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2 O ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS E PESQUISAS SOBRE TAM

2.3 Ensino de Gramática

De um modo geral, as fases de uma aula de língua resumem-se em: apresentar o diálogo seguido da explicação na Língua Estrangeira, recorrendo o professor à mímica, não à tradução; treinar foneticamente os sons ouvidos, sem preocupação com o significado das palavras e introduzir novas palavras, à medida que o aluno progride rigorosamente no aprendizado, fixando as estruturas gramaticais. A memorização e a repetição de estruturas semelhantes às que constam das lições dos manuais levam os alunos a reproduzirem formas previamente abordadas pelos métodos, como se o processo de ensino-aprendizagem passasse, necessariamente, e tão somente, pela memorização de diálogos e atividades mecânicas com o objetivo de reforçar a lição. Pensando assim é que existe uma difusão de que aprender uma

língua se reduz a “adquirir” vocabulário e estruturas sintáticas.

O ensino de uma língua implica desenvolver a habilidade de produzir frases adequadas. A pessoa que domina uma língua estrangeira sabe mais do que compreender, falar, ler e escrever orações. Ela também conhece as maneiras como as orações são utilizadas para se conseguir o efeito comunicativo desejado, então,aprender palavras desligadas da sua função pode ser um desperdício de tempo, conforme Widdowson (2005, p. 13 e 196). Os exercícios gramaticais podem, por exemplo, solicitar que o aprendiz efetue preenchimento de lacunas de nível elementar assim como conversões e transformações simples em frases isoladas e depois, sem outros alertas e preparação, serem seguidos de um exercício que pede ao aluno para escrever uma redação, pequeno ensaio ou resumo de um texto já lido. Em casos como esses, os exercícios gramaticais com foco na forma, oferecem uma preparação apenas parcial e inadequada para enfrentar tarefas de escrita com essa complexidade. (WIDDOWSON, 2005, p. 197)

Para Martelotta (2008), a divisão das gramáticas é constituída em: (a) Gramática Tradicional – Também chamada de gramática normativa ou gramática escolar, é aquela que estudamos na escola desde pequenos. Não há como negar a existência da influência dos padrões de correção impostos pela gramática sobre as restrições de combinação dos elementos linguísticos, que tende a crescer à medida que aumenta o nível de escolaridade do falante ou o grau de formalidade exigido pelo contexto de uso; (b) Gramática Histórico-comparativa –

Não foi um movimento unificado, como em geral ocorre com as escolas científicas. Pode-se dizer que a escola teve o mérito de desenvolver um método empírico de comparação entre estágios de língua e de propor conceitos básicos acerca do funcionamento da linguagem, sendo alguns deles ainda hoje adotados. Mais do que semelhanças entre as palavras, chamou atenção dos comparatistas o fato de as diferenças entre duas ou mais línguas apresentarem um alto grau de regularidade e sistematicidade. Exemplos:

Latim Francês Italiano Espanhol Português

campus Champ campo campo campo

carus Cher caro caro caro

(c) Gramática Estrutural – Ao analisar uma língua, o estruturalista busca constatar que elementos constituem o sistema daquela língua, assim como observar como eles se organizam dentro desse sistema e como eles se unem para formar unidades maiores. Como esses dados se concretizam de modo diferente em línguas diferentes, a gramática estrutural via nesse processo uma natureza convencional e se limitava a descrever as diferentes línguas. Cada língua organiza, diferentemente, em seu sistema, os sons que a compõem, de modo que os mesmos sons que constituem fonemas diferentes em uma língua se apresentem como meras variantes de pronúncia em outras. Um exemplo está na oposição de timbre (aberto/fechado) para o português: pôde (pretérito perfeito do verbo poder) é uma palavra diferente de “pode” (presente do mesmo verbo); (d) Gramática Gerativa – Dois princípios teóricos básicos

caracterizam a concepção gerativa de gramática. O primeiro deles é o chamado “princípio do inatismo”, segundo o qual existe uma estrutura inata, constituída de um conjunto de princípios

gerais que impõem limites na variação entre as línguas e que se manifestam como dados universais, ou seja, presentes em todas as línguas do mundo. Esse conjunto chama-se Gramática Universal. O outro princípio gerativista é o da “modularidade da mente”, que prevê nossa mente modular, isto é, constituída de módulos ou partes, caracterizados como sistemas cognitivos diferentes entre si, que trabalham separadamente. Em outras palavras, cada um desses módulos da mente responde pela estrutura e desenvolvimento de uma atividade cognitiva; (e) Gramática Cognitivo-Funcional – É um conjunto de propostas teórico- metodológicas que caracterizam algumas escolas de natureza relativamente distinta, que, adotando princípios distintos dos que caracterizam o formalismo gerativista, apresentam alguns pontos em comum: observam o uso da língua, considerando-o fundamental para a compreensão da linguagem; observam não apenas o nível da frase, analisando, sobretudo, o texto e o diálogo; têm uma visão da dinâmica das línguas, ou seja, focalizam a criatividade do

falante para adaptar as estruturas linguísticas aos diferentes contextos de comunicação e consideram que a linguagem reflete um conjunto complexo de atividades comunicativas, sociais e cognitivas.

Segundo o PCNEM (2000), o papel da gramática no ensino e aprendizagem de língua estrangeira se redefine. A gramática normativa, prescritiva, pautada na norma culta, modalidade escrita, não é a única que deve ter lugar na aula de língua estrangeira, nem deve ser o eixo do curso. O ensino de Línguas Estrangeiras sempre manteve a gramática em lugar de destaque, dando aos exercícios estruturais um lugar privilegiado, como se, mediante a sua realização, o aluno pudesse vir a ser treinado para produzir respostas sempre corretas.

