ESPAÇO PÚBLICO, A RUA E SEUS MORADORES

2.5 A resposta à apropriação dos moradores de rua dos espaços públicos: o Governo e a sociedade civil

A respeito das medidas para se enfrentar esse desafio cercado de conflitos, a criação dos albergues, seja por parte do Estado, seja por ações filantrópicas, parece ser de imediato uma alternativa que contribui para a retirada dos moradores de rua desses espaços públicos. É um recurso existente nas cidades, em que esse segmento é recebido para pernoitar em locais com um sistema de regras específico, como, por exemplo, da condição de saírem no dia seguinte pela manhã ou de só poderem pernoitar na condição de não estar embriagado. Ainda assim, os albergues são visitados com frequência pelos moradores de rua, como uma alternativa de realizar aquilo que não foi possível durante o dia, seja uma refeição, tomar um banho, seja mesmo ter um descanso menos desconfortável. Por isso, há uma grande procura, e em muitos locais as vagas são limitadas.

Porém, pode-se verificar que a criação de albergues é uma alternativa paliativa, precária, que diante da reflexão feita até aqui, não oferece condições de permanência, de apropriação desse espaço como sendo privado, porque, além de tudo, pernoita-se sempre com outros desconhecidos, que não fazem parte de suas referências de vida. Também não é algo garantido para todas as noites, pois não é o fato de ter sido

albergado numa noite que garantirá o albergue do dia seguinte. É uma situação incerta todos os dias.

A existência de ONGs e outras instituições que distribuem alimentos e objetos às pessoas que moram nas ruas é outra realidade existente para o atendimento das necessidades do público da rua. Através de trabalhos semanais ou diários, equipes vão até os locais onde os moradores estão instalados pela cidade e deixam comida, lençóis, roupas, colchões, até levam serviços de corte de cabelo, das unhas, além, é claro, de uma tentativa de conforto através de um momento de escuta e de palavras de apoio. Tais atividades assim constituídas são vistas também como uma solução paliativa, que não oferece a garantia da alimentação no dia seguinte. E, pelo fato de não terem condições de oferecer um local adequado para a instalação dos moradores de rua, tais órgãos, que buscam diminuir as péssimas condições em que essas pessoas se encontram, parecem reforçar a presença delas nesses locais. Essas iniciativas são, por isso, alvo de críticas por grande parte da sociedade.

A existência de movimentos no país voltados para a valorização, inclusão e luta por direitos dos moradores de rua é uma realidade existente há anos, apesar de não haver uma repercussão notória nos meios de comunicação. A partir das mobilizações ocorridas nos anos 1980 e 1990 por parte da população de rua, devido às constantes agressões sofridas por ela e da ausência de políticas que auxiliassem tal público, ao longo dos anos foram sendo realizados, nas principais capitais brasileiras, fóruns de discussão, debates, manifestações, até que no ano de 2005, houve a criação do Movimento Nacional da População de Rua – MNPR –, movimento que passaria a representar politicamente as reivindicações e lutas em defesa da população de rua4. Sabe-se também que, dentre diversos órgãos sociais que discutem acerca da problemática, a existência do Fórum de Debates sobre a População em Situação de Rua5, desde 2003, promovido por uma faculdade da cidade de São Paulo, trouxe para o âmbito acadêmico, nas variadas áreas profissionais, a discussão sobre a problemática da moradia de rua. Na atualidade, o fórum envolve, além dos acadêmicos, profissionais que atuam junto a essa população e, ainda, representantes do segmento da população de rua.

Diante dessas e de outras iniciativas que visam trazer à tona tal problemática que parece imperceptível, inaceitável ou “naturalizada” por parte da sociedade, o Estado

4 As informações sobre o MNPR encontram-se no site do movimento: www.falarua.org 5 Maiores informações no site: http://debaterua.atspace.com/historia/historia.htm

começa a reconhecer a necessidade de se elaborar estratégias políticas que visem de alguma maneira responder a tal questão. No ano de 2005, foi realizado o Primeiro Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua com representantes políticos e da população de rua, e, nos anos seguintes, foi elaborada e instituída, por decreto no ano de 2009, a Política Nacional para a População em Situação de Rua6. A referida política direciona os procedimentos de sua implantação aos entes federativos, com a instituição de comitês, a celebração de convênio para executar projetos sociais; apresenta os objetivos, princípios e diretrizes voltados para a realização de políticas junto à população de rua. Além disso, contempla a atuação dos vários setores da sociedade com vistas a beneficiar esse público, através da garantia do acesso dele aos serviços de saúde, educação, trabalho, esporte e lazer, cultura, assistência social e jurídica, entre outros.

Como se pode verificar, o decreto que aprova a implantação da política voltada para população de rua no país ainda é recente. Sabe-se que sua elaboração é o resultado de lutas vivenciadas há anos por parte desse segmento, além do enfrentamento de situações de violência e preconceito sofridas diariamente, sem obter sequer um atendimento que garanta a dignidade e respeito à sua condição humana. Assim, tal política torna visíveis as necessidades desse segmento que, durante toda a história de desenvolvimento do Brasil, esteve invisível no que diz respeito à atenção para as suas degradantes condições e tratado como objeto que deveria ser eliminado dos espaços públicos, os quais se via obrigado a ocupar. No entanto, ainda não é possível identificar um destaque nacional para essa conquista social, e, aparentemente, não se verifica também uma adesão por parte da sociedade em geral, daquilo que se constituem como direitos e ações políticas voltadas para a população de rua. A impressão é que se trata de uma política resumida ao conhecimento de poucos e que ainda não possui a força social suficiente para ser estabelecida, ao contrário do que se percebe em relação às demais políticas existentes para outros setores da sociedade. Além do mais, o fator histórico do país baseado no patriarcalismo, na conservação do atendimento aos interesses privados, aliados à atual política neoliberal é o bastante para que não haja prioridade no atendimento de interesses sociais, os quais não constituem base de lucro nem geram ampliação dos mercados financeiros. Enfim, a realidade ainda mostra que nem a Política

6 Decreto 7.053 de 23 de dezembro de 2009. Disponível em:

Nacional para a População de Rua, nem mesmo os programas voltados para a assistência social, conseguem chegar até esse público, caracterizado pela pobreza extrema e que deveria ser, de fato, beneficiado ao menos com os programas de transferência de renda – ainda que esses sirvam apenas para minorar a situação de miséria, embora não modifiquem a estrutura de desigualdades sociais.

Enquanto isso, o número de homens e mulheres que passa a ter as ruas como seu local de moradia aumenta cada vez mais nas capitais brasileiras; em muitas delas, inclusive, não há o mínimo de atendimento governamental a essa população, deixando as pessoas que passam a viver nas ruas à mercê de ajudas de entidades filantrópicas e da sociedade em geral (isso quando não há, em muitos casos, uma situação de conflito entre os habitantes da cidade e os moradores de rua). Nesse sentido, tornou-se interessante, para efeitos de materialização deste estudo, fazer um recorte da realidade da moradia de rua em uma das capitais onde se concentra essa realidade – a cidade de João Pessoa-PB –, com vistas a reconhecer a presença dos moradores de rua e sua apropriação dos espaços públicos nos principais pontos da cidade. Para tanto, a necessidade de conhecer o histórico da urbanização da capital paraibana, bem como retratar a sua atual situação socioeconômica auxiliam na assimilação de alguns aspectos que envolvem a particularidade do enfrentamento dessa problemática na cidade.

3 CAPÍTULO 3 - MORADORES DE RUA DA CIDADE DE JOÃO