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Marchas e contramarchas da experiência japonesa

No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 55-59)

O CENÁRIO E OS ATORES

2 SUCESSO O ESGOTAMENTO DO FORDISMO

2.4.2 Marchas e contramarchas da experiência japonesa

Exemplo de um novo paradigma industrial, os métodos japoneses apontam para um padrão específico de organização da produção e do trabalho. A estrutura industrial é, a um tempo, flexível e integrada, caracterizando–se pela associação dos ganhos de escala aos ganhos de escopo, obtida pela produção diversificada e em pequenos lotes. Há, portanto, uma diferença significativa em comparação com o “padrão” fordista, caracterizado pela produção em grandes séries de um mesmo produto, o que resulta em ganhos de escala.

O estudo de Coriat (1994) sobre o método “toyota” (empresa paradigmática), baseia-se em dois “pilares”: a auto-ativação e o método just-in-time (JIT). O primeiro representa a possibilidade da força de trabalho de reintegrar a “gestão da qualidade nos atos elementares da execução das operações” 21; a execução do trabalho em várias máquinas ao mesmo tempo, através de postos de trabalho polivalentes, em uma nova concepção da linha de produção. O resultado será a “desespecialização” dos operários “para transformá-los não em operários parcelares, mas em plurioperadores, em profissionais polivalentes, em trabalhadores multifuncionais”22.

Por outro lado, a desespecialização e a transformação em trabalhadores multifuncionais também se apresentam como uma forma de atacar “o saber complexo

21 Coriat (1994: 53). 22 Idem (1994:53).

do exercício dos operários qualificados”, a fim de diminuir os seus poderes sobre a produção e de aumentar a intensidade do trabalho. Esta é uma nova maneira de racionalização do trabalho, não mais baseada no parcelamento e microtempo impostos como, na via americana, mas através da desespecialização e do “tempo partilhado”.23 Já o just-in-time consiste no abastecimento dos postos de trabalho com o

estritamente necessário à produção, no “tempo certo”. Para que isso funcione, torna-se necessário um sistema de informações (Kan-ban) eficiente mas não necessariamente sofisticado, organizado paralelamente aos fluxos reais da produção. No JIT, enquanto as células de produção estão organizadas do início para o fim, o fluxo de informação é invertido, seguindo da jusante à montante da cadeia produtiva. O sistema de circulação das informações explicitam aos diferentes postos de trabalho as necessidades de cada um. O resultado desse sistema se traduz na reassociação de tarefas que antes, no fordismo, estavam separadas : execução, programação e controle de qualidade. Essa reassociação resulta em outra dimensão da pluriespecialização ou polivalência, que também inclui a manutenção das máquinas, em um nível mais elementar.

Todas as outras “ferramentas” do método japonês (muito conhecidas e, freqüentemente adotadas no Brasil), tais como: o Controle da Qualidade Total, o

Kaizen, os 5 S’s,24 o CCQ (Círculos de Controle de Qualidade), CEP (Controle

Estatístico de Processos) e outros, funcionam como suportes para os dois “pilares” principais. Várias destas ferramentas são, na verdade, mecanismos de envolvimento dos trabalhadores, garantindo sua participação, que vem através da apresentação de todos os

23 Diferentemente dos “tempos impostos” (paradigma fordista), o “tempo partilhado” refere-se ao

princípio da atribuição de tarefas moduláveis e variáveis tanto em quantidade quanto em natureza, o que é possível graças à multifuncionalidade dos trabalhadores. (Coriat, 1994:71)

24 5 S’s (cinco esses) é o nome de uma “ferramenta da qualidade” de origem japonesa, que reúne cinco

princípios de nome iniciados em S : seiri, seiton, seisoh, seiketsu, shitsuke. Estes princípios foram traduzidos para: arrumação, ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina. (MBR, s/d)

tipos de sugestões. Estas sugestões vão gerar pequenas mudanças no processo produtivo, inovações incrementais que, no seu somatório, resultam numa dinâmica de inovação tecnológica constante. A participação dos trabalhadores é maciça e, dado o seu alto nível de qualificação, o desenvolvimento tecnológico das empresas é, por isso, significativo.

O sucesso do modelo japonês é, portanto, dependente de uma força de trabalho altamente qualificada, multifuncional e com importante participação no processo de inovação da indústria. A multifuncionalidade, ou polivalência, permite ao trabalhador desenvolver diferentes tarefas, bem como responder aos constantes problemas que a produção diversificada coloca para as empresas. Por outro lado, a polivalência da mão- de-obra vai depender de uma outra singularidade da estrutura industrial japonesa: seu sistema de emprego e de gestão da mão-de-obra.

