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CAPÍTULO III A TITULARIDADE DO DIREITO A INDEMNIZAÇÃO POR DANO

II. Enquadramento da exposição

Ao abrigo do artigo 138.º do Código da Estrada de 1930 e do artigo 56.º do Código da Estrada de 1954341, os tribunais admitiram a reparação do dano moral causado por

341 No domínio da vigência do Código da Estrada de 1954, cfr., entre outros, os seguintes arestos,

em hipótese de acidente não mortal: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Julho de 1958, in «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 79, Outubro de 1958, págs. 455 e segs., onde se confirma decisão da Relação em que fora arbitrada indemnização de 77.938$80, globalmente por danos materiais e morais, a vítima de acidente que ficou "inutilizada para a vida: sem fala, sem razão, sem movimento dos membros inferiores — 100% de incapacidade".O Supremo considerou, criticamente, que o montante arbitrado "pelos danos materiais morais e pelo longo tratamento médico e pelo trabalho perdido está muito longe daquilo que deveria ser"; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Julho de 1960, in «Revista dos Tribunais», ano 78.º, 1960, n.º 1752, págs. 375 e segs., e no «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 99, Outubro, 1960, págs. 748 e segs., onde é valorado como dano moral o desgosto pela aposentação antecipada em consequência do acidente; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Julho de 1960, in «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 99, Outubro de 1960, págs. 684 e segs., que arbitra uma indemnização de 35.000$00 por danos morais ao acidentado que ficou com uma deformação do membro inferior direito e um encurtamento do mesmo de cerca de 35 mm relativamente ao membro inferior esquerdo e sofrido física e moralmente durante longo tempo de tratamento; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 1960, in «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 101, Dezembro de 1960, págs. 509 e segs., que atendeu ao dano moral sofrido em virtude do acidente –dano moral de grande relevância, independentemente da condição social do ofendido, prejuízo funcional e estético resultante de aleijão em homem novo, de 35 anos de idade; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 1961, in «Revista de Legislação e Jurisprudência», ano 94.º (anos 1961- 1962), n.º 3209, págs. 309 e segs., e no «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 104, Março de 1961, págs. 430 e segs.; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 1961, in «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 105, Abril de 1961, págs. 454 e segs., que considerou manifestamente exígua a quantia de 5.000$00 fixada pelas instâncias para compensar o desgosto de um acidentado que ficou a padecer de aleijão para o resto da vida, dizendo que "A circunstância de as indemnizações terem sido geralmente baixas, não justifica que não deva mudar-se de orientação. Há que ter na devida conta o valor e a dignidade da pessoa humana, como bem refere o recorrente. Aquela circunstância resultava, em certa maneira, de o anterior Código da Estrada estabelecer como regra o limite máximo de 200 000$00 como indemnização respeitante a todos os prejuízos ou danos derivados do mesmo acidente — art 138.º, alínea a). A responsabilidade sómente era ilimitada nos acidentes em que tivesse havido intenção criminosa do responsável. O citado art 56.º, n.º 2, do actual Código só estabelece aquele limite quando o acidente não seja imputável a culpa do agente. Nos demais casos não há limite de indemnização. (…) Fazendo desaparecer aquela limitação legal a que os tribunais estavam sujeitos, e mantendo-a unicamente quando o acidente não seja imputável a culpa do agente, o legislador mostrou nitidamente a sua intenção de que as indemnizações fossem mais elevadas, como sucede na generalidade dos países de civilização igual à nossa"; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1961, in «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 107, Junho de 1961, págs. 390 e segs., em que se reconheceu que uma criança de 10 anos que padeceu de sofrimentos e incómodos e que ficará para a vida com cicatriz extensa e aleijão no membro inferior, que faz com que tenha de claudicar, e padeceu de 341 dias de doença com longo internamento tem direito a uma indemnização de 90.000$00 (valor fixado globalmente por dano material e moral,

