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CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA: o itinerário de construção da pesquisa

2.2. Vivenciando e construindo a pesquisa qualitativa e de postura ecoetnográfica com

2.2.6. Outras interações com o povo kalunga do Vão de Almas-GO

Os trabalhos de campo são os momentos de ida ao Vão de Almas-GO vivenciados pela pesquisadora. Visitei a comunidade, para fins de trabalhos de campo, com a aprovação do Comitê de Ética em Ciências Humanas da UnB, nos meses de maio, junho, julho e agosto de 2015, conforme relatamos no decorrer deste capítulo. A seguir, apresentaremos registros de outras interações com o Sítio Histórico Kalunga, as quais auxiliaram na compreensão do contexto cultural do povo kalunga e na escolha por desenvolver a pesquisa no Vão de Almas-GO.

O meu primeiro contato com o povo do Vão de Almas-GO ocorreu em 2012, em uma Oficina de Letramentos Acadêmicos que ministrei, como docente colaboradora, para a Turma 3 da Licenciatura em Educação do Campo da UnB. Nessa ocasião, que coincidiu com meu primeiro ano de doutoramento, eu ainda estava em busca de uma comunidade quilombola para desenvolver minha tese.

No decorrer das aulas, tive a oportunidade de conhecer licenciandos/as em Educação do Campo oriundos/as de diferentes comunidades kalunga de Goiás, como Vão do Moleque, Engenho II, Vão de Almas, entre outras. Nossa interação aconteceu de forma natural – considerando o ambiente acadêmico. Enquanto eu me desdobrava para ensiná-los/las a escrever e ler resumos, resenhas, artigos, monografias, etc., os/as kalunga se desdobravam em aprender (assim como todos/as licenciandos/as que

estavam ali, de diversas origens campesinas) para adentrar ao universo grafocêntrico inerente à universidade.

Nesse processo de ensino-aprendizagem, nossa convivência foi intensa e a empatia mútua foi crescendo. Em cada intervalo, horário de almoço e momentos após as aulas, nós, especialmente licenciandos/as kalunga e eu, dialogávamos sobre a região quilombola, as vivências nas comunidades. Conversei com kalunga do Engenho II, Vão do Moleque, etc. Mas as vivências de quem reside no Vão de Almas me chamaram mais a atenção devido ao fato de essa comunidade ser considerada a de mais difícil acesso.

Linguisticamente, o difícil acesso e a identidade kalunga revelaram dados, especialmente gerados com colaboradoras idosas, em que estruturas transitivas mostram essa questão, como o dado com o verbo “parir” analisado no capítulo 3. As colaboradoras mais jovens que, em geral, mantêm mais contato com o mundo externo ao território kalunga, por exemplo, optaram pelo uso do verbo “ganhar”, também analisado no capítulo 3.

A partir das Oficinas na LEdoC/FUP/UnB, os/as próprios/as kalunga me convidaram diversas vezes para visitar suas respectivas comunidades. E esses sucessivos convites coincidiram com o convite da Profa. Dra. Rosineide Magalhães de Sousa, docente da área de Linguagens da LEdoC/FUP/UnB, para integrar a equipe de docentes que elaboram e ministram Oficinas de Letramentos Múltiplos nas escolas das comunidades atendidas pelo curso, com recurso do PIBID12 Diversidade. Essas oficinas em campo acontecem durante o tempo comunidade e têm o intuito de fortalecer a formação inicial dos/as licenciandos/as em Educação do Campo.

Nesse contexto, em setembro de 2012, fiz uma visita in loco, com alguns integrantes da LEdoC/FUP/UnB, e participei do festejo religioso na Capela do Vão do Moleque, que inclui o Império de São Gonçalo. Essa visita foi de caráter ético, para conhecimento do território, e com recursos do PIBID Diversidade, pois faço parte desse projeto como professora colaboradora. Uma das impressões que tive sobre o festejo do Vão do Moleque é que as tradições culturais e religiosas convivem com as barracas e os barulhos dos seus geradores oriundos da cidade. Portanto, essa visita me apresentou ao território kalunga, com suas estradas de terra, mata típica do Cerrado, tradições religiosas e vivências socioculturais. Porém, nesse momento, o que mais me despertou a atenção é que, em um território considerado longínquo, quase isolado, as relações entre

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mundo interno (kalunga) e mundo externo (elementos e sujeitos urbanos) encontram-se cada vez mais entrelaçadas. Esse viés, em certa medida, foi abordado no estudo da transitividade do português kalunga em discursos do parto no capítulo de análise.

