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II. A delimitação dos sujeitos titulares do direito a indemnização por dano moral a partir da

4. A delimitação do dano indemnizável: se os pressupostos do nexo de causalidade e da culpa

4.1. O nexo de causalidade e a previsibilidade do dano

O requisito do nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo visa determinar se há prejuízos que, segundo um critério jurídico, possam dizer-se causados pelo facto e, ao

que o nexo de causalidade não constitui um elemento autónomo da responsabilidade civil, antes representa simples aspecto por que se encara a imputação do dano ao responsável. Apresenta uma teoria que designa por teoria da verificação concreta do fundamento da responsabilidade, relacionando nexo de causal e fundamento do dano: "um facto diz-se causa de um dano quando o produz pela forma que a lei tinha em vista ao considerar os factos da mesma espécie fontes de responsabilidade civil. Tudo está em interpretar a lei, determinando qual a razão de ser da responsabilidade, e em averiguar depois se o processo pelo qual um facto produziu certo dano corresponde ao fundamento da mesma responsabilidade. Se a lei liga a obrigação de indemnizar a determinado facto, procede assim por entender que ele tem certa aptidão para produzir danos, e por isso é necessário averiguar, nos casos concretos, se êles se produziram pelo modo por que, no espírito da lei, o mesmo facto lhes podia dar origem" (O dever de prestar e o dever de indemnizar, vol. I, cit., pág. 149). Cfr. a crítica a esta tese feita por PEREIRA COELHO, O nexo de causalidade na responsabilidade civil, cit., pág. 176, que a considera vaga, dizendo que dela não se conseguem extrair directivas de que um magistrado possa lançar mão. A tese de MANUEL GOMES DA SILVA merece ser destacada por conter os fundamentos da "teoria do escopo da norma violada" (sublinhando este aspecto, cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, A responsabilidade do gestor perante o dono do negócio no Direito Civil Português, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 281, nota (2), ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, cit., pág. 539 e Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Gestão de negócios, Enriquecimento sem Causa, Responsabilidade Civil, cit., págs. 540 e 541 e segs. e ADELAIDE MENEZES LEITÃO, Normas de protecção e danos puramente patrimoniais, cit., pág. 712, em nota).

187 Aderimos, para efeito da exposição, ao esquema proposto por ADELAIDE MENEZES LEITÃO, em

Normas de protecção e danos puramente patrimoniais, cit., pág. 19. Segundo a autora, "na responsabilidade delitual existem essencialmente três sistemas de delimitação do dano indemnizável: o "sistema do nexo de causalidade", que parte da exigência de um nexo causal entre o acto ilícito e o dano ressarcível; o "sistema da culpa", que só admite o ressarcimento dos danos abrangidos pela culpa do agente, e o "sistema da ilicitude", que opera a delimitação dos danos indemnizáveis pela própria noção de ilicitude" (pág. 19). Cfr. propondo este esquema MANUEL CORTES ROSA, A delimitação do prejuízo indemnizável em Direito Comparado Inglês e Francês, in «Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa», vol. XIV (1960), pág. 337.

mesmo tempo, permite resolver o problema da extensão do dever de indemnizar, apurando até onde os prejuízos ocorridos em seguida à lesão devem ser reparados pelo lesante. A resposta à questão de saber se está preenchido o nexo de causalidade exigível na indemnização por danos indirectos prende-se, essencialmente, com os seguintes aspectos: apenas é consequência jurídica do facto ilícito o dano previsível? Para quem postule a previsibilidade do dano, exigir-se-á a previsibilidade do dano concretamente

sofrido ou tão só a previsibilidade da ocorrência de dano que tipicamente apresente a mesma natureza que o dano concretamente sofrido? As circunstâncias a atender para determinar a

previsibilidade do dano devem ser as conhecidas do agente ou também as cognoscíveis? E, nesta última hipótese, exige-se a cognoscibilidade pelo lesante ou por um homem médio? Atente-se no seguinte exemplo: um sujeito causa, por facto ilícito e culposo, a morte de outrem, sendo a vítima casada e com filhos. A obrigação de indemnizar os danos morais sofridos pelo cônjuge sobrevivo e pelos filhos deverá depender: da previsibilidade, em concreto, destes danos morais? Ou basta a previsibilidade destes danos, enquanto danos que tipicamente ocorrem em consequência da morte? Será de exigir que o lesante ou um

homem médio soubesse ou pudesse saber que a vítima era casada e tinha filhos, que por ela tinham afecto (circunstâncias a atender no juízo a formular)? Explanaremos, de seguida, as

directrizes que a doutrina da época delineou na resposta a estas questões, atendendo, em particular, à formulação acolhida para a teoria da causalidade adequada.

Probabilidade objectiva do dano. Segundo Francisco Pereira Coelho188, o que teria de

verdadeiramente específico a teoria da causalidade adequada seria o facto de esta não ter por suficiente o significado das condições no próprio processo causal, mas tomar o significado que a condição tem em abstracto em relação a um resultado do género daquele que se verificou: só aqueles prejuízos que, em face do curso ordinário dos factos, da regra comum da vida, a prática de um facto daquela espécie torna objectivamente prováveis se devem ter por “causados pelo facto”.

