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GORCEIX, SEU ESPÍRITO E O ESPÍRITO DA ÉPOCA

No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 122-125)

O CENÁRIO E OS ATORES

ALEMANHA JAPÃO FRANÇA REINO UNIDO EUA

4 OS ENGENHEIROS EM MINAS GERAIS

4.2 GORCEIX, SEU ESPÍRITO E O ESPÍRITO DA ÉPOCA

Nos primeiros anos, a história da Escola confunde-se com a história de seu fundador, homem de forte carisma. Analisando Henri Gorceix e seus colaboradores, Carvalho, J. M. (1978) afirma que estes eram materialistas, evolucionistas, livres pensadores, mas “não positivistas”. Gorceix estaria mais próximo do cartesianismo, ao preocupar-se com a clareza, a racionalidade, o exame dos fatos, ausência de preconceitos científicos. “A preocupação prática dos estudos e certa desconfiança de Gorceix quanto a teorizações fáceis devem ter sido um alerta constante contra influências positivistas, que no Brasil tendiam sempre para especulações filosóficas antes que para a pesquisa científica”.(Carvalho, J. M., 1978: 76-77)

Sobre o papel da Escola de Minas na formação intelectual dos seus alunos, Carvalho, J. M. (1978) é textual em afirmar que a Escola de Minas não se insere numa tradição positivista: “Ao contrário de outras escolas técnicas brasileiras, especialmente da Escola Militar, da Politécnica, e mesmo da Faculdade de Medicina do Rio, o positivismo não teve nenhuma influência em Ouro Preto (...) A Escola de Minas, (...) ficou totalmente imune a esta corrente”.57

A presença da filosofia positivista na jovem república brasileira ajuda a compreender a racionalidade cientificista que se pretendia imprimir ao aparelho do Estado e às instituições mais relevantes da época. Para Petitjean (1996), o período que abrange o final da monarquia até os primeiros anos da república brasileira, correspondeu também ao da constituição do Brasil como nação, à busca de uma identidade própria e, ao mesmo tempo, de inserção no capitalismo mundial. Esse processo implicou a chegada ao poder de novas elites, diferentes das elites imperiais,

sendo as últimas de origem agrária. Impunha-se, portanto, reformas ao Estado que, por sua vez, precisava dotar os seus quadros administrativos de uma formação adequada aos novos tempos. Os engenheiros tinham uma contribuição importante a dar, principalmente os engenheiros civis, através da construção de “pontes e estradas”, que eram estratégicas para imprimir um processo de modernização ao país, na época em que foram criadas a Escola de Minas e a Politécnica do Rio de Janeiro. (Petitjean, 1996)

No entanto, para Carvalho, J. M. (1978), a filosofia que animava as duas escolas de engenharia não era a mesma, já que em Ouro Preto o positivismo seria menos presente, ou mesmo ausente. O que não descarta o fato de a Escola funcionar com alto nível de disciplina, cartesianismo e racionalidade no trato das ciências.

A discussão sobre a presença do positivismo na Escola de Minas relaciona-se, segundo Carvalho, J. M. (1978), à formação do chamado “espírito de Gorceix”, responsável pela projeção dos ex-alunos da Escola e pela consolidação, entre eles, do “esprit de corps”. De fato a participação dos “emopianos” na política mineral brasileira foi e é ainda significativa. Definindo o “espírito de Gorceix”, Carvalho, J. M. (1978) destaca o espírito de investigação como uma de suas principais características. Mas o que de fato distinguiria os antigos-alunos da Escola, em relação aos de outras escolas de engenharia, seria a sua “preocupação com a realidade brasileira”. Viria daí a diferença em relação à atitude positivista. Esta, por sua vez, ao considerar as ciências como neutras, considera também neutras as intervenções técnicas e as práticas científicas. Na Escola de Minas, a metodologia de ensino, introduzida por Gorceix, levaria a formar uma outra concepção da prática da engenharia. Referindo-se ao ensino prático que permitia aos alunos conhecerem as riquezas minerais do país, através de excursões que visavam à elaboração da primeira carta geológica do país, comenta Carvalho, J. M.

(1978: 75): “as excursões e o próprio ambiente de Ouro Preto58 contribuiriam para dar aos ex-alunos um sentimento mais intenso de nacionalismo, que se manifestaria posteriormente nos conflitos sobre política mineral”.

Por outro lado, a vida que os estudantes levavam nas “repúblicas” de Ouro Preto era “muito mais afetiva” do que a dos estudantes das faculdades localizadas nas grandes cidades, favorecendo a formação de um “espírito próprio que freqüentemente acompanhava a pessoa por toda a vida”.( Carvalho, J. M., 1978: 76)

O “espírito de Gorceix” seria transmitido, pelos que foram seus alunos, às gerações seguintes, através do forte inbreeding que caracterizou a Escola. O fenômeno do inbreeding foi, inicialmente, estimulado pelo próprio Gorceix como forma de aumentar a estabilidade do corpo docente em Ouro Preto, uma cidade pequena e distante dos grandes centros da época. Em alguns casos, relata Carvalho, J. M. (1978), o inbreeding foi responsável pela formação de verdadeiras dinastias de professores, com filhos seguindo os pais, sobrinhos os tios, etc. (Carvalho, J. M., 1978: 80-81) Estes e outros fatos fariam perpetuar o “espírito de Gorceix”, ainda hoje evocado, mais de um século após o afastamento definitivo do professor francês, que deixou o país pouco tempo depois da Proclamação da República. E até mesmo por esta causa, considerando os laços de amizade que o ligavam ao Imperador deposto. Ora, vale lembrar que , no Brasil, os republicanos eram “positivistas”, enquanto os monarquistas eram “liberais”. Esta parece ser uma das principais razões de se considerar Gorceix, e seu “espírito” , como não-positivistas. Por outro lado, a discussão sobre a presença do positivismo na Escola de Minas é um elemento crucial quando se estabelece uma relação comparativa entre ela e a escola de engenharia de Belo Horizonte, objeto da discussão do ítem 4.5 deste capítulo. Antes, porém, vamos observar os primeiros resultados que a formação

dos engenheiros da escola ouropretana trouxeram para a produção industrial da região metalúrgica

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No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 122-125)