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3 CAPÍTULO MORADORES DE RUA DA CIDADE DE JOÃO PESSOA

3.1 Urbanização da Cidade de João Pessoa-PB: histórico e atualidade

As margens do Rio Sanhauá era o novo cenário escolhido para, ainda no século XVI, ajudar a compor o quadro chamado Brasil. Ali estava reservado para o nascimento da capital paraibana, que, no ano de 1585, já despontava com ares característicos de cidade, planejada de acordo com a colonização portuguesa. Hoje adotada com o nome de João Pessoa, em seus edifícios, ruas movimentadas, população crescente, nem de longe lembram a Filipéia de Nossa Senhora da Neves, sua primeira denominação, com suas poucas ruas irregulares e população pacata e de costumes.

A construção de um forte, de pelourinhos e mosteiros, entre os anos de 1585 e 1587, começou a dar os moldes de estruturação da cidade, que também iniciava a sua organização social. Em meio a isso, o delineamento das primeiras ruas começava a abrir o espaço necessário para direcionar o crescimento da cidade. A rua Nova e a rua Direita foram as primeiras denominações dessas vias que surgiam na cidade.

O crescimento comercial nos anos seguintes, com a expansão da venda do açúcar, configurou também a expansão estrutural da cidade: aumentou o número de construção das casas e também sua qualidade, pelo fato de os comerciantes enriquecerem com as vendas. Dessa forma, foram se definindo entre seus limites urbanos a chamada Cidade Alta, constituída pelas instituições religiosas e pelas residências, onde um segmento mais seletivo da população a ocupava; e a Cidade

Baixa, local reservado para a instalação das atividades comerciais. Tal configuração,

elaborada de acordo com o padrão comum das cidades coloniais, perdurou ainda até fins de século XIX. Nesse período, a Cidade Baixa já concentrava os fluxos comerciais da cidade, sendo esse local visto como o centro comercial principal da capital paraibana. Por isso também que era na Cidade Baixa onde se localizava a estação de trem, o porto da cidade, entre outros principais estabelecimentos, que facilitavam a circulação de produtos.

Porém, o fim da exploração holandesa, já no século XVIII, culminou, em virtude das dívidas sofridas nesse período, em uma dependência da capitania pernambucana. Tal situação acaba se refletindo em sua organização social e espacial, pois, pelo fato de não haver uma diferenciação mais evidente entre classes, com segmentos mais

abastados na cidade, o investimento e expansão dessa passa a ser mais lento. Verifica-se assim que “[...] de uma maneira geral, durante todo o período colonial, a cidade permaneceu como uma pequena povoação composta de sítios, na maioria com pomares, e rodeada pela floresta tropical. No início do século XIX contava ainda com apenas 3.000 habitantes” (SILVA, 1997, p.7).

A cidade já apresentava, portanto, as marcas daqueles que a ocupavam e compunham seu quadro social. A presença dos negros escravos e índios, os quais traziam seus costumes tradicionais, caracterizava os hábitos sociais dos citadinos, como, por exemplo, a existência dos banhos nus diários nas bicas públicas e a forma de os homens andarem nus da cintura para cima. A religiosidade também dirigia a vida social da população, onde se destacava sua importância, através da construção de igrejas, e a dedicação às suas festividades, as quais, além de fazerem parte do ritmo que movimentava a população, reuniam todo o povo em sua diversidade étnica e social em uma mesma confraternização.

A construção de novas casas e sobrados não era acompanhada pela estruturação de suas ruas e calçadas. Essas ainda apresentavam aspecto rude, que impunham dificuldades de locomoção das carroças e pedestres. A situação se tornava mais agravante no período das chuvas, quando o lamaçal tomava conta desse espaço de circulação, tornando a saída às ruas um transtorno sem precedentes. Pode-se observar, portanto, que a estruturação desse espaço não era prioridade durante a construção da cidade: a rua era vista apenas como o local em que se depositava o lixo tirado das residências, as quais eram bem conservadas. Juntamente com a vegetação rasteira que crescia e servia de pasto para animais, o lixo acumulado nas ruas representava o entendimento do espaço da rua como o local de ninguém, onde a construção dos altos muros e grades das casas protegia os seus moradores desse espaço caótico, o qual era definido como depósito de tudo aquilo que não prestava – e também daqueles que não serviam também para a sociedade, como os pobres, os loucos, os criminosos – os quais acabavam sendo “recebidos” pelas ruas.