Haveria, no entanto, que determinar quais as circunstâncias de facto atendíveis na formulação do juízo de probabilidade. Pereira Coelho sublinha a disparidade de opiniões

quanto à determinação das circunstâncias de que o juiz deve abstrair. Refere a crítica à doutrina segundo a qual seriam de atender apenas as circunstâncias conhecidas do agente no momento em que agiu — porquanto essa tese conduziria a resultados idênticos a um juízo de culpa referido aos danos em concreto — e prefere a doutrina, prevalentemente acolhida, de considerar atendíveis todas as circunstâncias existentes no momento da acção que eram cognoscíveis por um homem médio, ao qual deveria ser substituído o ponto de vista do agente no caso de este ter um conhecimento maior.189

Para certos autores, numa perspectiva lógica, a teoria da causalidade adequada postularia a previsibilidade do dano por um homem médio, no momento da prática do facto. Com efeito, se prejuízo adequado é o prejuízo que aparece aos olhos de um homem médio como consequência ordinária, normal ou natural do facto, o prejuízo adequado é um prejuízo previsível. Aceitando a ideia de que prejuízo adequado é um prejuízo previsível, Pereira Coelho chama, no entanto, a atenção, para que o conceito de previsibilidade que está aqui em causa é moldado em termos objectivos, coincidindo com a ideia de probabilidade objectiva. Não se confunde, por isso, com o conceito de previsibilidade formulado em termos subjectivos, correspondente à noção de culpa dirigida aos danos em concreto, e em que se tratava de descobrir uma conexão de índole subjectiva entre dado prejuízo e certa, determinada e concreta pessoa.190-191 Atente-se no

188 O nexo de causalidade na responsabilidade civil, cit., págs. 137 e segs. Também apela à ideia de

probabilidade INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Manual de Direito das Obrigações, Tomo I, cit., pág. 209.

189 PEREIRA COELHO, O nexo de causalidade na responsabilidade civil, cit., págs. 143 e segs., e pág. 154.

INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Manual de Direito das Obrigações, Tomo I, 2.ª edição. Coimbra, 1965, atende, igualmente, às circunstâncias que um homem normal poderia conhecer e às conhecidas do agente (pág. 209). Cfr. ainda, VAZ SERRA, Obrigação de indemnização (Colocação. Fontes. Conceito e espécies de dano. Nexo causal. Extensão do dever de indemnizar. Espécies de indemnização). Direito de abstenção e de remoção, cit., pág 41, que aceita esta solução, mas liga-a ao problema da culpa, ressalvando a hipótese em que a culpa tenha de ser apreciada em concreto, caso em que haveria de atender-se apenas às circunstâncias que o devedor podia conhecer. FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, cit., refere que neste ponto a causalidade já não consistiria num juízo objectivo de previsibilidade, mas num juízo sobre as possibilidades concretas de previsão que tinha o próprio agente, com a vantagem de explicar a responsabilidade pelos danos anómalos, quando para o agente eram previsíveis (págs. 399 e 400), problema que se resolveria de acordo com a delimitação do comportamento devido em termos de diligência e não através do nexo de causalidade.

exemplo de Pereira Coelho: “Não se trata de saber se “uma pancada” é adequada para provocar

“uma morte”. Trata-se sempre de saber se “tal facto em dadas condições” (é este o aspecto concreto da nossa concepção) é ou não é “abstractamente idóneo” (este é o aspecto “abstracto” da nossa

concepção) para produzir um certo prejuízo”.192 Manuel de Andrade propugna,

inclusivamente, que se abstraia do condicionalismo concreto, apreciando-se a acção condicionante segundo a sua natureza geral, olhando-se à sua configuração genérica, ao seu tipo, devendo formular-se a seguinte questão: “será um facto deste género indiferente para

este género de dano?”193 Aplicando estas directrizes ao problema do nosso estudo, dir-se-ia:

não se trata de saber se “a pancada” que causou a morte da vítima é adequada para causar “o sofrimento em concreto padecido por aquele lesado mediato”, mas de saber se tal facto ilícito (em dadas condições) é adequado para causar sofrimento àquela categoria de lesado. A seguir-se este entendimento, não se exigiria ao lesante que conhecesse ou pudesse saber se a vítima do acidente era casada, unida de facto ou tinha filhos, por exemplo, para que se considerasse preenchido o requisito da previsibilidade objectiva do dano moral do cônjuge, do companheiro de facto ou do filho. Na sequência do entendimento exposto, Pereira Coelho194 propõe uma fórmula que apela à ideia de

probabilidade objectiva — “os prejuízos causados são aqueles que o lesado provavelmente não

teria sofrido se não fosse a lesão” — e coincide com a solução consagrada no artigo 563.º do

Código Civil de 1966.195

191 SIDÓNIO PEREIRA RITO, Elementos da responsabilidade civil delitual, cit., págs. 113 a. 115, critica a

teoria da causalidade adequada, considerando-a inaceitável, por exigir a previsibilidade dos danos. Para este autor, cada um deve responder por todos os prejuízos que são consequência dos seus actos, ainda que imprevisíveis. Para criticar a teoria da causalidade adequada, afirma ainda: "Se a teoria da causalidade adequada leva só a indemnizar os prejuízos previsíveis, poucos lucros cessantes serão de indemnizar; isto porque raramente o homem médio, no momento em que age, pode conhecer as medidas ou providências adoptadas pelo prejudicado" (pág. 115 da obra citada). Tendo presente o exemplo convocado pelo autor, estaria em causa a previsibilidade dos danos em concreto. Ora, a teoria da causalidade adequada exigiria a previsibilidade do dano em abstracto, como se viu.

192 O nexo de causalidade na responsabilidade civil, cit., pág. 156.

193 MANUEL A. DOMINGES DE ANDRADE, Teoria Geral das Obrigações, I, cit., págs. 351 e 352. 194 O nexo de causalidade na responsabilidade civil, cit., pág. 178.

195 Cfr.PEREIRA COELHO, A causalidade na responsabilidade civil, em direito português, in «Revista de