CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA: o itinerário de construção da pesquisa
2.2. Vivenciando e construindo a pesquisa qualitativa e de postura ecoetnográfica com
2.2.3. As entrevistas
2.2.3.4. Entrevista estruturada/questionário para profissionais da área de saúde do
No decorrer de produção desta tese, também foram aplicadas entrevistas estruturadas/questionários aos/às profissionais de saúde que trabalham na rede pública de atendimento do SUS em Cavalcante-GO, buscando identificar a visão que tais profissionais têm do conhecimento kalunga relacionado ao parto.
O questionário possui perguntas previamente elaboradas, impressas e foi aplicado por meio de interação face a face entre pesquisadora e entrevistado/a. Antes da aplicação do questionário, a pesquisadora explicou seu trabalho, solicitou aos/às colaboradores/as o consentimento de participação na pesquisa e se colocou à disposição para quaisquer esclarecimentos conforme as orientações do Comitê de Ética em Ciências Humanas da UnB. Ao todo, cinco profissionais do SUS de Cavalcante-GO participaram desta etapa do presente estudo, sendo um/a médico/a, dois enfermeiros/as e dois técnicos/as em enfermagem. É relevante destacar que o modelo do questionário encontra-se no Apêndice desta tese.
Quadro 8 – Registro do questionário aplicado aos/às profissionais da área de saúde de Cavalcante-GO. Reconhecimento do próprio ofício
3. O atendimento da equipe de saúde de Cavalcante-GO em relação ao pré-natal e ao parto no âmbito hospitalar, bem como no posto de saúde de gestantes kalunga é:
4. O interesse das gestantes kalunga pelo pré-natal e pelo parto no hospital é:*
muito frequente 4 muito frequente 1
pouco frequente 1 pouco frequente 3
não há procura --- não há procura ---
5. As gestantes kalunga preferem:* 6. A equipe de saúde prefere realizar com a gestante kalunga:
parto normal 4 parto normal 3
Cesariana --- cesariana ---
parto natural --- parto natural ---
depende. Motivo: --- depende. Motivo: 2
---
Motivo 1 – “Quando elas fazem o pre natal as 9 consultas fica bem melhor o parto normal, mas como isso e muito pouco podem corre risco e as vezes por serem muito jovem mas quando tem um acompanhamento e bem melhor o parto normal.” Motivo 2 – “Depende da situação que chega na unidade”.
Opinião do/a colaborador/a a respeito das práticas kalunga no que tange aos cuidados e ao parto com parteiras
7. Você já ouviu falar dos cuidados que as/os
kalunga têm com gestantes e bebês? 8. Os cuidados realizados pelas parteiras na comunidade kalunga são: Sim 4 importantes, auxiliam no tratamento pois
da mãe e do bebê
2
Não 1
não são mais necessários, visto que o hospital oferece todos os suprimentos para mãe e bebê
---
depende. Motivo: 3
Motivo 1 – “Por a distância muito grande do centro de atenção se concordaria e se apresenta o parto com urgência.”
Motivo 2 – “É bom porque não precisam ir até a cidade porque como a cidade fica longe a mãe acaba sofrendo d+. Mas as vezes acaba complicando a vida de uma gestante por elas não fazer as consultas todo mes e as vezes por não ter condições de ter um parto normal.”
Motivo 3 – “As vezes elas induzem o parto quando chega na unidade ja é tarde.”
9. As práticas das parteiras kalunga durante o
período do pré-natal:* 10. A equipe de saúde incentiva as práticas de cuidados típicos kalunga no que tange à alimentação, banhos, chás medicinais, entre outras, antes e após o parto para mãe e bebê?** favorecem as condições
ideais para o parto 1 Sim 1
atrapalham as condi-
ções ideais para o parto 3 Não 2
depende. Motivo: --- depende. Motivo: ---
* Um profissional de saúde não respondeu ao item questionado ** Dois profissionais de saúde não responderam ao item questionado
Nesse instante, faz-se necessário dizer, primeiro, que as questões 1 e 2 referem- se à identificação das/os colaboradores/as. Assim, com o intuito de manter o sigilo, não registramos no Quadro 8 essa parte. Em segundo lugar, os motivos registrados no quadro em tela foram transcritos exatamente como o/a colaborador/a escreveu no campo destinado a essa finalidade no questionário. Outro ponto que precisa ser explicado é a distinção entre parto normal e natural. Parto natural se difere de parto normal porque o natural ocorre sem interferências típicas da medicina alopata; é um parto que segue o tempo em consonância com os sinais naturais emitidos pela parturiente e bebê. Já o parto normal ocorre sumariamente em hospital, sob a égide de médicos/as, enfermeiros/as e, muitas vezes, é induzido com medicamentos e não segue vários aspectos do parto natural, como deixar a parturiente sentir todas as dores inerentes ao evento. No parto normal, em vários casos, há a analgesia, processo que visa eliminar e/ou diminuir bastante as dores do parto (CRUZ, 2009).
Esse quadro contemplando os dados gerados perante os/as profissionais de saúde possibilita observar um recorte importante da realidade dos cuidados práticos direcionados à saúde das gestantes kalunga. É possível verificar que as grávidas kalunga, na atualidade, buscam assistência médica nos hospitais de Cavalcante-GO e região para realização de parto e pré-natal. Entretanto, a distância e o difícil acesso são reconhecidos por parte dos/as profissionais de saúde como fatores que justificam a necessidade dos cuidados das parteiras kalunga como forma de amenizar, em alguns casos, o sofrimento das gestantes e possíveis riscos no momento do parto.
Cumpre ressaltar que tal necessidade, segundo os/as profissionais de saúde entrevistados/as, está calcada nas dificuldades de locomoção das gestantes e não propriamente na validade dos conhecimentos empregados pelas parteiras. Fato este comprovado pelas respostas mencionadas na questão 9 do questionário.
Os dados gerados aqui explicitados apontam uma demanda relevante a qual o SUS precisa se atentar: além da conhecida falta de estrutura física de atendimento digno a todos/as brasileiros/as, o SUS deveria promover/incentivar capacitação constante aos/às seus/suas profissionais de saúde que trabalham com comunidades tradicionais, como o caso das comunidades quilombolas, indígenas, de ciganos etc. Certamente, o conhecimento da cultura e do contexto social das referidas comunidades resultaria em parcerias contundentes entre comunidades tradicionais e SUS em prol da promoção da saúde e da cidadania.
O questionário em tela complementou nossa contextualização de pesquisa e nossa compreensão holística para a intepretação dos dados analisados no capítulo 3. A seguir, trataremos das oficinas de Letramentos que realizamos objetivando contribuir socialmente com a comunidade kalunga Vão de Almas-GO [à pedido das/os próprias/os colaboradoras/es kalunga].
2.2.4. Oficinas de Letramentos para o nono ano da Escola Santo