A Parahyba – outra denominação dada à capital – retoma o crescimento econômico e social já em fins do século XIX, com a produção do algodão e escoamento em seu porto para a venda e as consequentes importações de produtos. A construção de novos estabelecimentos comerciais na parte baixa da cidade e a expansão populacional deram novo ritmo à urbanização da cidade, que aumentava sua extensão. Assim, a

modernização chega à cidade, e com ela a necessidade de uma adaptação a novos hábitos que vão sustentar esse aspecto, que se diferenciavam dos costumes pacatos vividos até então pela sociedade.

Com o acesso a novas informações e ideias oriundas da civilização europeia, chegavam à Parahyba as agremiações esportivas e literárias, as revistas de moda, os bondes e os jardins públicos, que ao mesmo tempo em que se constituíam como uma novidade, também se tornavam elemento demarcador das diferenças sociais, pois o acesso a esses novos produtos e serviços se restringia àqueles que se encontravam em condições econômicas de adquiri-los. Assim, a população considerada pobre começava a ser excluída dos novos hábitos da cidade, parecendo, dessa maneira, “não fazer parte” dela. Dava-se início ao que seria reconhecido mais tarde já nos primeiros anos do século XX como “Revolução Urbanística”.

Nesse século que surgia, a capital já atravessava um novo momento em sua urbanização: com a vida nas cidades ainda mais valorizada em função do ordenamento econômico, o qual dava relevância ao patriarcado urbano, “[...] que se legitimava através da classe média, compreendida por comerciantes, profissionais liberais, estudantes e mulheres” (SILVA, 1997, p.15), a cidade, agora chamada João Pessoa (a partir de 1930), também passava por um reordenamento espacial urbano. A demolição de Igrejas para dar lugar à construção de praças, por exemplo, significou, conforme se afirma acerca desse período, a “[...] mudança que a cidade experimentava, saindo de uma ordem social religiosa para uma ordem laica, em função do recém-nascido estado republicano” (idem, p.14). Porém, mantinha a estrutura de poder evidente, representado também na construção de monumentos e prédios públicos grandiosos, que sinalizavam a centralidade do poder político e econômico.

No tocante à organização das residências e demais prédios, a cidade cresce nas demais direções (sentido leste e sul), ampliando a construção de um número maior de prédios públicos e alteração no formato das casas das classes médias, que passam a ser descoladas uma da outra e a possuir varandas. Essa expansão das construções começa a afastar os moradores do espaço considerado como o Centro da cidade. As obras de saneamento, iniciadas na década de 1920, também fizeram parte da nova configuração da cidade, em um contexto do país de reforma da saúde pública. Sob a administração municipal de Guedes Pereira, “[...] foi urbanizada a Lagoa, que se transformou em parque Solon de Lucena, construída a Praça Vidal de Negreiros, no Ponto de Cem Réis,

e o Parque Arruda Câmara, a Bica [...]. Foram abertas várias ruas de ligação às artérias principais, a partir da planta da cidade” (SILVA, 1997, p.17-18). Acerca dos serviços básicos (abastecimento de água e luz), a cidade de João Pessoa ainda os oferecia de maneira limitada para seus moradores. Para se ter uma ideia, a água era utilizada de forma racionada até meados dos anos cinquenta, quando houve a construção da adutora das Marés. No local onde hoje se contempla o tradicional Colégio das Lourdinas, abrigava-se a estação dos bondes que ainda eram utilizados, e em seus compartimentos havia a classe dos ricos e a classe dos pobres (esta se tratava de um reboque engatado ao bonde). O passeio às praias, nesse período, não fazia parte do lazer urbano, a não ser que as famílias abastadas se deslocassem até lá para veraneio.

A vida nas ruas também foi reestruturada, com a construção de diversas praças e coretos, que estimulavam a saída das pessoas de suas casas para o lazer e rodas de discussão política. Contudo, esses espaços eram cercados, limitando seu acesso apenas para a classe média e alta, as quais os utilizavam para passeios e apreciação das bandas que ali se apresentavam. Às pessoas pobres não era destinado qualquer investimento voltado para o lazer e, assim, elas permaneciam pelas ruas olhando de longe o espetáculo que era oferecido apenas àqueles a quem o Governo oferecia tais benefícios. Essa cena refletia, dessa forma, a segregação social que se configurava na cidade, assim como nas demais capitais brasileiras. Constata-se que até mesmo a frequência a eventos, como as missas dominicais, restringia-se às classes ricas, mesmo não havendo proibição para a presença de pobres; mas estes, diante de tantas pompas, olhares e “narizes empinados”, não se consideravam no direito de acessar tais locais, pois eram “muito diferentes”. Em relação à principal festividade religiosa da cidade, relata-se que “[...] a Festa das Neves, que em séculos anteriores era festejada por toda a população, passou a ser uma festa das elites. Os pobres ocupavam lugar subalterno e eram chamados de "gentinha", classe composta por empregadas domésticas, soldados, caixeiros, etc. (OCTÁVIO e AGUIAR apud SILVA, 1997, p.20). E ainda, “[...] as atividades sociais de rua se resumiam em reuniões políticas, festas, desfiles cívicos e militares e futebol. Afora isso, as visitas eram eventos cerimoniosos” (idem, p.20). De tais acontecimentos sociais, a classe pobre não tinha conhecimento nem acesso, sendo, assim, cada vez mais excluída das atividades urbanas. A ela restava a obrigação do trabalho exaustivo – quando o tinha – ou mesmo o desprezo e indiferença sofrida com a sua precária situação de vida.