mas em que avultava o dano moral); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 1961, in «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 107, Junho, págs. 543 a 547, em que foi arbitrada indemnização de 20 000$00 por danos morais devido a aleijão; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 1961, in «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 108, Julho de 1961, págs. 246 e segs., que considerou que uma costureira de bordados, que ficou a padecer de impotência funcional dos dedos indicador e polegar da mão direita e de deformidade, cicatriz, de 25 cm, desde a axila até baixo do cotovelo que a desfigura, tem direito a indemnização por danos morais traduzidos nos "sofrimentos que teve de suportar nos curativos a que foi submetida, desgosto resultante de se ver desfigurada, com perda dos seus atractivos femininos, arredando as possibilidades de ser requestada e de vir a casar"; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 1962, in «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 117, Junho de 1962, págs. 479 a 481, reconhecendo o direito a indemnização por danos morais resultantes de ofensas corporais por acidente de viação; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 1963, in «Revista de Legislação e Jurisprudência», ano 96.º, n.º 3260, págs. 363 e segs., com anotação de VAZ SERRA, em que se arbitrou indemnização autónoma por danos morais, que a decisão identifica — dores e preocupações — a cada uma das vítimas do acidente; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 1964, in «Revista de Legislação e Jurisprudência», ano 97.º, n.º 3283, págs. 338 e segs.; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 1965, in «Revista de Legislação e Jurisprudência», ano 98.º, n.º 3304, págs. 291 e segs; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 1968, in «Revista de Legislação e Jurisprudência», ano 102.º, n.º 3400, págs. 292 e segs., que manteve a cifra de 30.000$00 – aquém do pedido, no valor de 100.000$00 - por danos morais (nas palavras do Acórdão "preço da dor que se sofre e da alegria que se perde") sofridos por uma criança de 4 anos, vítima de atropelamento; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Julho de 1968, in «Revista de Legislação e Jurisprudência», ano 102.º, n.º 3400, págs. 298 e segs.; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1969, in «Revista de Legislação e Jurisprudência»», ano 103.º (1970), n.º 3412, págs. 100 e segs., em que "resultando para a vítima de um acidente de viação, que ao tempo do mesmo tinha 55 anos, era robusto e vivia feliz, com mulher e dois filhos, além de danos materiais no montante de 160 134$00, esmagamento dos ossos do antebraço esquerdo, com necessidade de várias e dolorosas intervenções cirúrgicas, longo internamento hospitalar, cuja primeira fase se prolongou por 132 dias, tratamento durante 577 dias, impossibilidade definitiva, quase total de articular o referido antebraço e a mão esquerda e ainda variadas outros sofrimentos físicos e morais, e sendo a culpa do acidente dos motoristas das duas viaturas que colidiram, justifica-se a fixação da indemnização na quantia de 280 000$00", quantia global para danos materiais e morais. Cfr., quanto a indemnização devida em caso de morte da vítima do acidente, entre outros, os seguintes arestos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1958, in «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 76, de Maio de 1958, págs. 317 a 321, em que foi arbitrada, ao abrigo do artigo 56.º, n.º 2, do Código da Estrada de 1954, e em razão de acidente de que resultou a morte da vítima, indemnização em cujo valor global foram atendidos os "danos materiais", "o valor da vida humana e a falta que a vítima faz àqueles de quem era amparo", dizendo-se que "a indemnização pelo dano moral sofrido com a perda do marido e pai, visa em certo modo, atenuar a dor causada, reparando-a pela única forma que é possível. Esse dano moral, apesar de transcender a valorização económica, há que indemnizá-lo tendo em vista a média da experiência humana em sentimentalismo e afectividade, já que é impossível encontrar, com segurança, o equivalente pecuniário da lesão moral, como já se dizia com justeza no acórdão deste Supremo Tribunal, de 26 de Janeiro de 1945 (…)". Trata-se de decisão muito relevante, pois considerou reparável a perda da vida, a par dos danos morais próprios dos familiares da vítima. O Acórdão é omisso, contudo, quanto ao modo por que se adquire o direito de indemnização pelas vítimas; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Julho de 1960, in «Boletim do Ministério da Justiça» n.º 99, Outubro 1960, pág. 695 e segs., que arbitra uma indemnização por dano material e moral sofrido com a morte do pai aos filhos da

acidente, distinguindo-o do dano material, e conheceram o problema jurídico da determinação dos titulares do respectivo direito a indemnização, em particular em caso de morte da vítima, pondo a descoberto, paulatinamente, grande parte das questões que a propósito se podem colocar. Analisaremos, seguidamente, a delimitação pela jurisprudência do conceito de dano moral e definição do respectivo âmbito, contribuindo para a sua progressiva autonomização do dano material. Num segundo momento, exporemos o conceito de lesado e a definição dos titulares do direito de indemnização feita pelo Supremo Tribunal de Justiça.

III. A autonomização pela jurisprudência da categoria do dano moral, por