No primeiro semestre de 2013, ao lado do também docente colaborador da LEdoC/FUP/UnB Gilberto Paulino de Araújo, fiz minha primeira visita ao Vão de Almas – mais uma vez, com recursos do PIBID Diversidade. Nessa ocasião, fomos ministrar duas Oficinas de Múltiplos Letramentos para professoras/es das escolas da região e para licenciandas/os em Educação do Campo residentes nas proximidades. A primeira oficina ocorreu na Escola Calunga II, e a segunda, na Escola Santo Antônio. Em ambas as oficinas, discutimos a importância do uso dos gêneros textuais em sala de aula e as possibilidades de integração entre conhecimentos escolares e conhecimentos/realidades kalungas. Ao final, fizemos prática de produção textual com os/as professores/as, utilizando o gênero jornalístico carta do leitor.

Com essa ida ao Vão de Almas, pude constatar sua formação geográfica de cerrado ainda preservado, a importância das escolas para a comunidade, perceber algumas relações de convivência entre os/as kalungas, suas identidades, sempre com as minhas indagações iniciais: relações entre mundo interno e externo e o peso do difícil acesso, isto é, as dificuldades vivenciadas pelos/as kalungas de ir e vir da sua comunidade. Todas essas impressões me conduziram ao recorte discursivo para a análise da transitividade do português kalunga: o discurso do parto. Optamos por esse discurso porque o parto é algo extremamente importante e tocante em uma comunidade tradicional remanescente, em que o próprio nascer é a certeza de sua sobrevivência. E a transitividade constitui e revela esses discursos, como mencionamos na introdução deste trabalho.

Após esse momento, voltei ao Vão de Almas-GO, a convite das/os licenciandas/os kalungas da LEdoC/UnB, em agosto de 2013, para conhecer o festejo de Nossa Senhora D'Abadia. Assim como no Vão do Moleque, o festejo é o momento da comunidade se encontrar, visto que suas casas não são próximas umas das outras. O local do festejo, na Capelinha, há uma capela e as choupanas, todas juntas, das famílias do Vão de Almas. Essas choupanas tão próximas são habitadas apenas nos 5 dias de festejo. O evento tem rezas, missa com um padre, coroação do Rei e da Rainha da romaria, assim como som mecânico com forró durante a noite. A religiosidade e a festa em si se misturam, à beira do rio. Neste, as/os kalunga tomam banho, se refrescam do calor, cozinham, lavam vasilhas, entre outras atividades.

Alguns kalunga também montam barracas com restaurantes e outros comércios. O festejo conta com gerador. Outro ponto importante é a alta presença da/do não kalunga nesse evento. Pesquisadoras/es da UnB e da UFG e a presença do Estado, por meio da polícia militar, dos bombeiros, da secretaria de saúde, etc. são frequentes. E, nesse contexto, os/as kalungas festejam durante dias. A ida ao festejo foi muito importante para a compreensão, especialmente, das ocupações do território kalunga. Um festejo anual é a grande oportunidade de reunião do povo da localidade, que vive sem ver a poucos metros a casa do vizinho, ainda nos dias de hoje. E, ao mesmo tempo, com difícil acesso, com estradas de chão precárias e a serra, as idas e vindas do território ocorrem com bastante frequência.

Após essas interações, optamos por desenvolver a pesquisa no Vão de Almas- GO, submetemos nosso projeto de tese ao Comitê de Ética em Ciências Humanas da UnB e, depois da aprovação, realizamos quatro trabalhos de campo, já registrados neste capítulo nas subseções referentes às entrevistas e às oficinas de Letramentos.

2.3. Considerações finais do capítulo

Este capítulo delineou dois espectros importantes da metodologia: nossas concepções metodológicas e nossas ações de pesquisa. A pesquisa qualitativa, a Etnografia e a Ecolinguística são conhecimentos que fomentam nossa proposta de exercer em todo o trabalho uma postura Ecoetnográfica, para construirmos uma metodologia inovadora e condizente com os nossos objetivos e análises.

Já a Pesquisa-ação, os contextos de pesquisa, as entrevistas, as oficinas de letramentos e seus respectivos registros da vivência em campo e demais interações sinalizam nossas propostas de ação no decorrer de toda a pesquisa. Essas ações são pautadas em gerações de dados que respeitama comunidade kalunga Vão de Almas-GO no sentido ético e também apontam nosso anseio de contribuir socialmente com a comunidade, assim como prevê van Dijk (2010) acerca das pesquisas sociais da atualidade.

Portanto, o capítulo metodológico se constitui nesta tese como registro de concepções, percursos experienciados pela pesquisadora ao lado do povo kalunga, contextualizações, contribuições sociais que fomentaram nossa geração de dados. Cumpre ressaltar que o capítulo analítico a seguir tratará da análise da transitividade e demais camadas analíticas, a partir do Protocolo-Mãe (cf. capítulo 3), de discursos do

parto gerados por meio das entrevistas semiestruturadas. No capítulo analítico, o nosso objetivo será apresentar e discutir, qualitativamente, os discursos proferidos pelas mulheres kalunga do Vão de Almas-GO. Isso também é uma forma de registrar o protagonismo dessas mulheres.

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE DADOS: o Protocolo-Mãe