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PRIMEIRA METADE DO SÉCULO

No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 135-139)

O CENÁRIO E OS ATORES

ALEMANHA JAPÃO FRANÇA REINO UNIDO EUA

4 OS ENGENHEIROS EM MINAS GERAIS

4.6 PRIMEIRA METADE DO SÉCULO

Nos exemplos aqui citados e em outros, a verdade é que os engenheiros tiveram, no Brasil, na virada do último para o século atual, uma importância fundamental na construção urbana, na consolidação do Estado e na instalação da grande indústria. É importante observar que a engenharia enquanto ciência aplicada, mesmo baseando-se nos conceitos das ciências exatas, ao aplicá-los aos sistemas econômicos e políticos, torna seus agentes em atores sociais.

Kawamura (1981), estudando os engenheiros, sob uma perspectiva gramsciana, destaca o seu papel estratégico que vai além da sua posição técnica e tecnológica e, no interior do processo produtivo, adquire um caráter ideológico de reprodução e manutenção do modelo econômico-social. Para entender a posição dessa categoria é, portanto, fundamental conhecê-la no âmbito da sua atuação profissional e da sua formação, que é técnica e ideológica.

Kawamura (1981) discute o trabalho profissional dos engenheiros, no Brasil, periodizando sua atuação. Até 1930, predominava o exercício como profissional liberal ou empresário, quando seu âmbito de decisões atingia todas as etapas do processo produtivo. No mesmo período, enquanto assalariado, o engenheiro trabalhava nas próprias escolas de engenharia, no aparelho do Estado ou ainda em empresas estrangeiras. Nestas últimas, ocupava papel dirigente na hierarquia funcional e sua autoridade técnica possibilitava o exercício de funções próprias do capitalista, em áreas específicas do processo de trabalho. Ao organizar e supervisionar os meios de produção e a força de trabalho, com vistas à extração da mais-valia, o engenheiro exercia, então, atividades delegadas pelo proprietário. É preciso acrescentar que as melhores

oportunidades eram dadas aos engenheiros com nacionalidade igual à de origem da firma, ficando restritas aos brasileiros as funções técnico-administrativas.

A atuação dos engenheiros expandiu-se, a partir de 30 e durante a segunda guerra, na implantação da grande indústria nacional de bens intermediários: mineração, petróleo e siderurgia. Durante o governo Vargas, a orientação no sentido da formação de um mercado interno brasileiro favoreceu a criação de postos de trabalho para os engenheiros, tanto na iniciativa privada como na esfera pública e nas instituições paraestatais, como o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e IDORT (Instituto de Organização Racional do Trabalho). Em instituições como o IDORT, a atuação do engenheiro visava a organização do trabalho no aparelho administrativo e econômico do Estado, disseminando para o âmbito da sociedade civil a ideologia favorável à produção industrial. A atuação dos engenheiros foi também destacada no plano das políticas econômicas voltadas para a substituição das importações, bem como na defesa dos interesses nacionais, a exemplo do que ocorreu na criação da CVRD- Companhia Vale do Rio Doce, que será discutida no próximo capítulo.

No após guerra, principalmente a partir da década de 50, ao expandir-se a transferência de capitais dos países centrais, principalmente EUA, para os periféricos - inclusive o Brasil - a produção em escala foi favorecida, gerando novos empregos e o crescimento do consumo interno. Esse movimento, em modelo de bases keynesianas, ampliou também as oportunidades de trabalho para os engenheiros e a formação técnico-profissionalizante. Outra característica deste período - a expansão da indústria sustentada pela planificação do Estado - pode ser bem ilustrada através do caso de Minas Gerais.

Estudando a região de Belo Horizonte, Paul Singer (1977) mostra a forte presença do Estado no desenvolvimento industrial da região, após a segunda guerra. Este fato se evidencia pelos empenhados esforços do governo estadual em viabilizar o funcionamento do parque industrial que se implantava em torno da capital mineira. É o caso do município industrial de Contagem, criado em 1941 por decreto lei estadual, e viabilizado através do abastecimento de água, do sistema elétrico e do sistema viário, instalados pela iniciativa do Estado. Empenhou-se, ainda, o poder público em atrair indústrias para este centro e para o de Santa Luzia, município também vizinho de Belo Horizonte. Mas, efetivamente, só vingaram estes distritos industriais quando o principal problema, que era a energia elétrica, foi solucionado também por iniciativa do Estado. Em1952, foi criada a CEMIG (Centrais Elétricas de Minas Gerais s/a), que passa a funcionar em regime de sociedade mista.