O salário por antiguidade representa um critério para a formação da remuneração da mão-de-obra. Quanto maior é o tempo de serviço do operário, maior é o seu salário. Mas esta fórmula tem sido substituída por outros elementos, principalmente pelo pagamento por “merecimento”, ou seja, quanto mais eficiente e inovativo for o operário maior será seu salário. (Oliveira, A. 1996). Por outro lado, um forte e amplo sistema de treinamento interno garante o saber do trabalhador sobre as especificidades da firma empregadora, tornando-o mais apto para as contribuições inovadoras.

Posto o quê, pode-se melhor compreender a natureza do sucesso das relações inter-firmas, no modelo japonês. A base do modelo é o just-in-time, inicialmente interno às grandes empresas. Sua difusão terminou por alcançar todas as empresas fornecedoras. Este sistema gerou, conseqüentemente, uma estrutura industrial diferente da fordista, na qual as grandes plantas industriais buscavam a “verticalização” das empresas, com o objetivo de alcançar ganhos de escala sucessivamente maiores. Na

economia japonesa a verticalização é baixa, ou seja, sua estrutura é muito mais “horizontalizada” se comparada à ocidental, o que se deve às características de focalização e externalização da produção, através do JIT externo, bem explicada por Oliveira (1996):

“A difusão do jus-in-time para toda a rede de fornecedores viabilizou a relação de subcontratação entre as pequenas e médias com as grandes empresas. Essa relação de subcontratação é pautada pela hierarquia, onde as pequenas e médias empresas estão numa posição de subordinação em relação às grandes, tanto por um estatuto de dependência como pela fidelidade em todos os níveis.25 Outra

característica importante a salientar é que os salários pagos pelas pequenas e médias são menores quando comparados aos das grandes empresas. Mas as relações entre elas também podem ser pautadas por cooperação tecnológica e treinamento e qualificação da mão-de-obra. O objetivo implícito é possibilitar a internalização da inovação, distribuindo os ganhos entre as partes envolvidas. Geralmente nesses casos existem contratos de maior duração entre as empresas. Essa duração é determinada pelo ciclo de vida dos produtos, quando abre-se uma nova rodada de negociações entre as empresas. Em síntese, é a grande empresa que define os critérios de qualidade, conformidade, prazos de entrega de produtos, além de estimular a inovação das subcontratadas.”

(Oliveira, 1996: 42)

A cooperação dos trabalhadores, tão vital para o JIT, é obtida mediante um sistema de emprego e gestão do trabalho coerentes com o todo do modelo, ressalta Coriat (1994). Mas é preciso destacar que, também no caso da gestão do trabalho, o sistema se concentra apenas nas grandes empresas, praticamente excluindo a mão-de- obra das pequenas e médias empresas, as mulheres, a mão-de-obra temporária e irregular.

Leite (1996: 80) discute a existência de uma significativa diferença em relação às condições de trabalho entre, de um lado, os trabalhadores vitalícios que constituem o core da força de trabalho e, de outro, os trabalhadores periféricos. Nas “empresas mães”, e nas fornecedoras de primeira linha, a maior parte da força de trabalho tende a

ser formada por trabalhadores estáveis, bem pagos e qualificados que constituem o core e para os quais as possibilidades de carreira e o treinamento contínuo são considerados como elementos essenciais. Já nas fornecedoras que produzem as peças tecnologicamente menos sofisticadas, a maior parte da mão–de–obra é constituída pelos trabalhadores pouco qualificados e instáveis e, neles, as empresas pouco investem. A flexibilidade das firmas parece estar relacionada a esse duplo arranjo, o que lhes permite dispor de seus trabalhadores periféricos de acordo com as flutuações do mercado, garantindo assim a estabilidade do core. Permite, ainda, que as empresas mães joguem sobre os fornecedores o peso de tais flutuações, através da divisão do trabalho no conjunto da cadeia. Observe-se, pois, que esse arranjo, ao garantir o trabalho estável e qualificado do core, o faz às expensas da mão-de-obra instável, barata e desqualificada das firmas periféricas. Como diz Leite, o modelo “se imbrica com fortes discriminações sociais de gênero e etnia que acabam por reservar aos trabalhadores masculinos e japoneses os postos estáveis e qualificados, relegando as mulheres e estrangeiros aos trabalhos mal pagos e desqualificados da periferia”.(Leite, 1996: 81)

No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 55-59)