A capital da Paraíba continuava seu processo de formação e expansão nas décadas seguintes, com a construção de uma de suas avenidas, a Epitácio Pessoa, sendo essa uma das principais vias de acesso da população às praias urbanas, seja em seus veículos, seja através dos transportes de massa existentes. Os recursos recebidos através da Política Nacional de Habitação foram aplicados, em sua maior quantidade, nas áreas próximas à citada avenida, com a construção de casas em condições de serem financiadas apenas pela classe média e alta. E ainda, a melhoria da infraestrutura na região das praias levou aqueles que tinham casas de veraneio a tornarem tais moradias permanentes. Dessa forma, reduzia-se a possibilidade de aqueles que não possuíam condições financeiras habitarem esses locais, apartando-se do acesso frequente a essas áreas.

Dessa maneira, os pobres, que também passaram a desocupar o centro da cidade, por esse se caracterizar mais como referência comercial, sem opção adequada de local de moradia, começaram a construir suas casas nos trechos próximos à rodoviária (que atualmente configura-se como o Bairro Cruz das Armas) e outras regiões, como o atual bairro de Mandacaru, diante dos limites da cidade que não davam acesso a tantas construções (como a existência de manguezais a oeste da cidade, por exemplo). Abrigavam-se, por vezes, em locais suscetíveis a desmoronamentos, como encostas e morros; são, assim, “empurrados” para fora do movimento da cidade e da ordem espacial burguesa.

Nos primeiros anos deste século, a cidade de João Pessoa ainda se caracteriza como uma capital em desenvolvimento no Nordeste do Brasil. Afirma-se que, entre as décadas de 1970 e 1980, “[...] a população da cidade cresceu 62%, enquanto a área urbana ampliou-se em 170%” (SILVA, 1997, p.24). Vale salientar que o delineamento urbano da capital paraibana inclui uma vasta área verde, ponto de preservação ambiental. Dessa forma, é interessante observar que, mesmo em meio à expansão das construções prediais, a cidade parece ter uma qualidade ambiental satisfatória no que diz respeito à sua urbanização.

Atualmente, com 702.235 habitantes, a capital paraibana aumentou o número de sua população em 14% desde o ano 2000 (IBGE 2009). Apesar de a infraestrutura não acompanhar esse processo, o qual se caracteriza como um “inchaço populacional”, a cidade de João Pessoa caracteriza-se por possuir a tranquilidade de moradia e de ter a presença de um povo receptivo. Também, o fato de ter um PIB per capita (dados do ano

de 2007) de 10.018 reais (IBGE, 2009), faz da cidade um polo atrativo para investimentos comerciais, por seu potencial de crescimento e de seu segmento médio e alto da população representar um bom público de consumo. Ademais, a cidade de João Pessoa conserva as marcas da valorização e vivência da cultura popular, presentes nos eventos frequentes e nos monumentos históricos existentes e conservados para apreciação.

Em relação à organização espacial, a cidade busca se adaptar de modo a atender as principais necessidades da população que cresce consideravelmente. Pode-se citar como exemplo o fato de já haver uma estrutura de serviços ao redor das áreas mais afastadas do centro, de maneira que os habitantes dessas áreas não precisam se deslocar do bairro onde moram. O centro passa agora a não ser o único ponto de referência comercial (apesar de ser ainda o principal). A construção dos shopping centers, disponíveis para o consumo das classes média e alta e a criação de subcentros populares (como o centro comercial existente no bairro de Mangabeira, que se encontra a cerca de 11km de distância do centro da cidade), refletem uma nova configuração dos espaços sociais da capital paraibana, em que o consumo está acessível às pessoas. O centro da cidade, que guarda em algumas de suas instalações a memória das suas primeiras construções, continua a abrigar o comércio e os serviços; todavia, apresenta uma característica mais popular, identificada também naqueles que o acessam. A região do centro da cidade ainda é a principal via de acesso à rodoviária e ponto de circulação dos transportes coletivos da cidade.

3.2 As marcas de hoje: a cidade de João Pessoa-PB e a presença dos