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ENGENHEIROS BRASILEIROS NA CRISE

No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 141-148)

O CENÁRIO E OS ATORES

ALEMANHA JAPÃO FRANÇA REINO UNIDO EUA

4 OS ENGENHEIROS EM MINAS GERAIS

4.8 ENGENHEIROS BRASILEIROS NA CRISE

As mudanças acarretadas, a partir da década de 80, pelos processos de reestruturação produtiva atingem os engenheiros e suas escolas e são motivo de

preocupação do governo brasileiro. É ilustrativo o conjunto de textos e palestras do projeto “Engenheiro 2001”, de âmbito nacional. O problema central pode ser observado na análise de Salum e Lira (s.d.):

“Até um passado recente, o ensino de engenharia, praticado não só na UFMG como em todo o País, atendia a um mercado nacional protegido, pouco competitivo e que, como conseqüência, submetia o engenheiro a uma prática profissional menos compromissada com a assimilação e a geração das tecnologias mais recentes.

Entretanto, esse cenário foi bastante alterado nos últimos anos. Hoje, o país se encontra inserido no contexto de uma economia globalizada, caracterizada por uma grande competição, pela busca da qualidade e de fatores de diferenciação que levam às chamadas ‘janelas de oportunidades’.

Para atuar nesse mercado e em uma conjuntura criada pelas novas condições sociais e culturais e pela constante e rápida evolução tecnológica, o profissional das engenharias67

precisa incorporar à sua educação atributos diferentes daqueles de décadas atrás.”

(Salum e Lira, s.d.: 87-88)

No texto citado, como em vários outros, a preocupação básica é o traçado de “um novo perfil” para o engenheiro e a criação de novos cursos, cujos conteúdos corresponderiam a novas especialidades, ou novas “engenharias”. A noção de fragmentação da profissão continua muito forte mesmo quando, contraditoriamente, se fala da necessidade de uma formação generalista. Isso pode ser observado, por exemplo, no texto de Tozzi (s.d.: 9): “perfil desejado para o formando: formação generalista nas diversas áreas da Engenharia Civil:68 Construção Civil, Geotecnia, Transportes, Recursos Hídricos, Saneamento Básico e Estruturas.” Ora, a Engenharia Civil já é uma especialidade e, nesse caso, o texto parece reforçar a sua

67 Grifo nosso: observe-se que, no Brasil, é freqüente referir-se às “engenharias” e não à engenharia, no

singular.

fragmentação. Embora sem esclarecer o que entende por “formação generalista”, parece-nos que ela é vista como na enquete feita aos engenheiros franceses (Duprez,1996), ou seja, como um sinônimo da formação de “gestores”.

A gestão empresarial é, de fato, um aspecto importante em todos os textos e, em alguns deles, a empresa é percebida como um centro irradiador de idéias que teriam, na escola, o alvo receptor. Assim, a absorção de dois conceitos típicos das organizações produtivas japonesas, tais como a “qualidade total” e o “just-in-time”, aparecem nas sugestões para as reformas dos cursos de engenharia. Bazzo (s.d.,18) afirma textualmente:

“Depois de disseminados no sistema industrial, os programas de qualidade total passaram a conquistar novas áreas. Corroborando o modelo industrial como uma matriz para a organização social, estaria agora o sistema educacional tentando incorporar a ‘nova conquista’ (...)a escola prepara indivíduos para o sistema produtivo, e este, por sua vez, fornece para a escola o modelo de organização”.

Já a presença do JIT no ensino é apresentada por Pereira (s.d.:34 e 47), da seguinte forma: “disciplinas de matemática dadas paralelamente às suas afins de engenharia (isto é, reforçar o ‘just-in-time’ na formação do engenheiro)”. O texto considera que esta seria uma forma de superar um sistema “taylorista” : “ A Comissão entende que é preciso superar a fragmentação do atual currículo (que bem poderia ser denominada ‘taylorização’ do ensino) em disciplinas estanques e desconexas entre si.” (Pereira, s.d. : 45)

A idéia de fragmentação convive, lado a lado, com a de cooperação. Em geral os principais agentes considerados, nos processos cooperativos, são escola e empresas. Essa preocupação é bem ilustrada no artigo de Fragomeni e Assunção (s./d), através

dos sistemas de “pesquisas cooperativas”, para a geração ou a absorção de novos conhecimentos tecnológicos.

