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Qualificação e formação profissional

No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 75-80)

O CENÁRIO E OS ATORES

3 ENGENHEIROS: FORMAÇÃO PROFISSIONAL E RELAÇÃO EDUCATIVA

3.1.1 Qualificação e formação profissional

O estudo de Iribarne e Virville (1978), até mesmo pela época em que foi desenvolvido, apresenta um conjunto de conceitos que permitem melhor compreender a discussão atual. Para os dois autores citados, a questão básica na noção de qualificação

é a idéia de que o trabalho qualificado, no sentido amplo do termo, é o trabalho artesanal. O artesão é aquele que reúne , em si mesmo e em seu trabalho, a matriz do fazer e do conceber, a gestão e a organização. Ele adquiriu este saber dos seus pares que lho transmitiram e, igualmente, pode transmiti-lo a outros. Em geral, ele tem contato direto com os produtos que são objeto de transformação, além de possuir o conhecimento completo sobre esse produto e seu processo de transformação. O material que ele opera é, em geral, simples e o artesão conhece bem as matérias-primas e as ferramentas que utiliza36. Ele coordena seu próprio tempo de trabalho e pode atribuir valor ao objeto produzido.

Estudando a evolução das qualificações, já num contexto aplicado ao atual processo de mudanças técnicas e do perfil do trabalhador urbano, Iribarne e Virville (1978) salientam diversos aspectos fundamentais, referentes à noção de qualificação enquanto relação social. Na sociedade industrial, a qualificação é o elemento das relações emprego-formação e, desse ponto de vista, ela se situa na intercessão dos sistemas produtivos e educativos. Ela é constituída através do aparelho educativo e se manifesta a partir do ingresso e da intervenção no processo de trabalho. A educação escolar intervém num primeiro momento na estruturação do trabalho pelos tipos de mão-de-obra que ela contribui para criar. É desse tipo de mão-de-obra disponível no mercado de trabalho, em natureza e em volume, que dependem em parte as raridades relativas dos diferentes tipos de trabalho acessíveis aos empregadores37.

Essa diferenciação vai ser reforçada pelos agrupamentos dos indivíduos que se organizam coletivamente, em maior ou menor escala e segundo modalidades variadas, para se proteger contra a banalização de suas atividades, o que é suscetível de diminuir

36 Cf Iribarne e Virville (1978). 37 Idem

suas capacidades a negociar sua força de trabalho. É a esse objetivo que respondem os sindicatos profissionais ou categorias, as associações profissionais específicas ás categorias, as associações de antigos-alunos, etc.38

Enquanto elemento central das relações emprego-formação, ainda segundo o estudo de Iribarne e Virville (1978), a noção de qualificação não pode ser vista como objeto isolado, mas como resultante de outros fenômenos a ela relacionados, a saber:

• organização e divisão do trabalho:

aqui se destacam duas outras noções importantes que são a “contribuição produtiva” e a noção de “transferibilidade”. Por contribuição produtiva, os autores compreendem o processo de acumulação de saberes, que têm origem ou não em aparelho formal de formação, somada à experiência adquirida na passagem sucessiva por postos de trabalho. Por transferibilidade, entende-se a qualificação enquanto valor de troca no mercado de trabalho, ou seja, a transferibilidade dos saberes entre diversas organizações. Nesse caso, a divisão do trabalho é um fator de redução da transferibilidade, na medida em que os empregos definidos com conteúdos estreitos têm fortes chances de ser diferenciados de um empregador para outro. Os trabalhos muito parcelados conduzem a uma aprendizagem mais fácil (e menos custosa) mas, por outro lado dificultam o valor de troca das qualificações;

• valorização da qualificação:

a apreciação da qualificação varia segundo os agentes interessados, ou seja, para os seus utilizadores, para os possuidores da força de trabalho e para os reguladores desta força (os poderes públicos). A apreciação da qualificação varia de acordo com a ótica de sua

contribuição à produção ou pela retribuição e distribuição do fruto da produção ( valor de troca);

• formação como origem da qualificação:

o essencial em termos de formação profissional é que os aspectos gerais da formação e os aspectos profissionais não podem ser dissociados na ótica da aquisição de qualificações. Estreitamente imbricados, ambos concorrem para matizar as diversas situações de trabalho ofertadas. O acréscimo da qualificação, sendo uma progressão dessa matriz, é encarado como processo intelectual de integração e não somente de adição. A progressão da formação se ordenará, então, de modo a incorporar as capacidades crescentes de integração;

• transferibilidade e "filières" profissionais:

difícil de traduzir, a noção de "filière profissional", refere-se às etapas sucessivas seguidas por um indivíduo na sua progressão profissional. A principal discussão que se trava sobre esta questão está ligada ao confronto entre, de um lado, os sistemas de formação dotados de um conteúdo mais generalista e, de outro lado, os sistemas (ou filières) profissionais que formam qualificações a serem imediatamente utilizadas em certos postos de trabalho, reduzindo o tempo e o custo da aprendizagem no local de trabalho. Os autores fazem uma ressalva interessante sobre o modo de construção das filières:

"É preciso distinguir as filières teóricas, tais como aparecem na leitura das progressões possíveis, das filières reais, tais como são de fato percorridas. Pode-se questionar se a tendência das flières fracionarem-se para assegurar empregos iniciais, correspondentes a diferentes níveis de formação do aparelho educativo, e se o prolongamento das linhas hierárquicas não teriam por objetivo assegurar para cada nível de entrada uma aparência de progressão, suficiente para acalmar as esperanças, mas insuficiente para colocar em questão as estratificações sociais reproduzidas pelo aparelho educativo." (Iribarne e Virville , 1978:42)

• qualificação e normas sociais:

a ampla compreensão das relações entre o trabalho, a formação e sua dinâmica só é possível de ser apreendida no quadro da vida social e da educação. A educação tem por objetivo proporcionar aos indivíduos uma matriz, a melhor possível, capaz de lhe assegurar um desempenho em diferentes funções sociais, seja na esfera familiar, do consumo, da vida política ou da produção. O sistema de formação precisa, pois, ser voltado não somente para o trabalho mas também para as diferentes esferas da vida. Assim, os equilíbrios instantâneos entre trabalho e educação, sua associação, bem como a qualificação que resulta dessas relações, não podem ser vistos como fenômeno estáveis mas como fenômenos que se apoiam sem cessar um sobre o outro, e evoluem constantemente em função das normas sociais, ou seja, eles evoluem sob a forma de sistema cultural dominante. Os autores salientam que, a todo momento coexistem formas de trabalho que pertencem ao sistema cultural dominante, mas que relacionam- se também a sistemas infra e supra cultural. Elas relacionam-se a certas qualificações raras e caras (supracultural) ou a certas atividades do sistema industrial em cadeia (infracultural). Essas diferenças, para mais ou para menos, geram disfunções. No caso das atividades infraculturais, uma das estratégias de ajustamento consiste em freiar a evolução das normas sociais, porém esta solução conduz a uma regressão generalizada. Os autores comentam: "a solução de uma tal disfunção parece, ao contrário, dever ser procurada na construção de um sub-sistema de trabalho em coerência com o sistema

cultural global e com as exigências formuladas pelos outros subsistemas vis-à-vis às implicações pessoais."39

• evolução das antigas em novas qualificações:

esse movimento emerge da transformação de antigas atividades, ou mesmo de seu desaparecimento, bem como do surgimento de novas tecnologias, novos ramos industriais, etc. Para os autores, essas mudanças não levam, necessariamente, à desqualificação.

No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 75-80)