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Fordismo e investimento em Capital Humano

No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 94-98)

O CENÁRIO E OS ATORES

CATEGORIA SOCIAL

3.2.5 Fordismo e investimento em Capital Humano

Após a segunda guerra mundial, a planificação da educação e da formação profissional ganhou uma adesão cada vez mais forte. Fruto da teoria do “capital humano”. Em uma análise crítica da citada teoria, Lautier e Tortajada (1978) identificam seus fundamentos na explicação de Adam Smith para as causas das desigualdades salariais em diversos tipos de emprego: “os talentos de um homem educado seriam comparáveis a uma máquina cara”.42 E, mais recentemente, a teoria do “capital humano” teria raízes no pensamento de Walras43, que distinguiu três tipos de capital: a terra, o capital propriamente dito e o pessoal e, mais fortemente, ainda,

41 Ver Galbraith (1983).

42 Lautier e Tortajada (1978:11) citando Adam Smith. 43 Idem, citando Walras.

no pensamento de I. Fisher44, onde se apoiam a maior parte dos trabalhos sobre o “capital humano”, considerando três questões principais:

- determinar a demanda de educação de cada um dos indivíduos;

- estabelecer a relação entre as despesas com educação no plano social e o crescimento da produção;

- efetuar uma escolha entre os diversos segmentos (filières) de ensino, “rentáveis” ou “não rentáveis”. ( Lautier e Tortajada, 1978:29)

O conceito de “capital humano” surgiu, pois, antes de 1950, mas ganhou espaço a partir da década de sessenta. Nesse contexto, o indivíduo trabalhador e sua capacidade de trabalho, passam a ser considerados “fator de produção”, dentro de uma noção que incorpora características econômicas, tais como: “preço”, “quantidade”, além de suscitar a avaliação em termos do rendimento que os gastos com ensino, ou o “investimento em capital humano”, possa gerar.

De origem norte-americana, a construção da teoria do “capital humano” deve- se, segundo Lautier e Tortajada (1978), não à inquietude sobre o funcionamento do sistema escolar nem sobre as relações entre este e o processo de produção, “mas uma inquietude de ordem política e militar”. O Estado americano encomendou estudos que avaliassem as conseqüências do grande aumento dos gastos com educação, após a segunda guerra, e os seus efeitos sobre o crescimento econômico, bem como sobre os avanços técnicos e militares. Por outro lado, a mesma teoria avalia os “investimentos” em educação como escolha do indivíduo, ou sua família, num “produto” (a educação) capaz de trazer retorno futuro, ou seja, “um investimento na sua futura capacidade própria de obter ganhos”. Já do ponto de vista macroeconômico, a questão se coloca em termos de encarar as despesas em educação como participando de uma problemática de

alocação ótima de recursos, quando se pode optar entre diferentes tipos de capital. (Lautier e Tortajada, 1978)

A planificação escolar, dinamizada após a segunda grande guerra, em grande parte dos Estados nacionais, seguiu as premissas desta corrente de pensamento. As mesmas premissas orientaram as escolhas individuais e familiares. Vinokur (1995) constata que os diplomas emitidos valem como “moeda” ou “bilhete de acesso” aos meios de subsistência. Além do mais:

“o título universaliza o trabalhador porque, análogo à moeda, ele faz um ‘trabalhador livre’, no sentido de Marx, mas cuja competência e todos os direitos correlativos são garantidos sobre todos os mercados.”

(Bordieu e Boltansky, 1975)45

Neste contexto, paira a noção de uma aparente neutralidade do sistema escolar. No entanto, para as universidades, dois tipos de controle são possíveis: a) o controle corporativo interno ( corpo de professores e estudantes ); b) controle político, exercido sobre os conteúdos de ensino e os critérios de diplomação (através do financiamento, recrutamento e do controle dos professores). A aparente autonomia do aparelho escolar aparece, portanto, decorrente de sua autoridade pedagógica.

A instituição universitária viabiliza o acesso não somente ao diploma, mas também aos empregos, o que é garantido pelas associações profissionais e seus estatutos. Por outro lado, o Estado intervém diretamente nas relações profissionais, respondendo, através da escola, às necessidades de qualificação dos trabalhadores, demandadas pelos empregadores, gerando uma situação como a descrita abaixo:

“no seu processo de acumulação, o capital tem necessidade permanente não de uma adequação, mas de um excedente quantitativo e qualitativo de pessoal qualificado em relação às necessidades imediatas, excedente pesando sobre os salários, disponível para as necessidades futuras e assegurando a elevação constante dos níveis de qualificação para um mesmo emprego. Superprodução e

superqualificação dos trabalhadores são então funcionais.”

(Vinokur ,1995:174)

De fato, a instância central de planejamento das ofertas de serviços escolares pode dispor de uma “matriz de coeficientes técnicos de mão-de-obra” que permite assegurar desde o crescimento antecipado dos ramos de atividade econômica até as necessidades quantitativas em termos de postos de trabalho qualificados. Mas Vinokur (1995:175) chama a atenção para o fato de que uma estabilidade nas relações entre diploma / posto de trabalho / mobilidade do trabalhador só poderia ser assegurada num mercado de trabalho fortemente institucionalizado:

“Historicamente, ele coincide com o desenvolvimento da relação salarial ‘administrada’, i. e. de um sistema de emprego do tipo fordiano hierarquizado: repartição dos recursos sobre o conjunto do ciclo de vida, distribuição do salário direto e indireto segundo os quadros de classificação definidas pelas convenções coletivas, regulamentação das condições de emprego, de demissões e de exercício de trabalho.”

(Vinokur, 1995: 175)

Esta citação nos remete à discussão anterior sobre o fordismo e o pós-fordismo. Conforme foi visto, em capítulo anterior, a crise do fordismo e a era pós-fordista implicaram em forte desregulamentação das relações de trabalho, acompanhando o movimento de flexibilidade dos sistemas de produção, ou a reetruturação produtiva. Diversos estudos dão conta de que essas mudanças afetaram a base constitutiva dos sistemas de formação profissional e, particularmente, da formação de engenheiros.

No documento A TRAMA E O DRAMA DO ENGENHEIRO (páginas 94-98)