Já o artigo de Maurício Chermann apresenta o Estado como o principal agente representativo nas decisões sobre a formação dos engenheiros:

“O governo, representando o Estado constituído, como ator principal, possui papel indelegável no desempenho de qualquer política no desenvolvimento do ensino superior. Ao governo cumpre definir as regras do jogo. Vale dizer, traçar diretrizes gerais, elaborar critérios, requisitos e definir, democraticamente, parâmetros a serem observados e utilizados no processo de desenvolvimento e avaliação da educação superior no País.

A definição de diretrizes gerais, como a Resolução 48/76- CFE no caso das engenharias, é questão de política de governo, que deve, necessariamente, auscultar os demais agentes participantes do processo.” (Chermann, s.d.: 21.)

Referindo-se ao ensino privado, outro ponto polêmico, o mesmo autor dá conta de que esse funciona como descompressão social. No entanto, reconhece a necessidade da presença do Estado nos cursos que “envolvem pesquisa, grandes laboratórios e equipamentos sofisticados, haja vista a inviabilidade de transferência desses custos ao aluno da rede particular.”

De fato, a capacidade de arcar com o ônus de uma educação paga tem sido cada vez mais difícil para a classe média brasileira. Analisando “a reestruturação das empresas e o emprego de classe média” (principal consumidora/ usuária do “produto” escola privada e, também, segmento social que engloba a maior parte dos engenheiros formados), Quadros (s.d.) afirma que as novas mudanças afetam particularmente as “famílias que lograram ascender ao longo da década de 70 (...), abatendo-se com violência sobre seus segmentos mais jovens.” Este movimento seria decorrente do grande corte de postos de trabalho no segmento dos colarinhos brancos e,

principalmente daqueles localizados na indústria, segundo dados da RAIS69, passando a vigorar a “mobilidade circular”, em que para alguém se empregar é preciso que outro se desempregue. Neste quadro, os valores corporativos e o “elitismo” voltam a predominar, “num ambiente em que predominam relações pessoais de lealdade e distinção.” Para o autor citado, a nova situação requer do candidato ao emprego uma “especialização profissional bem definida”, além da adaptação constante às novas exigências profissionais, ou reciclagem permanente.

A idéia de “reciclagem” tem uma abordagem específica em texto de Plonsky (s.d.: 6), que trabalha também o conceito de “educação continuada”, definida como as “atividades de ensino-aprendizagem formais, oferecidas para pessoas portadoras de título de conclusão de um curso superior, com a exceção de programas de mestrado e de doutorado”. No caso do engenheiro, várias razões são apontadas para que se estabeleça uma política de educação continuada, elas referem-se tanto à introdução de novas tecnologias quanto à nova situação de emprego para o engenheiro: terceirização, firmas cooperadas, perda de emprego seguida da necessidade de aquisição de outros conhecimentos e habilidades, parcerias, equiparação a títulos de outros países em caso de cooperação internacional, entre outras razões. Para Plonski, as despesas com a educação continuada deveriam ser objeto de uma parceria entre o profissional, o Estado e as empresas. Cita, ainda, um exemplo bem sucedido de envolvimento do Sindicato de Engenheiros no Estado de São Paulo, para o caso específico dos quadros da administração direta e indireta do mesmo estado.

A idéia das práticas cooperativas, que envolvem a presença dos sindicatos, começa a esboçar-se no Brasil. Recentes publicações do DIEESE noticiam algumas iniciativas, tais como a do “Encontro de Educação Básica e Profissional” (agosto de

1996), promovido em conjunto pela COPPE – Coordenação dos Programas de Pós- Graduação em Engenharia da UFRJ, CUT – Central Única dos Trabalhadores, DIEESE, Força Sindical, PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais, SERE – Serviços de Estudo para Realização Empresarial da Universidade Federal Fluminense (Boletim 186).

A preocupação dos sindicatos com o tema pode ser observada, também, em outras publicações do DIEESE, tais como o artigo sobre a formação profissional nas negociações coletivas (Boletim 196), além da notícia sobre a criação do Observatório Permanente de Situações de Emprego e Formação Profissional, vinculado à Secretaria do Emprego e Relações de Trabalho de São Paulo (Boletim 191).

A presença dos sindicatos e de outros atores sociais, como interlocutores, na negociação das políticas de formação profissional, enriquecem a idéia de Bazzo (s.d.), que critica a mera adoção e reprodução de “modelos vitoriosos de respostas dadas e fechadas”. Suas sugestões, para a reforma do ensino de engenharia, envolvem a idéia de relação entre ciência, tecnologia, ensino e sociedade, o que dinamizaria a “busca de soluções úteis para a sociedade”. Enfim, uma relação educativa mais cooperativa, acrescentamos.

PARTE II

A TRAMA

No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 141-148)