Sanado o problema energético, ainda segundo Singer (1977), outras iniciativas foram tomadas pelo Estado. Aqui destaca-se a instalação da Usiminas, que faria Minas recuperar a hegemonia no mercado siderúrgico nacional (perdida com a criação da CSN, durante o Estado Novo). Várias outras sociedades mistas foram criadas e, no ramo da extração mineral, ocorreu um forte incremento com a modernização da Mina do Cauê, a principal jazida da CVRD, localizada em Itabira. Essas e outras iniciativas garantiram ao estado mineiro, entre 1955 e 1960, uma produção industrial superior à do país. Com isso, em início dos anos 60, Belo Horizonte passa a ser o primeiro município industrializado do estado e o terceiro do país, tendo à frente São Paulo e Rio.

Alfred Montero (1997) salienta que, além da CEMIG, outras agências governamentais foram também criadas para a condução das políticas industriais em Minas, durante o período desenvolvimentista, são elas: BDMG (Banco de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais) e INDI (Instituto do Desenvolvimento

Industrial). Nas décadas de 50 e 60, elas funcionaram como administração tecnocrática e agências de suporte político do Estado, através de uma densa rede de vínculos inter- burocráticos, que dinamizaram a indústria da região.

Até meados da década de 60, prevaleceu um quadro de fortes relações, diretas e indiretas, entre o setor industrial e o Estado. Acompanhando esse movimento, a formação de engenheiros também se realizava, essencialmente, através das escolas e universidades públicas, ou seja, pelo Estado. O período era de "pleno emprego" para os engenheiros que, em sua maioria, eram absorvidos pelas empresas estatais ou pelo aparelho administrativo do Estado. Esta relação começaria a ser alterada em meados da década de 60, a partir da "explosão escolar", tratada mais adiante. Essas mudanças também foram atestadas pelo estudo de Kawamura (1981), que vai além dessas constatações e mostra como os engenheiros, nesse período, passaram das posições de comando aos postos de trabalho essencialmente operativos.

A autora observa que no parque industrial do país, então emergente, predominavam as tecnologias importadas. A engenharia local assumiu, então, um caráter complementar de manutenção e adaptação tecnológica. Os setores mais destacados foram o automobilístico, siderúrgico, petroquímico, mecânica pesada e aparelhos eletro-eletrônicos. Neles a engenharia ocupava uma sucessão de postos em funções técnicas operativas, agregadas sob coordenação gerencial, em padrões de base taylorista-fordista.

Nas empresas onde predominava o capital nacional os engenheiros exerciam posições de mando, com maior flexibilidade, atuando em frentes econômico- administrativas e até mesmo na gestão de pessoal. No entanto, a grande maioria dos postos correspondia ao trabalho operativo e os quadros técnicos subalternos, mesmo exercendo profissionalmente uma opressão hierárquica sobre os operários, também se

encontravam numa condição explorada e alienada de seu trabalho. Assim, em relação aos seus superiores hierárquicos e representantes do capital, os engenheiros estavam na mesma situação em que os operários face aos próprios engenheiros. Mas, na medida em que foram condicionados pela sua formação escolar a não se sentirem pertencentes à classe operária, os engenheiros são operários mistificados, cuja mistificação é alimentada pelos seus privilégios hierárquicos.66

Embora não se possa falar em proletarização dos profissionais de engenharia, a verdade é que, a partir dos anos 60, aprofunda-se o processo de especializações, multiplicando o número das engenharias e crescendo o papel das escolas de ensino privado. A relação educativa já não é, então, como o das décadas anteriores, voltada principalmente para a construção do Estado, mesmo porque o papel da indústria privada tornou-se cada vez mais relevante.

No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 135-139)