Ainda segundo o PCNEM (2000), o problema com a gramática não está propriamente nela, mas na concepção de gramática (e de língua) que orienta muitas vezes os cursos de Graduação, ou mesmo cursos livres de idiomas. Raramente está voltada para a compreensão, para a interpretação dos muitos efeitos de sentido e para as questões que regem o funcionamento de uma língua a partir das pistas que nos dá a sua materialidade; está, sim, mais preocupada com a materialidade em si mesma, tantas vezes trabalhada em função de aspectos estruturais que norteiam as tarefas gramaticais, produzindo e reproduzindo sentenças infinitas sem a reflexão linguística necessária no aprendizado de uma língua. Mesmo quando o que se propõe é um enfoque dito comunicativo, é comum ver diluídos nos conteúdos a heterogeneidade, as contradições e os conflitos constitutivos das relações sociais que se manifestam nas línguas e nas culturas.

O PCNEM (2006) acrescenta, também, que ensinar a língua não se confunde com um abandonar totalmente a reflexão sobre o modo como se apresenta essa língua em cada caso, nem a metalinguagem que se emprega para explicar alguns desses fatos. O que efetivamente importa é mais como e para que fazê-lo, é não tornar a análise e a metalinguagem categóricas em si mesmas, mas uma forma de avançar na compreensão, ou seja, uma maneira de mostrar que as formas não são fruto de decisões arbitrárias, mas o meio pelo qual se constrói e produz sentido na história.

Quanto ao CECRL (2001, p. 253), é, evidentemente, importante definir níveis de conteúdos e de progressão. Pode-se fazê-lo em termos de um componente privilegiado (linguístico ou nocional/funcional, por exemplo) ou promovendo o progresso em todas as dimensões de uma determinada língua. Na avaliação comunicativa em contexto de ensino/aprendizagem orientado para as necessidades, podemos argumentar que a distinção entre Conhecimento (orientado para o conteúdo do curso) e Proficiência (orientado para a

utilização em situação real) deveria ser, idealmente, mínima. Na medida em que a avaliação dos resultados testa a utilização prática da língua em situações significativas e tende a apresentar uma imagem equilibrada da competência manifestada, tem também uma dimensão de proficiência. Na medida em que a avaliação da proficiência consiste em tarefas linguísticas e comunicativas baseadas em um programa relevante e transparente que dá ao aprendiz a oportunidade de mostrar aquilo que conseguiu atingir, esse teste tem uma dimensão dos resultados, ou seja, pressupõe o levantamento de um contínuo de capacidades (na vertical) e de uma série de domínios pertinentes (na horizontal), de modo que os resultados individuais no teste possam situar-se em relação à totalidade, implicando: (a) a definição dos domínios pertinentes cobertos por um determinado teste/módulo e (b) a identificação de notas mínimas ou de limites – os resultados do teste são considerados necessários para responder ao nível de proficiência.

Ainda segundo o CECRL (2001), dependendo do esquema cognitivo do aprendiz, pode ser que a memorização de formas faladas seja grandemente facilitada pela sua associação às formas escritas correspondentes ou vice-versa, que a percepção das formas escritas possa ser facilitada pela sua associação aos enunciados orais correspondentes. Se assim for, a competência não exigida pelo uso – e, consequentemente, de algum modo, pode ser integrada na aprendizagem da língua como um meio para atingir um fim. Deve decidir-se (de forma consciente ou não) que competências, tarefas, atividades e estratégias, como os objetivos ou meios, deverão ter algum papel no desenvolvimento de um dado aprendiz.

A inclusão em um programa de aprendizagem de uma competência, tarefa, atividade ou estratégia que seja identificada como um objetivo necessário à satisfação das necessidades comunicativas do aprendiz não é também uma necessidade lógica. Por exemplo, muito do que

é incluído no “conhecimento do mundo” pode ser entendido como conhecimento prévio,

pertencente já à competência geral do aprendiz como resultado da sua experiência de vida anterior ou da sua formação em língua materna. O problema pode, então, ser simplesmente encontrar o equivalente correto em L2 e/ou em LE para uma categoria nocional em L1 e/ou LM. Deve, pois, decidir-se o que é conhecimento novo a ser aprendido e o que deve ser dado como adquirido. Pode, entretanto, surgir um problema, quando um campo conceptual específico está organizado em L1 e/ou LM de modo diferente de L2 e/ou LE10, o que é, aliás, frequente, sendo a correspondência entre palavras parcial ou inexistente.

10 Segundo Santos Gargallo (2004), a língua estrangeira é aprendida em um contexto de instrução formal, desprovido de função social e institucional em que a aquisição de uma segunda língua e de uma língua estrangeira se assemelham ao fato de serem desenvolvidas por falantes que já possuem uma língua materna.

O ensino de gramática, então, deve ir muito além de exercícios gramaticais; deve propiciar análise linguística para uso adequado da língua em contextos comunicativos sejam eles de pouca, média ou muita complexidade. Em nossa Língua Materna Portuguesa, além das gramáticas normativas de Bechara (2004), Cunha e Cintra (2001) entre outras, há gramáticas que consideram o uso, por exemplo, Gramática do Português Falado (KOCH, 1996), Gramática de usos do português (NEVES, 2000), Gramática do português brasileiro (PERINI, 2010).